Morando há cinco anos em Wuhan, a cidade chinesa mais afetada pelo coronavírus, o piloto Mauro Hart, 59 anos, relata que seus dias – e os da comunidade brasileira que vive no local – têm sido de isolamento e muito contato, a distância, com familiares e amigos. Hart descreve que os moradores estão impossibilitados de deixarem a cidade, em que meios de transporte funcionam principalmente para serviços de saúde e ajuda humanitária.
Natural de Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, o piloto voltaria para o Brasil em 27 de fevereiro, mas essa data agora é incerta. A família, que mora em Natal, no Rio Grande do Norte, mantém contato constante com Hart. O contrato do piloto prevê que ele passe 42 dias em Wuhan e, na sequência, 21 dias de folga, ocasião em que ele costuma retornar ao Brasil.
A seguir, confira os principais trechos da conversa com Mauro Hart, feita por meio de uma ligação de áudio via WhatsApp.
Como está o abastecimento de itens essenciais em Wuhan?
Quanto ao abastecimento, ainda não dá para "tirar a temperatura" porque estamos no feriado do Ano-Novo chinês, e normalmente tudo para nesta época. Então é normal esse desabastecimento, e não dá pra dizer (se está faltando algo em função do coronavírus). Mas a gente nota que as coisas não estão sendo reabastecidas: há algumas redes em que não está faltando, mas já se percebe em outras. A partir de segunda-feira (3), vamos ter a dimensão real.
E o comércio, está funcionando?
O comércio está bastante reduzido, sem dúvida, também muito por conta do feriado. Mas esse problema do vírus causou o fechamento de muitos restaurantes que estariam abertos, e também de shoppings, muita lojas que, se não fosse isso, estariam abertos.
Como é seu contato com outros brasileiros?
Trabalho como piloto em Wuhan, e de pilotos brasileiros só tem eu e mais um – por acaso, moramos no mesmo prédio. Só nós dois (trabalhando como pilotos) em Wuhan, mas lógico que a comunidade brasileira é muito maior. Há estudantes fazendo mestrado, doutorado, alguns pequenos empresários também. A maioria eu nem conheço, a gente se comunica mais por rede social.
Quem tinha viagem, teve que cancelar. Viagens de grupo dentro da China foram todas canceladas. Está tudo parado: ônibus, metrô, trem, até os carros particulares estão proibidos de transitar.
MAURO HART
piloto gaúcho morando em Wuhan
Temos grupos em redes sociais há mais tempo (antes da crise do coronavírus), e hoje o grupo está sendo muito útil, porque a gente está se ajudando, até psicologicamente.
A gente procura se ajudar, troca informações, para saber o que está acontecendo. Alguns moram na universidade, aí ficam isolados dentro da instituição. A gente se informa de tudo o que está acontecendo, inclusive estatísticas, número de mortos, e também algumas demandas que a gente tem.
E como é viver nessa situação, em que ninguém entra e ninguém sai de Wuhan?
A cidade foi bloqueada, ela está selada, ninguém entra e ninguém sai. Foi uma medida do governo chinês, da autoridade de saúde – e eu acho corretíssimo – de conter o vírus pelo isolamento. Alguns tentaram até sair (da cidade), mas não conseguiram, porque não há transporte público, o aeroporto está fechado, só chegam e saem aviões lidando com questões humanitárias.
Quem tinha viagem, teve que cancelar. Viagens de grupo dentro da China foram todas canceladas. Está tudo parado: ônibus, metrô, trem, até os carros particulares estão proibidos de transitar.
E a sua rotina, como fica?
Sem dúvida é muito diferente. A rotina é atípica: eu tomo meu café da manhã, respondo e-mails, vem uma enxurrada (de mensagens) de amigos, da família. Eu converso com alguns. Minha família está no Brasil, e fico conversando com outros brasileiros, sabendo o que está acontecendo, o que vamos fazer... mas isso tudo dentro de casa. Passo o dia todo assim. Apesar de parecer entendiante, eu não paro.
Há relato de algum caso de coronavírus nas suas proximidades?
Por incrível que pareça, a única pessoa que eu conheço e tenho certa amizade é um médico chinês que contraiu o vírus, foi infectado, porém está assintomático. Mas, como é médico, chega no hospital e faz exames, foi infectado. Dos brasileiros, nenhum foi infectado.
De que maneira sua família reage a essa situação?
Se a situação aqui progredir para razoável, para boa, aí pode ser que eu volte. Minha família é muito tranquila, minha esposa é muito tranquila, a gente se fala pelo menos três vezes ao dia. Ela me conhece bem, sabe que estou bem, consigo suportar essa situação de alta pressão.
E como é a relação com o governo chinês?
Nós, brasileiros, concordamos com as medidas tomadas, apesar de serem bem drásticas. A gente acredita que o governo chinês está fazendo o trabalho correto para a contenção desse vírus. Os colegas (pilotos) fora de Wuhan que estão cumprindo quarentena, o governo colocou em bons hotéis, eles estão sendo bem tratados.
Todos os brasileiros estão cooperando com as instruções da área de saúde, como o isolamento, como evitar de sair. Apesar da angústia de querer sair, todos estão suportando de uma maneira corajosa. Os brasileiros estão muito unidos. A gente não tem queixa nenhuma dos nossos hospedeiros.
Esclareça suas dúvidas sobre o coronavírus
O que é?
O coronavírus é uma família de vírus que causa síndromes respiratórias, como resfriado e pneumonia. Versões mais graves do coronavírus causam doenças piores, como a temida Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, sigla em inglês), responsável pela morte de mais de 600 pessoas na China e em Hong Kong entre 2002 e 2003. A versão de vírus que circula agora é uma espécie nova, desconhecida da comunidade médica, e o medo é de uma pandemia global.
Quais os sintomas?
Dentre os possíveis sintomas estão febre, dor, dificuldade para respirar, tosse, diarreia e pneumonia.
Onde surgiu?
Na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China. A metrópole de 11 milhões de habitantes está isolada. Trens e voos foram interrompidos e detectores de febre foram instalados nas estações de embarque e no aeroporto. Nas estradas, a temperatura corporal é medida pelos postos de controle e, para sair da cidade, o transporte não pode ser feito de carro. Para evitar qualquer concentração de pessoas, as autoridades anularam as comemorações do Ano-Novo Lunar chinês na cidade. As autoridades também proibiram qualquer espetáculo e fecharam um museu.
Como surgiu?
O Centro para Vigilância e Prevenção de Doenças (CDC), equivalente dos Estados Unidos à Anvisa, identifica um grande mercado atacadista de peixes e frutos do mar na cidade de Wuhan como a origem das infecções.
Como ele é transmitido?
De animal para pessoa e de pessoa para pessoa. Segundo o governo chinês, o vírus pode se modificar e ser transmitido mais facilmente. Conforme o CDC, pessoas mais velhas parecem ter maior risco.
Como é o tratamento?
Não há tratamento contra o coronavírus em si, apenas contra os sintomas. Pacientes tomam remédio para baixar a febre e podem receber máscara de oxigênio para respirar melhor, por exemplo.
Quais os cuidados?
Lavar as mãos (sobretudo quem passar por aeroportos), evitar contato dos dedos com mucosas do nariz, olhos e boca. É recomendável usar álcool em gel.
A vacina contra a gripe protege?
Não. Segundo Alexandre Zavascki, chefe da Infectologia do Hospital Moinhos de Vento e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o vírus da gripe não é o coronavírus, e sim o influenza. Portanto, a vacina regular tomada antes do inverno não protege.
Por que o nome coronavírus?
O nome vem do latim corona, que significa coroa. Visto de um microscópio, o coronavírus parece uma coroa ou auréola.