Ex-piloto da Varig, o gaúcho Mauro Hart trabalha em uma companhia aérea chinesa e mora na cidade de Wuhan, epicentro da crise sanitária que assusta o planeta. Na quinta-feira (23), Mauro fez seu último voo antes de o aeroporto ser fechado para decolagens.
Saiu de Wuhan para Pequim antes das 10h e retornou no final da tarde com apenas três passageiros. Começava ali a quarentena que deve se estender até 8 de fevereiro, "se tudo correr bem".
Usando máscara, como a maioria dos moradores de Wuhan que se arriscam a sair à rua, voltou para seu "bunker", o apartamento onde ficará isolado até a liberação pelas autoridades. Nesta sexta-feira (24), em entrevista ao Gaúcha Atualidade, o piloto contou como é viver na metrópole isolada:
— Estamos completamente isolados do resto da China e do mundo. A cidade entrou em quarentena. Isso significa que parou todo o transporte público: ônibus, metrô, trens. Os aviões não podem decolar com passageiros, para não levar o vírus para outras regiões.
Pilotos de Wuhan que estavam em outras cidades foram isolados em hotéis e não podem sair do quarto. Até a comida é entregue no isolamento.
Natural de Venâncio Aires, Mauro vive em Wuhan há cinco anos. Esta não é a primeira vez que enfrenta o drama de viver numa cidade acossada por uma epidemia letal. Ele trabalhava em Taipei (Taiwan) quando a Ásia foi atingida pela Síndrome Respiratória Aguda (Sars).
— Naquela época não foi tão drástico. Nunca parei de voar. Ia do apartamento para o aeroporto e do aeroporto para o apartamento.
Wuhan tem cerca de 12 milhões habitantes. É uma cidade do porte de São Paulo, que está completamente parada. O piloto conta que pessoas não conseguem sair nem de carro, porque nas auto-estradas, quando chega nos postos de pedágio, são obrigadas a voltar.
No aeroporto, só entram os funcionários e quem trabalha nas companhias aéreas. Médicos e enfermeiros trabalham usando roupas especiais, como as de proteção em caso de guerra biológica.
No início da semana, conta Mauro, a população estava tranquila. Mas depois, após um apelo do presidente da China, tudo mudou. As pessoas sumiram das ruas. Quem circula, usa máscara para se proteger.
Nesta sexta, o piloto saiu para comprar comida e encontrou as ruas desertas. No mercado, fotografou prateleiras vazias, especialmente as de produtos perecíveis.
Mauro contou que os residentes de Wuhan que estavam em viagem quando eclodiu o problema do vírus mortal enfrentam um problema adicional: não são aceitos para se hospedar na maioria dos hotéis de toda a China, pelo risco que oferecem, com a possibilidade de estarem contaminados, já que o vírus pode ficar incubado em até duas semanas para se manifestar.
Apesar da situação crítica, Mauro diz que está bem: abasteceu a geladeira, só sai para a rua usando máscara e tem condições de permanecer por vários dias abrigado em seu apartamento.
Ainda assim, o relato é assustador. Os hospitais estão trabalhando com capacidade máxima e um novo, com mil leitos, começou a ser construído e deve ser concluído em seis dias.
Os prejuízos econômicos são incalculáveis, já que o vírus surgiu às vésperas de do Ano Novo chinês, comemorado nesta sexta-feira, quando milhões de pessoas viajam para visitar parentes. As viagens foram canceladas, os restaurantes fecharam as portas. A preocupação das autoridades chinesas agora não é em contabilizar as perdas.
— A preocupação no momento é com a sobrevivência — relatou Mauro.