Orgânico, com gordura saturada, refinado, processado, livre de glúten, lacfree, vegano. Ovo fazia mal, agora faz bem. Melhor não comer açúcar. Nem carboidrato. Nem gordura. Nem muita carne. Saudável mesmo, só água e salada.
Só água e salada?
Com tanta informação, uma simples passada pelos corredores do supermercado pode se tornar um pesadelo. Mas, calma. Comer bem não tem mistério, não significa terrorismo nutricional nem viver só de legumes. Dá para colocar de tudo um pouco no prato e ainda ter prazer a cada garfada, garantem médicos e nutricionistas.
– Falo que temos que comer de tudo, porém não tudo – brinca a nutricionista clínica Francine Dartora. – Na nossa alimentação, tem espaço para um pouco de gordura, carboidrato etc. Dietas "doidas" acabam restringindo muito – completa.
Mas parece que muita gente anda confundindo o "de tudo" com "tudo". No Brasil, os índices de obesidade cresceram de 11,8% da população em 2006 para 18,9% no ano passado, de acordo com a Pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), divulgada na segunda-feira. E o excesso de peso não vem sozinho, ele traz consigo doenças como hipertensão e diabetes. Na última década, o índice de hipertensos subiu 14,2%, passando de 22,5% para 25,7% da população. Já o de diabéticos saltou 61,8%, indo de 5,5% em 2006 para 8,9% em 2016.
Ao lado de hábitos como praticar atividades físicas e evitar o cigarro, as escolhas alimentares influenciam diretamente na saúde. Colocar no prato alimentos certeiros pode prevenir doenças cardiovasculares e diversos tipos de câncer e parece ser um bom caminho para a longevidade.
Para fugir das estatísticas e alcançar uma alimentação saudável, o primeiro passo é começar a prestar a atenção na composição das refeições. Elas devem contemplar carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas e minerais para preencher o requisito básico da alimentação, que é nutrir o corpo.
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Antes que você pense que isso tudo é muito difícil, reunimos quatro grandes segredos do comer bem. Fáceis de serem colocados em prática, eles devem se tornar um mantra na hora de pensar as refeições. Assim, dá para fugir das armadilhas do dia a dia sem sofrimento e com prazer.
1) LEIA OS RÓTULOS
A tarefa pode parecer um pouco chata, mas é impossível fazer boas escolhas sem ler (e entender!) os rótulos.
– Sem prestar atenção nisso, muita gente acaba consumindo alimentos achando que são saudáveis, e não são – alerta a nutricionista clínica, esportiva e preventiva Tatiana Pizzato Galdino.
O que ler
Esqueça a tabela nutricional e leia os ingredientes. A ordem em que eles aparecem na lista é fundamental: são classificados pela quantidade – ou seja, o primeiro é aquele que está em maior quantidade. Portanto, se a lista do alimento começar com açúcar, significa que esse é o ingrediente principal do produto.
Lendo os ingredientes você consegue descobrir se um pão ou biscoito é realmente integral, por exemplo. Se o primeiro ingrediente da lista for farinha de trigo enriquecida ou farinha de trigo, o alimento não é integral – mesmo que, lá na frente e em letras grandes, o rótulo diga que é. Para um pão ou biscoito ser integral, o ingrediente em maior quantidade (ou seja, o primeiro da lista) precisa ser farinha de trigo integral. A farinha branca pode aparecer depois, mas não pode vir antes da integral.
E esse truque é permitido? Sim. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não estabelece regras para os produtos integrais, o que libera a indústria para dizer que um alimento é integral mesmo que seu principal ingrediente seja refinado.
Por trás das máscaras
Alguns ingredientes aparecem mascarados na lista por nomes geralmente estranhos:
* Xarope, frutose adicionada, néctar, sacarose, maltodextrina, dextrose, glicose, amido e açúcar invertido: açúcar
* Gordura vegetal hidrogenada: gordura trans
E ainda há aditivos como corantes, conservantes e outros componentes que sequer aparecem nas listas.
– O correto quando se escreve um rótulo é abrir parênteses e dar a composição do alimento. Por exemplo, o meu produto pode não ter leite, mas pode ter algum ingrediente que contenha. Vemos essa especificação muito pouco ainda. A tendência é que aumente em função da legislação de alergênicos – explica Luciana Meneghetti, nutricionista e consultora na área da alimentação.
E a tabela nutricional?
A leitura é secundária e, muitas vezes, dispensável. Se você quiser, vale observar a quantidade de macro e micronutrientes do produto para buscar alimentos com mais proteínas ou mais fibras, por exemplo.
2) NÃO COMA GORDURA TRANS
Se há um ingrediente que pode ser tachado como vilão da dieta saudável, é a gordura trans. Ela foi criada pela indústria alimentícia para auxiliar na conservação e no rendimento dos produtos. Como é totalmente artificial, nosso corpo não a reconhece, por isso, ela se acumula nas artérias, aumentando o colesterol ruim e reduzindo o bom.
– As gorduras trans são uma desgraça total. Elas não trazem nenhum benefício e ainda são prejudiciais – alerta o médico endocrinologista Antônio Carlos Schilling Minuzzi.
Segundo ele, o consumo excessivo desse tipo de gordura aumenta o risco de doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e diabetes. Isso porque elas agridem as mitocôndrias, conhecidas como pulmão das células, acelerando a degeneração e o envelhecimento celular. Além disso, bloqueiam a produção do colesterol bom (que atua como uma "vassourinha" limpando as artérias), o que culmina na aterosclerose, estreitamento, espessamento ou endurecimento das artérias-tubos que conduzem o sangue oxigenado do coração a todos os órgãos do corpo.
Como encontrá-la
A lista de alimentos que costumam ter gordura trans é grande: massa de pizza, margarina, massa de folhados, sorvetes, biscoitos água e sal, bolachas recheadas e salgadinhos são alguns deles. Muitos, inclusive, ostentam o título de “livre de gorduras trans” no rótulo. A explicação é simples: de acordo com a legislação brasileira, as indústrias só são obrigadas a indicar esse tipo de componente se ele for superior a 1 grama por porção. Isso quer dizer que duas bolachas recheadas, por exemplo, podem ser consideradas "livres de gorduras trans", mesmo que tenham alguma porcentagem da substância.
– Duas bolachas não têm, mas um pacote inteiro tem – garante Luciana.
Para a OMS, o consumo de gorduras trans deve ser limitado a 2 gramas por dia, segundo Tatiana.
Então, lembre-se da dica nº 1, leia os ingredientes do rótulo e evite os alimentos que contenham essa gordura.
Água, uma grande parceira
Somos compostos em boa parte por água. Então, sempre que tiver sede, beba.
– O cérebro envia um sinal quando precisamos consumir água, e devemos respeitá-lo – afirma a nutricionista Francine Sartora.
Se ficar sem graça tomar, coloque limão, gengibre ou hortelã para dar sabor. Um guia para entender as informações nos rótulos: bit.ly/ler-rotulos
Um dos pilares da boa alimentação é o prazer. Não vire refém de dietas restritivas nem sinta-se culpado por comer algo não tão saudável assim.
– Não pode ser radical. Precisamos fazer da refeição um ritual de paz e felicidade. Se deslizar, não ficar com culpa e não se penalizar, só não tornar isso um hábito – ressalta o endocrinologista Antônio Carlos Schilling Minuzzi.
3) PROTEÍNA EM TODAS AS REFEIÇÕES
Mesmo aqui no Rio Grande do Sul, terra do churrasco, o desequilíbrio no consumo de proteína é um dos erros mais comuns da alimentação.
– É muito mais fácil consumir carboidratos. Tem a bolachinha, o pão. Muitos só pensam nas proteínas na hora de consumir carnes e esquecem de ovos, iogurtes e leite – diz a nutricionista Tatiana Pizzato Galdino.
Comer proteínas nas doses adequadas é fundamental para a saúde: ajuda a manter a massa muscular e traz saciedade – o que reduz a vontade de comer carboidrato e diminui o risco de obesidade e diabetes –, melhora o sistema imunológico e faz aumentar o gasto calórico. Ou seja, quando ajustado, o consumo desse macronutriente contribui para a longevidade e para o emagrecimento.
Uma informação valiosa
O consumo equilibrado de proteínas tem um segredinho que faz toda diferença: não adianta comer muita carne no almoço e nada no jantar ou no lanche. O organismo só consegue metabolizar entre 20 e 25 gramas por vez, o resto é transformado em gordura.
Para ter benefícios e não prejuízos, é preciso dividir a quantidade consumida em cada refeição. Lembre-se de comer também ovos, iogurtes, leite e carnes magras.
– Seria interessante ingerir peixe pelo menos três vezes por semana. Mas não frito! Nos demais, pode-se variar entre carne vermelha, frango e porco – indica Tatiana.
Para colocar a proteína nos lanches, ovos cozidos e omeletes, iogurte natural, shake com leite e frutas e atum são boas opções.
4) EVITE OS INDUSTRIALIZADOS
Poucas sentenças são unânimes quando o assunto é dieta. Em geral, a reposta é um insatisfatório “depende”. Mas esta regra é como um mandamento: quanto mais natural o alimento, melhor. Escolher a “comida de verdade” faz um bem danado: você se livra de aditivos químicos que só prejudicam a saúde. Mas isso não significa que todo industrializado é ruim. Com uma boa olhada no rótulo (olha a dica nº1 aí de novo!) é possível encontrar opções mais naturais.
– Quanto menos ingredientes, melhor o alimento – afirma a nutricionista Tatiana Pizzato Galdino.
Listamos algumas dicas para ajudar.
Açúcar ou adoçante?
Embora os especialistas admitam os prejuízos do açúcar para o corpo, eles concordam que é "menos pior" ingerir doses pequenas do ingrediente do que usar adoçantes artificiais.
– É melhor usar uma colherinha de açúcar do que adoçante. Pessoas que usam duas colheres podem reduzir para uma, e assim ir diminuindo a porção até que aprendam o sabor do alimento – sugere a nutricionista Luciana Meneghetti.
A mesma lógica vale para o refrigerante: o melhor é não tomar, mas, caso queira, escolha a versão normal e evite a zero, que usa somente adoçante. E lembre-se: produtos diet são feitos para diabéticos. Quem não tem essa doença não precisa (nem deve) optar por esses alimentos.
– Estudos mostraram que eles podem aumentar o apetite, fazendo com a que a gente coma mais – esclarece a nutricionista Francine Dartora.
Ao utilizar açúcares, prefira o mascavo ou demerara, que por não passarem pelo processo de refinamento conseguem manter alguns nutrientes.
Congelados, pode?
Pode, se você olhar bem o rótulo e escolher aqueles com menos ingredientes – ou seja, os mais naturais, com menos conservantes, sódio e gorduras. E também vale optar pelo legumes congelados quando não der para ir à feira.
– Quem tem tempo de comprar alimento fresquinho todos os dias? Isso engessa muito a alimentação. Às vezes, é bom ter legumes congelados em casa, pois é melhor consumi-los assim do que ficar sem eles – pondera Luciana.
Já os embutidos...
Esses são mais difíceis de defender. Carnes processadas aumentam em 30% o risco de mortalidade e ampliam o risco de câncer. Elas contêm nitritos e nitrados, substâncias cancerígenas.
– Os embutidos têm pouca proteína, muita gordura e conservantes, e os defumados são piores ainda – enumera Tatiana.
A dica é substituí-los por carnes assadas e só comê-los excepcionalmente.