Nos últimos anos, muitos especialistas em nutrição têm relacionado a epidemia de obesidade com a disseminação de alimentos ultraprocessados, elaborados para aguentar longos períodos nas prateleiras e com combinações irresistíveis de sal, açúcar, gordura e outros aditivos.
Esse tipo de comida favorece o consumo excessivo por ser rica em carboidratos refinados, açúcares adicionados e gorduras, que são atraentes ao paladar humano, dizem os especialistas. No entanto, a maioria desses alimentos não oferece fibra, proteína, vitamina e outros nutrientes importantes.
Agora, um novo estudo rigoroso, apesar de seu pequeno alcance, trouxe forte evidência de que esses alimentos não apenas estimulam o consumo excessivo, mas também podem trazer ganho de peso dramático e relativamente rápido, além de causarem outros efeitos prejudiciais à saúde.
A pesquisa, publicada no mês passado no periódico científico Cell Metabolism, descobriu que os participantes ingeriram um número significativamente maior de calorias e ganharam mais peso quando submetidos a uma dieta rica em alimentos ultraprocessados, como cereais matinais, muffins, pão branco, iogurtes adoçados, batata chips com baixo teor de gordura, comidas enlatadas, carnes processadas, sucos de frutas e bebidas diet.
Esses alimentos causaram um aumento nos hormônios da fome quando comparados a uma dieta minimamente processada de frutas frescas, vegetais, ovos, frango, peixe e carne grelhados, grãos integrais, nozes, castanhas e sementes.
Os voluntários foram recrutados por cientistas nos Institutos Nacionais da Saúde e precisaram passar quatro semanas morando em um centro de pesquisa. Lá, receberam ambas as dietas, por duas semanas cada – uma composta por alimentos integrais e outra por ultraprocessados, juntamente com lanchinhos em cada categoria –, e foram monitorados cuidadosamente. Além disso, receberam a orientação de comer quanto quisessem.
O achado mais notável foi que a dieta com ultraprocessados fez com que os participantes consumissem 500 calorias extras por dia – quantidade relativa a duas unidades e meia de uma rosca doce com cobertura –, o que levou ao ganho médio de um quilo de peso corporal em duas semanas. Quase todas as calorias extras ingeridas vieram de carboidratos e gordura.
— É uma quantidade significativa de calorias, convertidas em mudanças substanciais no peso e na gordura corporal em um período relativamente curto. Fiquei surpreso com a magnitude das diferenças que observamos — comentou Kevin Hall, principal autor do estudo e especialista em obesidade no Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais.
Barry Popkin, especialista em obesidade e nutrição mundial da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e que não estava envolvido no estudo, ficou impressionado com a pesquisa e argumentou que o peso ganho na dieta com ultraprocessados em um curto período foi "profundo".
Ele acrescentou que as novas descobertas, associadas a estudos antigos, levantam questões sobre se os produtores de alimentos seriam capazes de desenvolver versões processadas mais saudáveis que não induzam ao consumo exagerado.
— Esse estudo é muito importante e um grande desafio para a indústria alimentícia global e para o ramo da ciência dos alimentos — declarou Popkin.
Essa nova investigação, o primeiro teste clínico a traçar uma comparação direta de como alimentos ultraprocessados e não processados influenciam a saúde, pode trazer implicações importantes. As comidas ultraprocessadas são responsáveis por mais da metade das calorias consumidas por americanos e estão sendo cada vez mais difundidas ao redor do globo à medida que as multinacionais de alimentos forçam sua entrada em países em desenvolvimento.
Embora existam muitas maneiras de defini-lo, o alimento ultraprocessado, tipicamente, é aquele embalado ou o "fast food" que traz muitos ingredientes, como açúcares adicionados, carboidratos refinados, óleos industriais, sódio, sabor artificial e conservantes. Estudos observacionais de milhares de pessoas chegaram à conclusão de que a ingestão de grandes quantidades desses alimentos está associada a uma maior probabilidade de morte prematura por doenças cardíacas e câncer.
As comidas ultraprocessadas são responsáveis por mais da metade das calorias consumidas por americanos e estão sendo cada vez mais difundidas ao redor do globo à medida que as multinacionais de alimentos forçam sua entrada em países em desenvolvimento.
Por outro lado, as pessoas em condições socioeconômicas menos favorecidas tendem a consumir os alimentos mais ultraprocessados e também a fumar mais, praticar menos exercícios e ter outros comportamentos insalubres. Por isso, estudos de grandes populações não conseguem separar completamente os efeitos de comer esses produtos de outros fatores relacionados ao estilo de vida, que também podem trazer riscos de doenças.
O novo estudo, portanto, foi concebido para contornar esse problema ao recrutar adultos saudáveis, em média com 31 anos de idade, e os fazer ingerir tanto alimentos ultraprocessados como não processados.
O restrito número de participantes era necessário – 20 homens e mulheres –, porque eles deveriam passar quatro semanas vivendo em um centro de pesquisa comendo apenas o prescrito na dieta. Os pesquisadores preparavam todas as refeições e lanches deles, mantinham registro de qualquer naco de comida ingerido e cuidadosamente analisavam os efeitos desses alimentos sobre o peso, a gordura corporal, os hormônios e outros biomarcadores.
Os cientistas queriam se assegurar de que a dieta processada não conteria apenas os alimentos calóricos de baixa nutrição óbvios. Por isso, serviram muitas opções processadas que o americano típico come e até considera nutritivas, como, por exemplo, cereais Cheerios, muffins de mirtilo e suco de laranja no café da manhã; sanduíches de queijo e peito de peru com batata chips assada industrializada e limonada diet no almoço; e bife, milho enlatado, purê de batatas instantâneo e bebida diet no jantar.
Nesse mesmo tipo de dieta, os voluntários receberam lanches como batatas chips com baixo teor de gordura, bolachas salgadas com sabor e outras opções embaladas tipicamente encontradas em máquinas de comida rápida.
Os pesquisadores planejaram as dietas de modo que ambas tivessem quantidades equivalentes de calorias, carboidratos, gordura e açúcar. Mas os participantes podiam comer quanto quisessem e acabaram consumindo mais calorias nas refeições da dieta processada.
Além disso, as fontes dos macronutrientes eram muito diferentes. Na dieta não processada, a fibra, o açúcar e os carboidratos eram oriundos de produtos frescos, feijão, aveia, batata-doce, grãos e outros alimentos integrais. Já na ultraprocessada, eles ingeriam majoritariamente carboidratos refinados e açúcares adicionados encontrados em pães, bagels, sucos, bolinhos fritos, molhos, salgadinhos, macarrão, batata frita e enlatados. Ademais, tiveram de receber suplementos de fibra, já que esta não é encontrada em quantidades suficientes nos processados.
Os participantes espontaneamente comeram muito mais calorias na dieta processada e, obviamente, engordaram. Na não processada, por outro lado, consumiram muito menos calorias e perderam peso. Uma análise dos níveis hormonais deles aparentemente indicou o motivo da discrepância: na dieta não processada, os níveis do hormônio supressor de apetite, o PYY, aumentaram, enquanto os níveis de grelina, hormônio que estimula a fome, caíram.
Hall e seus colegas estão planejando estudos de acompanhamento para examinar a razão de alimentos ultraprocessados surtirem esse efeito. Ele destacou que uma coisa que muitas dietas populares têm em comum, sejam elas pobres em carboidratos, centradas em vegetais, veganas, paleolíticas ou ricas em proteínas, é o fato de que quem as segue normalmente reduz o consumo dos ultraprocessados.
Hall, contudo, se posicionou contra a demonização dos alimentos processados, pois muitos americanos dependem deles: eles são baratos, convenientes e de longa duração. O regime de alimentação com não processados usado no estudo, por exemplo, teve custo 40% mais elevado do que o da dieta ultraprocessada.
— Estamos falando de alimentos que compõem mais de 50% da dieta das pessoas e que podem ser muito atrativos para quem não tem tempo, dinheiro, habilidade e acesso a ingredientes para cozinhar refeições caseiras. Para quem precisa ter dois empregos apenas para conseguir arcar com as despesas mensais e tem uma família para alimentar, a pizza congelada pode parecer a solução ideal no fim do dia — concluiu.
Por Anahad O'Connor