A previsão de que as festas e reuniões de final de ano provocariam uma explosão de casos e uma disparada na busca por atendimento em razão do coronavírus nas semanas seguintes não se confirmou em Porto Alegre.
O número de pacientes com exame positivo em unidades de terapia intensiva (UTIs) teve uma leve queda ao longo de janeiro, com recuo de 2,3% na média de hospitalizações nos sete dias anteriores a esta quinta-feira (28) em comparação a duas semanas antes.
Especialistas avaliam que reduções na mobilidade registradas nas últimas semanas podem ajudar a explicar esse cenário, mas fazem um alerta: a situação ainda é grave e pode se complicar com o final do período de férias. Por isso, não é possível abrir mão de cuidados básicos, como uso de máscara e distanciamento social.
Nas UTIs, onde chegam os pacientes mais debilitados entre duas e três semanas após picos de contaminação, a quantidade de leitos em uso variou de 313, no primeiro dia do ano, para 254 até o começo da tarde desta quinta — 19% a menos.
Nos postos de saúde, na ponta oposta da rede de atendimento, até a semana encerrada dia 18 (período mais recente disponível no portal da Secretaria Municipal da Saúde), a tendência também era de ligeiro recuo (veja gráfico abaixo) nas síndromes gripais.
Esses registros contrastam com o cenário de dezembro, quando houve aumento na demanda por UTIs. No dia 19 daquele mês, havia 333 doentes sob terapia intensiva — cifra mais elevada desde 7 de setembro e responsável por impulsionar previsões sombrias para o período posterior à virada do ano. As razões para a reversão das expectativas ainda levantam dúvidas entre especialistas.
— Teríamos de perguntar ao vírus (as razões da estabilização). O comportamento dessa doença é errático, não sazonal. Subiu no inverno, caiu na primavera, voltou a subir perto do verão — avalia o epidemiologista e consultor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira.
Uma das hipóteses mais prováveis para a estabilidades das últimas semanas — ainda que em patamar elevado — é uma progressiva redução na mobilidade detectada em diferentes setores da Capital. Sob uma possível influência do período de férias, dados coletados pelo Google revelam que a circulação até 26 de janeiro foi menor do que a registrada em dezembro em pontos como locais de trabalho, transporte público e mercados e farmácias (veja gráfico abaixo).
— A mobilidade em Porto Alegre caiu bastante. Locais onde é mais provável ocorrerem espalhamentos do vírus, como escritórios, tiveram muito menos circulação em comparação a novembro ou dezembro — observa o gerente de projetos de Gestão de Risco e coordenador da Rede Análise Covid-19, Issac Schrarstzhaupt.
O movimento no transporte público estava 23% abaixo do padrão anterior à pandemia em dezembro, e chegou a 30% neste mês. Em locais de comércio ou lazer, o recuo na mobilidade passou de 30% para 42%, enquanto a permanência em casa se manteve estável.
— Nesta época do ano, muitas pessoas tiram férias e viajam, ou acabam ficando dentro de casa — opina Ferreira.
Schrarstzhaupt lembra que o vírus segue em circulação, e o nível de internações ainda é alto. Nessas condições, é possível que o cenário mude rapidamente.
— As projeções envolvendo síndromes respiratórias indicam que pode haver aumento ou queda, é uma situação de muita incerteza. Nessas condições, a gestão de risco ensina a ter prudência — Schrarstzhaupt.
Alguns fatores adicionais reforçam a importância de se manter cuidados como distanciamento social, uso de máscaras e higiene das mãos: na primeira onda da covid-19, o avanço do vírus começou pelos Estados do Norte, seguiu para outras regiões como a Sudeste e somente depois atingiu com mais força o Sul.
Nesse momento, localidades do Norte enfrentam situação de colapso do sistema hospitalar em razão de uma nova onda da covid. Além disso, há uma nova variante em circulação, possivelmente mais infecciosa, que também justifica manter o estado de alerta.
— Com o final do período de férias, é possível que ocorra um novo aumento na mobilidade. E, como estamos em uma estabilidade em nível alto, não podemos dizer que o pior já passou — observa o coordenador da Rede Análise Covid-19.
Prefeitura não prevê novas flexibilizações no momento
A prefeitura de Porto Alegre não cogita novos relaxamentos em medidas restritivas apesar do cenário de relativa estabilidade nos atendimentos e hospitalizações por coronavírus na cidade.
Uma das razões para isso é que a cidade já se encontra sob a bandeira vermelha do modelo de distanciamento controlado, mas com protocolos da coloração laranja, menos impeditivos.
— Todas as oscilações estão sendo acompanhadas com muita sobriedade. Além disso, temos limitações jurídicas do sistema de bandeira para fazer mudanças. Somente se houvesse uma mudança na cor de bandeira seria possível fazer uma análise setor a setor sobre eventuais alterações. Mas não queremos criar expectativas nesse sentido na população — afirma o secretário extraordinário de Enfrentamento à Covid-19, Renato Ramalho.
Ramalho avalia que é muito cedo para falar em qualquer tendência sólida de declínio da pandemia na Capital. O secretário cogita que o atual equilíbrio pode ser também fruto de uma maior conscientização da população e de empresários sobre a importância de seguir os protocolos sanitários.
Epidemiologista e ex-secretário adjunto da Saúde da Capital, Natan Katz avalia que o esvaziamento da cidade pode ter de fato um peso significativo na estabilização vista em janeiro — ao contrário de outras capitais que costumam ser destino de verão para turistas. Aponta ainda outras possibilidades:
— O fato de termos visto uma transmissão sustentada (da covid-19) na cidade por um longo tempo pode ter reduzido a população suscetível (ao vírus). Também conseguimos implantar um amplo sistema de testagem, que ajuda a identificar e isolar doentes — complementa Natan.
O ex-secretário adjunto reforça que o retorno do movimento nas ruas da Capital a partir de meados de fevereiro e o eventual surgimento de novas cepas mais transmissíveis do coronavírus podem reverter o atual equilíbrio.