Um novo teste para coronavírus desenvolvido pelo Grupo Fleury visa aumentar a capacidade de testagem em regiões distantes dos grandes centros e desafogar a fila de exames.
A técnica, conhecida como espectrometria de massa ou proteômica, possibilitará a testagem automatizada simultânea de 500 amostras, com capacidade de processamento de até 1,5 mil por dia. Como a amostras não precisam ser acondicionadas em temperaturas negativas, seu uso em cidades distantes das capitais, onde por vezes falta gelo seco ou refrigeradores, deve ajudar no diagnóstico de casos de covid-19.
Com especificidade de 100%, igual à da técnica de RT-PCR, considerada padrão-ouro, o processo busca identificar proteínas do coronavírus em amostras (swabs) de pacientes, chamadas de nucleocapsídeos.
O tempo total, incluindo a análise pré-clínica e processamento da amostra, é de aproximadamente três horas, metade do tempo hoje dispendido para os testes de RT-PCR, em condições normais de logística.
A espectrometria de massa consiste em identificar proteínas a partir da sua medida de massa e estrutura. Para o coronavírus, muitas proteínas são iguais às de outros vírus da mesma família, mas existem três que são exclusivas do Sars-CoV-2.
A técnica já era utilizada nos laboratórios da rede para dosar hormônios da tireoide e buscar possíveis células tumorais, por exemplo. A novidade é o emprego para o diagnóstico da covid-19, estratégia inédita no país e que garante resultado mais rápido do que o exame molecular tradicional.
Segundo o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury, o teste já se encontra disponível para uso em todo o território nacional, e sua melhor eficácia é observada na fase inicial da infecção do vírus.
Em 562 amostras de pacientes que tiveram resultado positivo via RT-PCR, a proteômica identificou proteínas para o vírus em 84% delas. Embora não tenha confiabilidade 100%, a metodologia pode ser empregada em pacientes que aguardam ainda a contraprova molecular ou que estão fora do período de sensibilidade máxima do material genético.
O preço final do exame ainda não foi divulgado, mas deve ficar entre R$ 170 e R$ 180, um valor cerca de 15% menor do que o praticado hoje para o teste que busca o RNA do vírus.
O novo diagnóstico não deve substituir o teste RT-PCR, segundo Granato. A intenção é disponibilizar uma outra ferramenta de exame para identificar portadores do coronavírus em locais onde o acesso ao método convencional é dificultado.
De acordo com o infectologista, o laboratório possui, atualmente, estoque para 15 mil testes e não necessita dos mesmos reagentes usados para o exame molecular, problema apontado por diversos laboratórios como principal entrave para a sua realização.
Uma possível aplicação da nova técnica, que está em investigação, seria detectar proteínas em pessoas que ainda eliminam o vírus mesmo após o teste RT-PCR perder sensibilidade e apresentar resultado negativo. Dessa forma, a nova técnica poderia também servir para buscar biomarcadores para a doença, permitindo identificar proteínas do vírus em outras amostras do corpo, como sangue, liquor e até lágrimas. Esses protocolos, no entanto, ainda precisam de validação.
Investigação mundial
Diversos países no mundo investigam o uso da espectrometria de massa para o combate à covid-19. Uma coalizão formada por 220 cientistas de mais de 18 países, incluindo do Brasil, foi criada com o objetivo de conectar laboratórios, compartilhar metodologias e protocolos e auxiliar em pesquisas de vacinas e terapias, além de atuar no diagnóstico da doença, como é o caso do laboratório Fleury.
Além da pesquisa do grupo, que foi submetida a publicação e está atualmente em fase de avaliação por pares, outros estudos internacionais também foram publicados em plataformas de pré-prints, mas estes contaram com um número muito baixo de pacientes testados, e ainda não foram implementados.
A tecnologia também é investigada desde meados de março por outra rede de laboratórios privada no Brasil, o grupo Hermes Pardini. Segundo Armando Fonseca, diretor médico científico do grupo, a rede conta atualmente com 17 espectrômetros de massa com capacidade de processamento de 600 a 800 amostras por dia, cada.
Fonseca afirma que a rede foi pioneira no uso de espectrometria de massa no diagnóstico de doenças raras no Brasil e vê com muito entusiasmo a ferramenta para a detecção do Sars-CoV-2, podendo contribuir para a testagem da população sem depender dos insumos moleculares, o grande gargalo para realização de exames no país e no mundo.
A sensibilidade do teste será igual à do RT-PCR, isto é, mais de 95%, enquanto a especificidade também é de 100%, diz. O método, no entanto, ainda não entrou na rotina de exames do laboratório, mas deve ser implementado em breve.
— Nós não queremos ser mais um teste dentre tantos outros, mas, sim, o teste para diagnóstico da covid-19 — reforça Fonseca.