A classe da reciclagem se reuniu nesta quarta-feira (10), em frente ao Centro Administrativo Municipal, para cobrar a atenção do prefeito Sebastião Melo às demandas da categoria. Entre as reivindicações, os manifestantes pediam a prorrogação do auxílio emergencial dos recicladores, investimento na melhoria das unidades de triagem (UT) e um acordo sobre o novo contrato entre a prefeitura e as UTs, discussão que se estende desde o início do ano.
Organizados pelo Fórum de Catadores de Porto Alegre junto ao Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, trabalhadores das cooperativas de reciclagem, catadores individuais e apoiadores se concentraram no local às 10h. O objetivo era conseguir contato diretamente com o prefeito, que não se manifestou. Foi sugerida uma reunião na manhã de quinta-feira, mas os catadores se mantiveram firmes na decisão de não esperar. Em protesto, o grupo trancou a Avenida Mauá em torno das 15h, e às 16h o ato se encerrou.
— Amanhã vai ter uma mediação no TRT e todos os secretários que a prefeitura botou à nossa disposição hoje vão estar presentes. Por isso a gente veio aqui falar com o prefeito, que é o chefe do Executivo e responsável por todas essas decisões, porque não nos interessa falar com quem a gente já vêm conversando desde março e não apresenta absolutamente nada. Até porque, em todos os momentos de debate, as respostas são de que vão consultar o prefeito. O debate já existe, já é formalizado, institucionalizado e não acontece nenhuma mudança — explica a assessora jurídica do movimento de catadores de Porto Alegre, a advogada Paula Garcez Corrêa da Silva.
A ação foi apoiada pela cozinha solidária do projeto Periferia Feminista, que forneceu 200 marmitas, pelo Centro de Educação Ambiental, que mobilizou a doação de água e pela Central Única dos Trabalhadores, que conseguiu dois ônibus para o transporte dos catadores das UTs até o centro. O policiamento foi feito pela Guarda Municipal, e servidores do centro administrativo saíam e entravam normalmente do prédio.
Com um microfone, líderes do movimento entoavam gritos de "sou catador com muito orgulho, com muito amor" e "na prefeitura nós viemos conquistar nosso valor". Coordenadores das cooperativas relataram as dificuldades dos recicladores de trabalhar nos galpões em condições precárias.
— Trabalhamos com o pé no barro o ano todo e com pressão do DMLU para trabalhar mesmo no escuro. Com o que ganhamos, duas semanas de coleta são para pagar impostos e as outras para botar dinheiro no bolso — declarou o presidente da Coopertinga, Gerno Dias Prado.
Entenda as demandas dos recicladores
Prorrogação do auxílio aos catadores
Um dos motivos do protesto teve solução ainda na manhã de hoje. Foi prorrogado por mais seis meses o auxílio emergencial dos recicladores das unidades de triagem. A medida foi criada em janeiro, com duração de seis meses, como um complemento financeiro de R$ 670 aos catadores. Com os eventos climáticos extremos que atingiram as UTs nos últimos meses e a baixa qualidade do material recebido, os recicladores têm enfrentado uma queda na renda. São beneficiados 334 recicladores associados às 17 Unidades de Triagem (Uts) de Porto Alegre.
Até o momento do anúncio, as cooperativas não tinham nenhuma informação sobre a renovação. A última parcela estava prevista e foi paga em junho. Pelas tentativas fracassadas de contato com a prefeitura e incerteza sobre a prorrogação, a classe decidiu organizar a manifestação.
Melhorias nas unidades de triagem e assistência depois da enchente
Essa é uma demanda antiga da categoria. Em abril, Zero Hora publicou uma matéria sobre a situação de três UTs que foram severamente afetadas pelo temporal que atingiu a Região Metropolitana em janeiro e ainda esperavam recursos para as reformas. Foram telhados perdidos, paredes caídas e máquinas estragadas, o que dificulta o processo de separação.
Mas, antes do temporal, outros galpões já lidavam com problemas insolucionáveis, como é o caso da Coopertinga, que está há mais de um ano sem luz, água e parte do telhado devido a um incêndio. Para a manutenção dos galpões, as cooperativas recebem um repasse mensal de R$ 5.200 que os presidentes das cooperativas acham insuficiente.
Os catadores também reclamam do pouco auxílio recebido da prefeitura para a limpeza das UTs depois da enchente de maio. Entre cooperativas e associações, 12 locais foram afetados e estão inoperantes ou com dificuldades. O movimento do recicladores organizou, por conta própria, mutirões de limpeza com apoiadores e voluntários.
Novo contrato entre a prefeitura e os catadores
A prefeitura de Porto Alegre planeja um novo modelo de gestão do lixo doméstico produzido na cidade que preocupa os recicladores. Na proposta, por meio de uma parceria público-privada uma única empresa seria responsável por todas as etapas de tratamento do lixo, desde o recolhimento até a separação e destinação. Segundo a advogada do movimento dos catadores, as cooperativas não foram consultadas durante a elaboração do projeto. À pedido da categoria, os editais da licitação foram suspensos enquanto não houver um acordo entre a reciclagem e o município.
Desde março estão acontecendo reuniões com apresentação de propostas de ambas as partes, mas ainda não se chegou a um acordo. Fagner Jandrey, catador e ativista do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, que participou das mediações, explica que os recicladores não acataram a proposta inicial da prefeitura de se tornarem funcionários da empresa gestora, mas que buscam condições dignas e valorização do seu trabalho:
— A mediação é uma extensão dessa manifestação. Tivemos que estender para o judiciário um problema que a prefeitura não consegue resolver. A gente quer discutir o modelo da concessão e, se avançar, queremos que esteja garantida a execução do nosso serviço para o município de Porto Alegre. Precisamos que a concessionária faça investimentos nesse sistema de reciclagem popular, de coleta seletiva solidária feita pelos catadores, no sistema de triagem feita pelas UTs, nos projetos de educação ambiental.
Uma demanda dos recicladores para o novo modelo de contrato é o pagamento pelo serviço prestado. Hoje, a renda que os catadores têm, tanto nas cooperativas quanto os que trabalham na rua ou associações, vem da venda do material reciclável. Nas UTs, é feito o serviço de triagem, armazenagem, enfardamento e destinação adequada, mas as condições previstas no contrato atual cobrem somente o custo de operação.
Acontecerá, amanhã, outra mediação no TRT4 para a apresentação da proposta da prefeitura do novo modelo de contrato.
Prefeitura se manifesta
Sobre as UTs atingidas pela enchente, a prefeitura informa que o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) finalizou a limpeza em sete unidades. Agora, a Secretaria do Desenvolvimento Social trabalha no levantamento financeiro para recuperação estrutural das UTs, etapa necessária para o retorno das atividades nestes locais.
*Produção: Caroline Fraga