Dentro das novas práticas de convivência em meio à pandemia de coronavírus, virou rotina termos a temperatura do corpo medida antes de entrarmos em shoppings, mercados, lojas, entre outros. O segurança do estabelecimento aponta o termômetro para nossa testa ou para o pulso e, se a temperatura estiver normal, a passagem é liberada.
Contudo, aos poucos, cresce o número de estabelecimentos que aferem a temperatura das pessoas pelo pulso. A mudança é fruto de uma notícia falsa que circulou nas redes sociais. Ela dizia que a medição pela testa poderia fazer mal ao corpo humano por interferir na glândula pineal, localizada na parte central do cérebro e responsável pela produção de hormônios.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já desmentiu a informação e explicou que os termômetros por infravermelho não emitem radiação. Eles apenas detectam o calor emitido pelo corpo humano na forma de radiação infravermelha. No entanto, muitas pessoas passaram a preferir que o termômetro fosse apontado para o pulso, opção que foi dada por alguns estabelecimentos para deixar os clientes à vontade.
Alguns lugares fazem a medição das duas formas. É o caso do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do supermercado BIG do BarraShoppingSul. "O Hospital promove as duas formas de aferições, as quais acredita que são seguras, segundo recomendações da Anvisa", explica o São Lucas, por meio de nota. "Os termômetros infravermelhos usados para medição de temperatura corporal em avaliação clínica médica ou para triagem de pessoas usa um sensor passivo para detectar a radiação infravermelha emitida pelo calor do corpo. No inverno, a testa fica exposta a baixa temperatura do ambiente externo, o que no nosso cenário alterou muito a avaliação da temperatura quando verificada neste local. Optamos em verificar no punho pois se mostrou mais fidedigna."
"Clientes e colaboradores podem escolher a forma mais confortável para eles em relação ao local da aferição da temperatura", explica o BIG, também em nota.
Testa ou pulso?
De acordo com a Anvisa, a definição sobre medição na testa ou no pulso depende das especificações de cada aparelho. Em nota publicada no mês passado, a entidade afirmou que, em território nacional, a norma estabelece que os termômetros infravermelhos sejam direcionados para a testa para garantia de precisão da medida. O órgão pontua que o uso do aparelho "para medir a temperatura corporal em outra parte do corpo pode levar a erro de leitura, a não ser que tal procedimento esteja explícito no manual do produto".
Andrea Dal Bó, infectologista membro da Sociedade Rio-grandense de Infectologia (SRGI), afirma que é melhor usar o termômetro direcionado para a testa:
— O aconselhado é utilizá-lo em áreas com maior superfície corporal, que não estejam cobertas e fora do alcance da luz solar. O pulso, por estar geralmente coberto, pode alterar o valor da medição.
Para Luciano Goldani, professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não há diferença entre os locais do corpo para aferição. Contudo, ele ressalta outros cuidados necessários.
— A manutenção do objeto deve estar em dia e o sensor, limpo. Além disso, a medição não deve ser feita sob a luz do sol porque isso pode alterar o valor exibido no visor, o termômetro deve estar perpendicular ao ponto ao qual ele está direcionado — pontua.
Ausência de febre não significa que a pessoa não esteja infectada
Há uma polêmica ainda maior do que a região para onde o termômetro infravermelho deve ser apontado. A comunidade médica e a Anvisa não defendem que a febre deva ser utilizada como parâmetro para identificar possíveis casos de covid-19.
Sylvia Hinricsen, professora de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), afirma que a maioria dos pacientes é assintomática ou apresenta sintomas leves, que não incluem a febre:
— A pessoa pode estar transmitindo sem manifestar qualquer tipo de sintoma, sabemos que isso acontece. Por isso, a aferição de temperatura não é um bom parâmetro para controlar indivíduos com covid-19. Os mecanismos para se evitar a transmissão são o distanciamento físico, uso de máscara e higienização constante das mãos e dos locais. Cada Estado tem seu protocolo e as pessoas precisam segui-lo, essa é uma ação que tem corresponsabilidade.
A especialista cita ainda a nota técnica 30°/2020 da Anvisa, que afirma que o mecanismo de transmissão do coronavírus não foi totalmente esclarecido. O documento reforça que "estudos já apontaram a transmissão do vírus mesmo durante a fase assintomática da doença". O que faz com que o uso da temperatura, como único parâmetro, não seja recomendado.
Goldani reforça ainda que há casos de pessoas que tomam analgésicos ou antitérmicos que acabam diminuindo a temperatura e que pequenas variações não são captadas por esses aparelhos em alguns momentos:
— Esse é um método rudimentar, sem poder de detecção adequada. O ideal seria testarmos as pessoas, mas isso é impossível.