No iogurte, na farinha, na carne. Eles estão em praticamente todos os produtos industrializados e, não fosse a presença deles, muito do que a gente compra no supermercado não duraria a metade do tempo nem teria o sabor e a aparência que nos fazem consumi-los. Estamos falando dos aditivos alimentares.
Eles são até populares, mas, na prática, os consumidores ficam sem entender muito bem para que servem e quais os possíveis riscos que trazem à saúde. Os aditivos são usados na alimentação humana há séculos, principalmente para garantir a conservação de alimentos. As civilizações antigas costumavam guardar carnes e outros produtos perecíveis em recipientes cobertos de cloreto de sódio, nosso popular sal. Ervas e especiarias também ajudavam na árdua tarefa de não desperdiçar a recompensa de caçadas desgastantes.
Leia também:
Abacate do café ao jantar: saiba como aproveitar a fruta rica em gorduras boas
Quem realmente deve evitar o glúten?
Veja dicas que vão te ajudar a comer bem sem abrir mão do prazer
Hoje já não perdemos horas à espreita na selva em busca de alimento, mas a vida moderna deu um jeito de ocupar nosso tempo de outras formas, e alimentar-se num mundo de mais de 7 bilhões de habitantes e jornada de trabalho fora de casa exigiu adaptações. A indústria alimentícia correu para preparar o macarrão instantâneo nosso de cada dia e, atualmente, dispõe de centenas de substâncias que asseguram conservação e sabor aos alimentos.
A Food and Drug Administration, agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos que controla e regulamenta a segurança alimentar no país – e que baliza ações de muitas agências reguladoras –, autoriza o uso de mais de 3 mil aditivos alimentares. No Brasil, a Anvisa considera aditivo alimentar "qualquer ingrediente adicionado intencionalmente aos alimentos, sem propósito de nutrir, com o objetivo de modificar as características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais". Essa adição pode ser feita durante a fabricação, o processamento, o preparo, o tratamento, a embalagem, o acondicionamento, a armazenagem, o transporte e até na manipulação de um alimento.
A legislação também estabelece a quantidade desses aditivos de acordo com o tipo de produto. Tudo deve estar discriminado nas embalagens para conhecimento do consumidor. O problema é que nem sempre isso fica tão fácil de identificar. Com códigos próprios e uma nomenclatura um tanto indigesta à maioria da população, essas substâncias não são reconhecidas com facilidade pelas pessoas, que tampouco entendem para que servem flavorizantes, espessantes etc.
– Ler o rótulo é fundamental para entender o que se está consumindo e fazer a escolha consciente, mas os brasileiros não têm esse hábito. De um modo geral, as indústrias atuam sob leis boas, que estabelecem regras seguras para o uso desses aditivos – diz André Souto, professor do curso de Ciência e Inovação em Alimentos da PUCRS.
Sob o ponto de vista nutricional e de riscos à saúde, médicos e nutricionistas entendem que é praticamente impossível manter uma alimentação exclusivamente natural, sem produtos industrializados. A sugestão é que se opte por incluir mais alimentos naturais – de preferência orgânicos – na dieta e que, na hora de comprar os industrializados, aposte-se naqueles que têm menos aditivos.
Sabor e cor que podem trazer riscos
Quando a indústria alimentícia garante que a adição de determinados químicos não representa riscos à saúde, ela não está tentando enganar os consumidores. É verdade que as quantidades de flavorizantes, corantes, acidulantes e outras substâncias adicionadas aos produtos seguem padrões rigorosos. Mas essa segurança foi constatada em testes que consideraram uma dieta variada, na qual esses produtos não eram a principal fonte de nutrição, como acontece com muita frequência atualmente. Aí é que está o problema. Por isso, a recomendação médica e nutricional é de ingerir industrializados com moderação.
Mas, também, há pesquisas que demonstram reações mais imediatas a esses químicos. Um artigo publicado na revista da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia enumera relatos de estudos sobre possíveis sintomas relacionados a aditivos.
Os antioxidantes alimentares BHA (hidroxianisol butilado) e BHT (hidroxitolueno butilado), por exemplo, são apontados como possíveis indutores de urticária e dermatite eczematosa. Esse tipo de substância, usada na conservação de alimentos ricos em gordura e também nos secos, como os cereais, é proibido em alguns países.
O dióxido de enxofre e outros sulfitos inorgânicos, empregados no controle do crescimento de micro-organismos em diversos alimentos e bebidas fermentadas, como o vinho, podem desencadear crises de broncoespasmo em pessoas sensibilizadas, e a relação dessa ingestão à ocorrência de urticária e angioedema também tem sido estudada. Outras avaliações científicas dão conta de que o consumo frequente de certos aditivos amplia a probabilidade de desenvolver patologias como câncer.
Indústria deve se adaptar
Por conta dessas possibilidades e da necessidade de ampliar as informações ao consumidor sobre o que está nos alimentos, há movimentos propondo a adoção de produtos mais naturais pela indústria e rótulos mais claros. Nos Estados Unidos e na Europa, há quase duas décadas, os chamados Clean Label (ou rótulo limpo) têm ganhado espaço nas prateleiras. São produtos – não somente no setor de alimentação – que não trazem em sua composição aditivos artificiais e priorizam ingredientes simples e de mais fácil compreensão. Investimento em tecnologia também garante conservação e qualidade de sabor e aparência.
– Há uma tendência mundial em substituir os elementos artificiais pelos naturais, e a tecnologia já nos permite isso. Mas, claro, ainda são produtos mais caros – ressalta o professor André Souto.
O olhar mais atento e preocupado do consumidor para aquilo que coloca à mesa impulsiona algumas mudanças na indústria, da mesma forma que o crescimento do número de diabéticos no mundo exigiu exploração dessa alimentação específica. A redução do sal e a patrulha sobre a gordura trans também dão indícios de que o futuro exige investimentos em tecnologia para que se diminua a dependência dos aditivos e das substâncias artificiais. Publicações especializadas do setor, como a Food Ingredient Brasil (FIB), apontam que as perspectivas até 2020 levam para a valorização de conservantes e corantes naturais e aplicação de ingredientes não só naturais, mas sustentáveis econômica e ambientalmente. A nanotecnologia já é empregada e poderá revolucionar a indústria alimentícia, mas ainda é preciso regulamentação para seu emprego. Até lá, o limite para consumir aditivos está nas mãos e nos olhos da população.
– O principal é ler o rótulo para saber o que está comendo – aconselha Daniel Neutzling Lehn, diretor do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (Cetec) da Univates.
Síndrome do restaurante chinês
Um dos aditivos mais usados na indústria de alimentos, o glutamato monossódico é um realçador de sabor e está em uma gama enorme de produtos. É ele que confere o sabor umami, um dos cinco gostos básicos do paladar humano – além do doce, salgado, amargo e ácido. Alguns alimentos, como tomates e cogumelos, têm doses altas de glutamato, que também é produzido naturalmente pelo organismo e tem papel importante no funcionamento do corpo. O problema, de novo, é a dose em que ele chega à nossa alimentação.
A substância ganhou fama mundial por conta dos supostos riscos que traria à saúde, e muitos cientistas se debruçaram em estudos para comprovar ou não os efeitos adversos desse aditivo no organismo. Esse conjunto de possíveis reações – como enxaqueca e relatos de náusea após o consumo – passou a ser chamado de síndrome do restaurante chinês, já que o glutamato é largamente utilizado nessa culinária, apesar de ter sido descoberto pelo químico japonês, Kikunae Ikeda, em 1908. Nenhum estudo se tornou conclusivo, e a própria agência americana Food and Drug Administration (FDA) considera segura a adição de glutamato. A tal síndrome do restaurante chinês ficou no limbo, sem dados suficientemente consistentes que comprovem a relação dos sintomas que ajudaram a descrevê-la e o consumo da substância.
Os aditivos da sua comida
Conheça as principais substâncias usadas pela indústria alimentícia e para que elas servem:
Antioxidante (ANT)
Substância que retarda o aparecimento de alteração oxidativa no alimento – ou seja, evita que eles estraguem muito rápido. Um exemplo é o ácido ascórbico.
Corante (COL)
Substância que confere, intensifica ou restaura a cor de um alimento. Pode ser natural ou artificial. Exemplo: tartrazina.
Conservante (CONS)
Impede ou retarda a alteração dos alimentos provocada por micro-organismos ou enzimas. Exemplo: ácido acético.
Edulcorante (EDU)
Substância diferente dos açúcares que confere sabor doce ao alimento. Exemplo: aspartame.
Espessante (ESP)
Aumenta a viscosidade de um alimento sem alterar significantemente outras propriedades. Entre os alimentos que podem conter espessantes estão geleias, gelatinas, sorvetes, pudins, maionese e leite achocolatado. Exemplo: goma arábica.
Acidulante (ACI)
Aumenta a acidez ou confere um sabor ácido aos alimentos. Também influi na conservação dos alimentos. Exemplo: ácido cítrico.
Emulsificante (EMU)
Mantém uma dispersão uniforme de um líquido em outro, como óleo e água, tornando possível a formação ou manutenção de uma mistura uniforme de duas ou mais fases imiscíveis no alimento. As lecitinas e os polisorbatos são muito usados em chocolates, margarinas e alguns salgadinhos. Exemplo: sorbitol.
Melhorador de farinha (FLO)
Substância que, agregada à farinha, melhora sua qualidade tecnológica para os fins a que se destina. Exemplo: lactato de cálcio.
Flavorizantes (EXA)
Ressalta ou realça o sabor/aroma de um alimento. Exemplo: glutamato monossódico e baunilha.
Fermento químico (RAI)
Substância ou mistura de substâncias que liberam gás e, assim, aumentam o volume da massa. Exemplo: ácido glucônico.
Glaceante (GLA)
Substância que, quando aplicada na superfície externa de um alimento, confere uma aparência brilhante ou um revestimento protetor. Exemplo: ácido esteárico.
Agente de firmeza (FIR)
Substância que torna ou mantém os tecidos de frutas ou hortaliças firmes ou crocantes, ou interage com agentes geleificantes para produzir ou fortalecer um gel. Exemplo: gluconato de cálcio.
Estabilizante de cor (EST COL)
Assegura as características físicas de emulsões e suspensões, aplicados em conservas, doces, sobremesas, lacticínios, sopas, caldos concentrados, panificação, massas, alimentos processados, biscoitos, sorvetes, achocolatados e sucos. Exemplo: hidróxido de magnésio.
Espumante (FOA)
Possibilita a formação ou a manutenção de uma dispersão uniforme de uma fase gasosa em um alimento líquido ou sólido. Exemplo: metiletilcelulose.
Umectante
Mantém a umidade dos alimentos, protegendo-os da perda de umidade em ambiente de baixa umidade relativa ou que facilita a dissolução de uma substância seca em meio aquoso. É adicionado em balas, recheios de bolos e bolachas, chocolates etc. Exemplo: glicerol, sorbitol, lactato de sódio.
Antiumectante
Adicionado a alimentos que obrigatoriamente têm de ser mantidos secos, como leite e temperos em pó. É uma substância capaz de diminuir a tendência de adesão, umas às outras, das partículas individuais. Exemplo: carbonato de cálcio, carbonato de magnésio, silicato de cálcio.