Só de ver uma picanha suculenta sendo lasqueada bem na sua frente, ou a faca do garçom baixando meia dúzia de coraçõezinhos no prato, o gaúcho já começa a salivar. Pelo menos até imaginar pelo quanto de mesas esses mesmos espetos passaram na churrascaria — e a quantidade de gente que, sem máscara, também salivou na frente deles.
O decreto que autorizou a abertura dos restaurantes de Porto Alegre, em maio, não cita o popular sistema de rodízio, e também não há recomendações específicas por parte do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região (Sindha) para isso.
Segundo o secretário extraordinário de Enfrentamento ao Coronavírus de Porto Alegre, Bruno Miragem, tal qual foi estipulado para buffets, entende-se que o atendimento de espeto corrido deve ser feito pelo funcionário: ou seja, o garçom é quem tem que cortar a carne para o cliente. Porém, não há nenhuma determinação sobre circular pelo restaurante com as peças ou apoiar o espeto de mesa em mesa.
O infectologista Cláudio Stadnik não vê essa prática com preocupação. Não há estudos que comprovem transmissão do coronavírus pelos alimentos, ressalta ele. A Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos, quando avaliou esse risco em outras epidemias causadas por vírus da mesma família, concluiu que não houve contágio por comida.
— Não acredito que exista essa possibilidade — diz ele, acrescentando: — O calor e sal que o alimento contém dificultam a permanência de vírus viável para transmissão.
Por outro lado, o infectologista André Luiz Machado da Silva destaca que a covid-19 é uma doença muito recente, e entendimentos mudam com frequência.
— Essa não é mesmo uma forma estabelecida de contágio (através de alimentos). Mas tem muita coisa em relação à covid que a gente aprende a cada dia, e nos surpreende, às vezes. Eu acho melhor pecar pelo excesso de cuidado — avalia.
O especialista sugere que as churrascarias adotem um sistema semelhante ao de buffet para servir as carnes: em vez de um garçom ir com o espeto até a mesa, o cliente iria até uma bancada para ser servido, com uma distância segura e usando máscara.
— Uma coisa é o prato feito servido, outra é uma pessoa circular por várias mesas com o alimento. E corre o risco de alguém botar o garfo, ou falar muito perto e liberar saliva na carne — lembra.
As exigências da prefeitura são seguidas à risca na Freio de Ouro, uma das churrascarias mais famosas da Capital: há frascos de álcool gel em vários cantos do salão e uma fita demarca até onde o cliente pode se aproximar do buffet de saladas — é o garçom quem serve. Afastou-se bastante as mesas e permite-se apenas a entrada de pessoas com máscaras, que poderão ser tiradas quando chegarem à mesa. Se o cliente esqueceu, a churrascaria dá proteções descartáveis. O motorista de aplicativo Kleber Ferreira, 39 anos, se sentiu seguro com todos os cuidados e avalia que são suficientes.
Marco Antônio Pereira, gerente da Freio de Ouro, não acredita que daria certo mudar o sistema de rodízio:
— O cliente é muito exigente. E isso é cultural do Sul: a carne vai na mesa.
O secretário extraordinário de Enfrentamento ao Coronavírus de Porto Alegre afirma que provocará sua equipe para analisar separadamente a questão do espeto corrido.
Etiqueta na churrascaria
- De maneira alguma, leve o garfo à carne que está no espeto. Deixe o garçom servir.
- Não deixe o rosto muito próximo à carne na hora que o garçom chega com o espeto. Lembre que, ao falar, você pode expelir gotículas.
- A etiqueta respiratória é a mesma que você precisa ter em qualquer lugar público: não tussa nem espirre sem tapar a boca com o antebraço.
- É claro que a máscara precisa ser retirada na hora da alimentação. Mas em outros ambientes, como no caixa e nos banheiros, ela deve ser usada.
- Higienize suas mãos com frequência.
Fontes: infectologista André Luiz Machado da Silva e Governo do Estado