
Signatários de um manifesto lançado na semana passada com recomendações para melhorar o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre (leia abaixo), engenheiros que trabalharam na máquina pública da Capital concederam entrevista coletiva nesta quinta-feira (23) para aprofundar o conteúdo do documento. Os especialistas reafirmaram que a falta de manutenção do sistema foi responsável pelo alagamento em grande escala na cidade.
Conforme a prefeitura, o colapso nas casas de bombas, responsáveis por drenar a água pluvial, ocorreu em razão de erros de engenharia na época da concepção das estações, que deveriam ter sido construídas em altura mais elevada.
Essa explicação é contestada pelo engenheiro eletricista Vicente Rauber, que foi diretor do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), hoje incorporado ao Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).
— Não existe erro de projeto. O projeto, feito por engenheiros alemães, está correto. Dizem que teriam de levantar os motores porque eles inundam, mas estão inundando porque não estão operando. E as comportas têm que estar fechadas para que a água não entre. Simples assim — apontou Rauber, especialista em Planejamento Energético e Ambiental
O engenheiro sustenta que as casas de bombas, chamadas oficialmente de Estações de Bombeamento de Água Pluvial (Ebaps), foram inundadas em razão de falhas nas comportas que ficam junto a essas estruturas — que são diferentes das 14 comportas ao longo do Muro da Mauá e do dique da Avenida Castelo Branco. Com o alagamento, as estações deixaram de operar, o que fez com que a água subisse pelos bueiros em vez de escoar para o Guaíba.
Outro ex-diretor do DEP, o engenheiro civil Augusto Damiani explicou que essas comportas funcionam de forma semelhante a uma basculante e dependem de revisão periódica.
— Muitas vezes um tronco ou um pedaço de galho de árvore vem pela correnteza e tranca. Outras vezes é um problema de vedação. Isso é corriqueiro, e é necessário constante manutenção. Uma casa de bombas pode estar operando perfeitamente hoje e em 15 dias, com um evento de chuva muito forte, ter problemas — explicou.
Atualmente, apenas 10 das 23 casas de bombas da Capital estão funcionando. No pico da crise, apenas quatro delas operaram simultaneamente. Nos últimos dias, o Dmae tem recuperado o acesso às Ebaps com o auxílio de bombas flutuantes que drenam a água das proximidades.
Recriação do DEP
O documento lançado pelos engenheiros foi entregue na semana passada ao prefeito Sebastião Melo. Além de elencar providências para reduzir os alagamentos, o grupo sugeriu a recriação do DEP, extinto em 2017 pelo então prefeito Nelson Marchezan.
— Mesmo que estivesse sendo sucateado desde a gestão anterior a esta, tínhamos um órgão de primeiro escalão, diretamente ligado ao prefeito, que era responsável por cuidar do sistema de proteção contra inundações, operar e manter casas de bombas 24 horas por dia e realizar obras de drenagem urbana — disse Vicente Rauber.
Tínhamos um órgão de primeiro escalão, diretamente ligado ao prefeito, que era responsável por cuidar do sistema de proteção contra inundações
VICENTE RAUBER
Ex-diretor do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP)
A coletiva dos especialistas foi concedida na sede do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS), no Bairro Menino Deus. Dois quilômetros distante, Melo concedia entrevista no mesmo horário, no auditório do Demhab, na Azenha.
Questionado sobre o manifesto, o prefeito disse que levará em conta todos os documentos que estão chegando e que "toda a ajuda é bem vinda". Depois, ponderou que houve "um processo difícil de adaptação" quando o DEP foi incorporado ao Dmae.
— Uma corporação que achava que não deveria ser extinta e foi para o Dmae, que tinha expertise em tratar água e não a questão pluvial. Tem sim um roteiro e nós, a partir dele, temos que tomar decisões — afirmou.
Alertas
Reportagem publicada pelo Grupo de Investigação (GDI) da RBS na segunda-feira (20) apontou que engenheiros da prefeitura alertaram sobre deficiências em casas de bombas da Capital em 2018 e em 2023. As medidas indicadas para tentar minimizar a possibilidade de extravasamento de água em caso de alta do Guaíba nunca foram adotadas.
O diretor-geral do Dmae, Maurício Loss, diz que os avisos sobre problemas em casas de bombas de Porto Alegre podem não ter tido andamento em razão da "demanda" de trabalho, o que impediu que o órgão chegasse às unidades 13, 17 e 18 "em tempo hábil" (leia entrevista completa).
Medidas emergenciais propostas pelo manifesto dos engenheiros
- Usar mergulhadores para vedar as comportas do muro da Avenida Mauá e da Avenida Castelo Branco, com sacos permeáveis à entrada de água, preenchidos com areia misturada com cimento, borrachas e parafusos
- Com o serviço de mergulhadores, vedar as comportas e colocar ensecadeiras (barragens provisórias com a finalidade de fechar uma região do curso d'água) nas casas de bombas com stop logs (elementos de engenharia para controle hidráulico), usar solda subaquática e bolsas infláveis de vedação
- Vedação hermética das tampas violadas dos condutos forçados Polônia e Álvaro Chaves
- Em um cenário com casas de bombas secas e protegidas, reenergizá-las com redes paralelas de cabos isolados pela CEEE Equatorial. Se não for possível, utilizar geradores movidos a combustível nas casas de bombas
- Caso não seja possível operar imediatamente as casas de bombas, utilizar bombas volantes de grande vazão para drenar o Centro e os bairros da região norte da Capital
Propostas para cenário após a inundação
- Conserto imediato e, se necessário, eventuais substituições, das comportas
- Contratar a regularização do funcionamento das casas de bombas, incluindo a sua ampliação e aperfeiçoamento. Plano elaborado pelo DEP em 2014 pode ser usado como referência
- Retomar o plano de desenvolvimento da drenagem urbana, elaborado desde 1998, entre IPH/UFRGS e DEP
- Completar, aperfeiçoar e manter o sistema de drenagem urbana e de proteção contra inundações permanentemente