Em 29 de novembro do ano passado, um engenheiro do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) emitiu um aviso depois das fortes chuvas que atingiram o Estado em setembro e naquele mês. O recado era claro: problemas nas casas de bomba 13, 17 e 18 poderiam, em caso de nova e maior subida do nível do Guaíba, causar grande alagamento nas áreas centrais de Porto Alegre.
"Alertamos sobre a necessidade urgente de resolução da demanda apresentada neste expediente, ou seja, elevação das paredes do poço de descarga das EBAPs (estações de bombeamento de água pluvial) 17 e 18, sendo recomendado a priorização, em relação a outras demandas de projeto, tendo em vista o alto potencial de prejuízo para a cidade", diz a íntegra do processo da prefeitura da Capital ao qual o Grupo de Investigação da RBS (GDI) teve acesso. Em setembro e novembro do ano passado, o nível do Guaíba já havia superado a cota de três metros, o que se reflete no transbordamento no Cais Mauá, exigindo o fechamento das comportas e acionamento de medidas para evitar o alagamento do Centro Histórico.
E prossegue o aviso: "Na EBAP 13, há duas janelas de inspeção no poço de descarga, dentro da sala de bombas, nestes pontos foi constatado grande vazamento durante o acionamento das bombas no dia 21/11/2023. Nova elevação do Guaíba acima de 3,4m causará o problema observado novamente, podendo até, dependendo do nível que o Guaíba atingir, inviabilizar o funcionamento da EBAP 13 e gerar um alagamento de grande proporção na área protegida".
Conforme os documentos do processo interno que tramita na prefeitura, a falta de reparos nas estações 17 e 18 causaria alagamento em uma área entre a Usina do Gasômetro e a Estação Rodoviária. Já a estação 13 atinge o perímetro formado pelas avenidas José de Alencar, Ipiranga, Erico Verissimo e Edvaldo Pereira Paiva.
As medidas indicadas para tentar minimizar a possibilidade de extravasamento de água em caso de alta do Guaíba nunca foram adotadas. E todas as regiões citadas nos documentos de alerta foram fortemente atingidas pelas águas do Guaíba a partir da primeira semana de maio deste ano. A manutenção de bombas e motores dessas estrutura é terceirizada e está sob responsabilidade da empresa Bombas Sinos Indústria e Comércio. Ao GDI, a companhia informou que mais de 90% do sistema estava em plenas condições de funcionamento quando começou a chover (leia íntegra da nota abaixo).
Pelo menos em relação às estações 17 e 18, os problemas já estavam registrados em documentos que tramitavam em secretarias municipais desde 2018, quando um aviso em 5 de setembro foi assinado pelo mesmo engenheiro que retomou o assunto em novembro de 2023. Em 2018, ele era lotado na Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smsurb) e pediu uma avaliação:
"Solicitamos que se encaminhe para as áreas de engenharia de obras e projetos da Secretaria Municipal de Infraestrutura Mobilidade (Smim), preferencialmente aos técnicos da antiga DOP (Divisão de Obras e Projetos) do DEP (extinto Departamento de Esgotos Pluviais), o pedido de análise do projeto e da obra das casas de bombas 17 e 18 no intuito de avaliar se na condição que foi concebida ou construída não restou uma falha na proteção em relação as cheias do rio a níveis superiores a cota 3,00 m até o nível da cota 6,00 m. Caso se constate o problema, informamos que será necessário os ajustes para reparar o problema o quanto antes para evitar a falha do sistema dos muros da Mauá".
A resposta ao pedido foi dada em 31 de janeiro de 2019:
"Sim, há vulnerabilidade nas câmaras de despejo das CB 17 e CB 18, mas nada que uma retificação na construção não possa resolver, tipo implantação de poços de visita com tampas estanques semelhantes às utilizadas nos Condutos Forçados Pluviais. Finalmente, registramos a necessidade de uma qualificação da CB 17 com o espaço urbano da região e aí, seria oportuno, incluí-la nas medidas compensatórias de empreendimentos na região, Diretrizes do Empreendimento Cais Mauá ou outros. Existem alternativas modernas de bombeamento que dispensam a estrutura apresentada na CB 17. Não seria este o momento apropriado para inovações no setor?".
Depois de o apontamento tramitar entre as duas secretarias — Smsurb e Smim —, o processo ficou quatro anos parado. Titular Smsurb à época, Ramiro Rosário diz que a pasta "encaminhou para o setor de obras da Smim analisar e tomar providências" com relação às casas de bombas 17 e 18. "Os técnicos do setor de obras da Smim apontaram a necessidade de modernização das casas de bombas e não despacharam mais no processo". "A ação direta necessária sobre obras apontadas como necessárias nas CBs e outros equipamentos era da Smim e dos técnicos do setor de projetos e obras do antigo DEP", afirma Rosário, em nota (leia íntegra abaixo). Luciano Marcantônio, que era titular da Smim, diz não ter tido conhecimento deste tema à época.
O caso voltou a ter andamento em outubro do ano passado, com pedidos de análises referentes aos problemas anteriormente apontados. Também foi acrescentada demanda em relação à casa de bombas 20, na Vila Minuano, que precisaria avaliação por supostamente ter o nível de descarga abaixo do nível do dique. Quatro dias antes de a chuva intensa começar a atingir o Rio Grande do Sul ocorreu um novo despacho no processo:
"Solicito verificar se no Contrato de Projetos Complementares há como atender a solicitação da DD (Diretoria de Gestão e Desenvolvimento), especificamente quanto a proposição de uma solução para o fechamento / chumbamento das tampas existentes no piso das EBAP's 13,17 e 18, as quais sofrem pressão negativa em momentos de cheias das tubulações e/ou canais".
Não houve mais tempo para uma solução, ainda que paliativa.
Segundo o diretor-geral de Dmae, Maurício Loss, não são obras simples, mas intervenções que exigem contratação de projeto e licitação. Aponta, ainda, que os problemas apontados nas casas de bomba 13, 17, 18 e 20 podem não ter sido corrigidos em razão da demanda de trabalho no órgão (leia entrevista).
Contrapontos
O que diz a Bombas Sinos Indústria e Comércio
"A Bombas Sinos, empresa responsável por parte da manutenção do sistema de bombeamento de Porto Alegre, pontua que o índice de vazão é computado pelo cliente — no caso, o Dmae. Todavia, é possível afirmar que, no momento da inundação, havia um número muito pequeno de equipamentos parados por necessidade de manutenção — o que é normal e trata-se de um dado positivo, uma vez que a cidade já havia passado por duas grandes cheias do Guaíba em um período de aproximadamente sete meses.
Mesmo com esse fator climático absolutamente atípico, o sistema estava praticamente a pleno funcionamento no momento da atual enchente. Prova disso é o fato de as estações estarem sendo reativadas com geradores de energia ligando as mesmas bombas e motores elétricos. Esse cenário é totalmente diferente daquele que encontramos quando assumimos o primeiro contrato de manutenção em 2018, quando apenas 40% do sistema funcionava."
O que diz Ramiro Rosário, que era titular da Smsurb à época
"A Smsurb, da qual eu era o responsável, descobriu as falhas nas CBs 17 e 18 e encaminhou para o setor de obras da Smim analisar e tomar providências. Os técnicos do setor de obras da Smim apontaram a necessidade de modernização das casas de bombas e não despacharam mais no processo. O processo apenas tramitou para ciência no gabinete do secretário da Smsurb, sem pedido algum para dligências. Nunca houve sequer um despacho ou ação minha neste processo. A ação direta necessária sobre obras apontadas como necessárias nas CBs e outros equipamentos era da Smim e dos técnicos do setor de projetos e obras do antigo DEP."
O que disse Luciano Marcantônio, que era titular da Smim à época
"Nunca tratei desse tema, ninguém trouxe o assunto para mim."
O que diz o Dmae
O diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Maurício Loss, diz que os avisos sobre problemas em casas de bombas de Porto Alegre podem não ter tido andamento em razão da "demanda" de trabalho, o que impediu que o órgão chegasse às unidades 13, 17 e 18 "em tempo hábil":
"Tem erros que surgiram só agora, porque agora que foram submetidos a um teste forte. O sistema nosso de proteção contra cheias sempre foi submetido a uma cota de 3m10cm, 3m15cm, 3m46cm (em novembro). Com 5m35cm nunca tinha sido feito esse teste" (leia entrevista).
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