Seja devido à enchente ou a questões pessoais, o ano de 2024 foi desafiador para muita gente. Apesar de ninguém ter controle sobre a chegada das adversidades, um ramo da psicologia defende que é possível treinar o cérebro para aprender a ter um comportamento mais otimista em relação à vida e suas eventuais turbulências.
A psicologia positiva não é um campo de estudo novo. Segundo Irani Iracema de Lima Argimon, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), surgiu após a Segunda Guerra Mundial, quando sobreviventes voltavam para casa com graves sintomas físicos e psíquicos, gerando a necessidade de se buscar formas de trabalhar o bem-estar dessas pessoas.
— Não é nada “Pollyanna” (livro clássico no qual a personagem principal busca sempre ver o lado positivo em qualquer episódio de sua vida). As nossas dificuldades e facilidades e, mais do que isso, as nossas potencialidades, muitas vezes ficam encobertas, porque a vida nos cobra termos muitos objetivos: tem que fazer isso, tem que fazer aqui. Quando eu vou ver que também posso ser mais feliz? Onde entra a autocompaixão? — questiona Irani.
A docente ressalta que muito se fala sobre compaixão com os outros, mas pouco se valoriza o que nós próprios fazemos de bom, e diz que “o afeto é para os outros, mas é para nós, também”. Diferentemente de outros ramos da psicologia, a positiva prioriza a prevenção sobre o tratamento.
Grayce Delai, 36 anos, teve um ano difícil. Desde março, acompanha a mãe, Edna, nos cuidados paliativos. A idosa de 77 anos foi diagnosticada com atrofia de múltiplos sistemas e, entre idas e vindas do hospital, precisa do acompanhamento permanente de cuidadoras e da presença constante da filha, a única que mora em Porto Alegre. Apesar do desafio emocional, a jornalista tem conseguido lidar bem – faz terapia, exercícios físicos, procura ter uma rotina e desenvolveu até um novo hobby: o crochê.
— Quando a minha mãe ficou internada pela primeira vez, eu precisava fazer alguma coisa enquanto estava lá. Aí, pensei: o que eu posso fazer, que diminua a minha ansiedade? Aí, comecei com o crochê. Fiz cachecol, outras coisas mais fáceis e aprendi a fazer blusas. Esta fui eu que fiz — aponta Grayce, orgulhosa, para a peça que está vestindo.
A jornalista acredita que precisa se manter bem para dar suporte à mãe. Quando está estressada, procura, ao menos, dar uma volta de bicicleta. Em casa, conta com o amor dos gatos para dar leveza ao dia a dia. O mais importante, para ela: é manter uma rotina:
— Sem rotina, fica impossível, porque a gente não faz nada. A gente precisa ter uma motivação para acordar todo dia de manhã. É muito fácil de se perder em situações como essa.
Grayce lembra, com humor, de um dia em que havia pedido uma pizza e, enquanto a entrega não chegava, recebeu uma ligação da clínica geriátrica onde a mãe mora, dizendo que ela estava sendo internada de novo.
— Liguei para a pizzaria e disse: moço, eu sei que parece mentira, mas não é: apressa meu pedido, que eu vou ter que seguir uma ambulância até o hospital e estou morrendo de fome — conta, rindo. E complementa:
— Se eu não levar para o lado irônico, fica muito pesado. Não adianta chorar, e acho que a minha mãe não gostaria de me ver parando a minha vida.
Para 2025, Grayce sabe que algumas metas, como viajar no verão, já não serão possíveis. No entanto, se mantém firme em um projeto: pretende avançar na ideia de abrir uma agência de comunicação com uma amiga.
Prioridade para si mesma
Amanda Ribeiro Alves, 33 anos, sempre trabalhou muito: já foi massoterapeuta, é formada em Produção Multimídia, foi vendedora e, hoje, é gerente comercial. Em paralelo, desde pequena tem uma relação forte com o esporte. Antes, era nadadora. Hoje, é corredora. Neste ano, o desafio que se apresentou foi conciliar ambos os lados da vida.
— Foi um ano difícil, no âmbito profissional, mas no qual eu passei por perrengues que foram importantes para eu entender e visualizar que eu não podia abrir mão de algumas coisas. Mesmo tendo dificuldades profissionais que me levaram quase à exaustão, consegui ter resiliência para seguir com os meus treinos — conta Amanda.
Atualmente, a gaúcha, que mora no município catarinense de São José, faz musculação três vezes por semana e corre outras três. Se não consegue madrugar para participar da corrida coletiva de seu grupo, às 5h, tudo bem: vai no horário que pode e tenta não se cobrar, mas vai de qualquer forma, porque sabe que lhe faz bem.
— O trabalho sempre foi muito importante para mim e segue sendo, mas, hoje, eu tento fazer um equilíbrio. Primeiro a Amanda, depois o trabalho. E tento me olhar com mais gentileza. Se eu errei, faz parte. Vai servir de aprendizado — pontua Amanda.
Uma coisa de que tem gostado é começar o dia fazendo algo para si. Quando dá, acorda com calma, toma café e vai correr. Se o despertador toca e ela não ouve, também entende o recado do corpo, que precisa de descanso.
Apoio na fé
A dentista aposentada Dirlaine Tâmbara Vernier, 68 anos, já enfrentou momentos de tristeza profunda ao longo da vida. Há 22 anos, o filho caçula faleceu. Quatro anos depois, foi a vez do marido. Três anos atrás, mais uma perda: o filho mais velho. Mesmo assim, segue sendo exemplo de positividade para a família.
— O que me mantém de pé é a minha fé e a minha esperança. Saudade a gente sempre vai ter, mas a saudade é uma saudade boa, porque, apesar de eles terem falecido, eu me sinto uma mãe que foi muito amada pelos filhos. Eles só me deram alegria, e tenho esperança de que um dia a gente vai se encontrar — vislumbra a idosa.
Outra fonte de força é o carinho da família e dos amigos. Enquanto conversava com a repórter, Dirlaine voltava de uma viagem de cruzeiro que fez com a neta.
— A vida está aqui pra gente viver, e tem coisas boas e coisas ruins. Isso tudo é aprendizado. Se estamos aqui, é porque a nossa missão ainda não está cumprida. Então, não vamos deixar a nossa vida ser em vão — aconselha a santa-mariense.
A idosa comenta que muitas pessoas vivem o presente com medo do futuro. Para ela, na dúvida, tudo vai dar certo, e procura sempre ver o lado bom das coisas e das pessoas.
Dicas para ser mais positivo
Para quem só sabe enxergar a vida por uma perspectiva mais negativa, pode ser difícil desenvolver o otimismo, uma vez que esse comportamento tem a ver com valores internalizados desde cedo naquele sujeito. Mas não é impossível: conforme Irani, estudos mostram que se a pessoa se sente desafiada a mudar, ela muda, mesmo que aos poucos. Alguns exercícios simples ajudam nessa transformação. A docente da PUCRS cita dois:
- À noite, anotar três coisas que fez ou recebeu durante o dia e pelas quais sente gratidão. No início, pode ser que não se perceba nenhum, mas, aos poucos, em um esforço de se abraçar e não se julgar, o mundo vai se apresentando de uma forma diferente. Os itens na lista não precisam ser grandiosos: ações como molhar as plantas que esqueceu de cuidar no dia anterior ou puxar papo com o vizinho no elevador já permitem uma mudança de perspectiva.
- Mandar uma mensagem para alguém de quem se gosta, mas se está distante, falando sobre o seu carinho por aquela pessoa. Normalmente, o retorno é mais carinho, gerando um ciclo virtuoso.
Aos poucos, vai se estabelecendo o costume de pensar sobre o que se pode fazer por si e pelos outros, o que vai gerando uma sensação maior de bem-estar.
Mesmo situações muito difíceis, como doenças terminais ou o falecimento de um ente querido, Irani aponta que são possíveis de enfrentar de uma maneira mais resolutiva e ressignificar o luto.
— Estar perto de uma pessoa em cuidados paliativos e conversar com ela sobre essa condição, segurar a mão forte e ouvir, faz com que a despedida seja mais harmoniosa. Plantar uma flor que aquele familiar que faleceu gostava muito e vê-la crescer faz com que você veja aquela pessoa na vida — exemplifica a professora da PUCRS.
O Ano-Novo pode reforçar a motivação para a busca dessa mudança de energia com relação à vida, por meio, por exemplo, do estabelecimento de metas – factíveis – a serem alcançadas ao longo de 2025, sempre respeitando o seu tempo e os seus passos.