
A febre dos bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos — foi tema do Timeline, da rádio Gaúcha, nesta terça-feira (13). O programa recebeu a psicóloga Arieli Groff e a influenciadora e colecionadora Nane Reborns.
Vídeos com bebês reborn têm ganhado milhões de visualizações nas redes sociais. Em cenas que simulam o cotidiano materno, influenciadoras aparecem dando banho na boneca, levando-a ao médico e até pegando fila prioritária.
Tipos de usos
Arieli, que é psicóloga especialista em maternidade, trauma e luto, alertou:
— Em tempos de redes sociais, onde tão facilmente a gente compara o nosso bastidor com o palco do outro, isso pode ser perigoso.
Para ela, a forma como conteúdos são consumidos e produzidos nas plataformas digitais exige cautela, principalmente quando envolve temas delicados como maternidade, perda e saúde mental.
Arieli explicou que é preciso diferenciar os usos lúdicos ou simbólicos dos bebês reborn — como objetos de coleção ou obras de arte — de situações em que há um rompimento com a realidade.
Por que o incômodo?
Sobre o primeiro tipo de uso, observou:
— Assim como há homens que colecionam bonequinhos ou se envolvem com videogames de maneira disfuncional, precisamos entender por que há tanto incômodo em ver mulheres colecionando bonecas. Que atravessamentos estão aí?
A psicóloga ressalvou que, especialmente em situações de luto, o uso dos bebês reborn exige atenção redobrada:
— O luto precisa ser um processo de ressignificação simbólica. Quando uma mulher perde um filho, por exemplo, é através do simbolismo que ela elabora essa dor. Se um bebê reborn ocupa esse lugar, pode haver risco de um luto complexo, em que ela não simboliza a perda, mas tenta substituí-la concretamente.

Entre ficção e realidade
Nane Reborns, influenciadora e colecionadora com quase 20 anos de envolvimento nesse universo, reforçou a necessidade da distinção entre ficção e realidade:
— Pode chamar de boneca, não tem problema. O bebê reborn nada mais é do que uma boneca com técnicas que fazem parecer um bebê real. Eu gravo vídeos, mas é tudo encenação. Na vida real, meus "bebês" ficam guardados no guarda-roupa. Tenho uma filha de cinco anos que exige minha atenção total.
Na esteira do que explicou a psicóloga, Nane também alertou para os perigos de usar as bonecas como substituto afetivo:
— Quando recebo mensagens de mulheres que não podem ter filhos e querem comprar um bebê reborn, eu sempre digo: "Não façam isso". É uma expectativa que pode frustrar ainda mais. Não dá para comparar uma boneca com um bebê de verdade.
Quando o lúdico vira risco
Sobre o projeto de lei do Dia da Cegonha Reborn, aprovado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro na última quarta-feira (7), a ser celebrado no dia 4 de setembro (o texto ainda precisa ser sancionado pelo prefeito Eduardo Paes), a psicóloga Arieli alertou que esse tipo de iniciativa pode contribuir para uma confusão simbólica perigosa:
— Quando institucionalizamos o uso de bonecas como se fossem bebês reais, rompemos com a realidade. Nem todo mundo que consome esses conteúdos tem os mesmos recursos psíquicos para lidar com isso. E aí o que é lúdico vira risco.
Para a especialista, o mais importante é desenvolver o senso crítico:
— Assim como usamos filtros para postar, precisamos usar filtros para consumir. E entender em que ponto isso deixa de ser funcional e passa a exigir cuidado, inclusive psicológico.