Foco do maior temor mundial na área de saúde pública nos últimos anos, a cidade de Wuhan, onde teve início o surto de coronavírus, tem disseminado também exemplos de boas ações e solidariedade que ajudam a população a enfrentar o isolamento. Notícias e vídeos que destacam a união dos moradores locais e também de outras partes da China ganham o noticiário e as redes sociais, contrabalançando a enxurrada de manchetes negativas.
Em uma das demonstrações mais emocionantes, registradas em diversos vídeos que circulam na internet, ouvem-se gritos de "jiayóu" ("continue lutando", "fique firme"), à noite, ecoando das janelas e sacadas iluminadas, quebrando o silêncio assustador. Canções patrióticas também são entoadas. Durante a quarentena, a cantoria permite que os chineses encontrem apoio e se sintam mais próximos de seus vizinhos na megalópole de 11 milhões de habitantes e ruas desertas. "Seres humanos compartilhando vozes em uma selva de concreto", escreveu um internauta na área de comentários abaixo de uma reprodução da gravação no YouTube. "Em tempos como esses, nos damos conta de que tudo o que temos são uns aos outros", acrescentou alguém.
Na prática, os esforços são individuais e coletivos. De máscara e óculos protetores e um macacão azul que se assemelha às vestes de um astronauta, o motorista de táxi Zhang Lei tem levado passageiros a supermercados, farmácias e hospitais depois que o governo suspendeu o transporte público e até a circulação de veículos particulares na tentativa de frear o avanço das infecções. O carro do chinês de 32 anos é um dos poucos avistados nas vias vazias da imensa Wuhan. As corridas, que atendem especialmente a idosos e pessoas de baixa renda, não são cobradas.
— É de partir o coração. Não tem ninguém que tome conta deles — declarou, em entrevista ao jornal americano The New York Times, o taxista, que vive com os pais, a esposa e dois filhos e afirma ter medo de ser contaminado.
Anônimos circulam pelas ruas doando máscaras cirúrgicas – em falta no comércio – a policiais e bombeiros. Às vezes, entram e saem apressados de seus carros e largam os acessórios no chão, reduzindo ao máximo o tempo passado ao ar livre. Há contribuições mais robustas: Hao Jin, de Changde, na província de Hunan, decidiu doar 15 mil máscaras, de acordo com reportagem do Xiaoxiang Morning Herald. Uma curiosidade: no ano passado, Hao Jin trabalhou em uma fábrica que produzia essas máscaras. Com dificuldades para pagar o salário do empregado, a empresa compensou-o com a rescisão inusitada, no valor estimado em cerca de US$ 2,8 mil (aproximadamente R$ 12 mil). O ex-funcionário levou as máscaras para casa e tinha se esquecido delas até ficar sabendo da falta do produto no mercado. Separou algumas para a família e os vizinhos e repassou o restante:
— Espero que elas possam ser de maior utilidade e valor para os outros.
Em uma moto, Han Shaojian improvisou uma estação de rádio ambulante. Em Taiyuan, capital da província de Shanxi, no norte do país, ele circula divulgando informações sobre prevenção e controle da doença. O áudio é previamente preparado e editado com a ajuda de outros membros da comunidade.
Dono de um restaurante em Wuhan, Li Bo foi surpreendido pelo surto e pela quarentena antes de poder dar início a seu novo negócio, investimento que exigiu que vendesse o carro e fizesse um empréstimo. Sem clientes, entrou em pânico.
— Ficava em casa pensando em como quitaria minha dívida — contou o empresário de 36 anos ao Changjiang Daily.
Li Bo se inspirou, então, em uma reportagem que mostrava a batalha das equipes médicas nos hospitais. Teve uma ideia: junto de seu chef de cozinha, preparou 200 refeições que seriam enviadas aos profissionais. Li Bo contou que gostaria os médicos pudessem comer uma porção de comida quente em algum momento.
— Quero fazer a minha parte, por mais insignificante que seja — justificou.
De acordo com o site Beijing News, há relatos de falta de comida em hospitais. É mais uma dificuldade em uma lista imensa delas. Vídeos mostram a preparação de médicos do Exército atentos às orientações de um superior sobre um grupo de pacientes graves que estava prestes a dar entrada em um hospital; enfermeiras aprendendo a colocar as roupas protetoras e cortando os cabelos antes de se dirigirem a Wuhan; equipes assistenciais partindo de suas bases rumo ao epicentro da crise; um médico e pai de família que ficou uma semana sem ir para casa devido à imensa sobrecarga de trabalho sendo reconhecido pelo filho na televisão.
Operários da construção civil também somam seus esforços ao mutirão. Correram o mundo as imagens impressionantes do hospital, a cerca de 30 quilômetros do centro de Wuhan, erguido em apenas 10 dias. Mais de 4 mil pessoas trabalharam dia e noite para concluir a obra o quanto antes. A capacidade do novo centro de saúde é de mil leitos.
Outros locais estão sendo improvisados para receber doentes como hospitais temporários: um centro de exposições mudou de cara com a chegada de 1,8 mil camas. Ginásios, centros de esportes e escolas também vêm sendo adaptados, com a expectativa de disponibilização de mais 10 mil leitos, para dar conta da alta demanda. São direcionados aos hospitais temporários os pacientes com sintomas moderados – se o quadro piora, eles são transferidos para unidades que possam dar conta da gravidade. Especialistas como Wang Chen, presidente da Academia Chinesa de Ciências Médicas, afirmam se tratar de uma iniciativa jamais vista em território chinês.
— Se um grande número de pacientes não graves ficarem em casa ou andarem pelas comunidades, eles se tornarão a principal fonte de transmissão do vírus — acrescentou.