
A Polícia Civil indiciou 24 pessoas pelos supostos crimes de organização criminosa e frustração do caráter competitivo de licitação em compras realizadas em 2022 pela Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (Smed). Das mais de duas dezenas de investigados, a 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Corrupção (1ª Decor) atribuiu a quatro dos suspeitos, incluindo a ex-secretária da Educação Sônia da Rosa e o empresário Jailson Ferreira da Silva, outros dois delitos: corrupção ativa e passiva. As conclusões fazem parte do inquérito principal da Operação Capa Dura.
Os ex-vereadores da Capital Alexandre Bobadra (PL) e Pablo Melo (MDB), filho do prefeito Sebastião Melo, além de servidores públicos municipais e empresários, constam entre os indiciados pelos supostos direcionamentos de compras e desvios de recursos da Smed. O prefeito Melo não foi investigado. O acúmulo de material escolar de forma precária em pavilhões e o suposto direcionamento das compras da Smed foram revelados em reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI), publicadas a partir de junho de 2023, dando origem a duas CPIs na Câmara de Vereadores e às investigações na Polícia Civil.
Os relatórios finais de dois inquéritos, fruto das provas colhidas no decorrer da Operação Capa Dura, foram remetidos à Justiça nos últimos dias de abril. As peças apresentaram as conclusões sobre as compras de 544 mil livros didáticos das fornecedoras Inca Tecnologia e Sudu Inteligência Educacional e de 112 kits de laboratórios de ciências e matemática da Astral Científica. As aquisições da Smed sob investigação, somadas, alcançaram gasto de R$ 43,7 milhões. Agora, caberá ao Ministério Público analisar os indiciamentos, avaliar a necessidade de complementar as diligências e decidir se denuncia ou não os suspeitos à Justiça.
Nas conclusões da Polícia Civil a suposta organização criminosa foi dividida em três núcleos: servidores municipais da Smed, agentes políticos e seus colaboradores e empresários.
O esquema fraudulento teria começado a ser articulado, segundo a Polícia Civil, em julho de 2021. A polícia entende que os então vereadores Bobadra e Pablo teriam intermediado a aproximação de Jailson e das empresas que ele representava em troca de vantagens futuras. À época, a Smed era dirigida por Janaína Audino, que não fez nenhuma aquisição de materiais. A partir de março de 2022, a Smed passou a ser comandada por Sônia, que deu impulso às compras.
Dias após assumir, ela teria recebido Jailson, conhecido como Jajá, em seu gabinete. A partir dali, de acordo com a investigação, começaram os processos administrativos de compras dos livros e dos kits de laboratórios, todos intermediados por Jailson, que atuava como representante das empresas Inca e da Astral. A Sudu, também beneficiada, vendeu livros produzidos pela Inca. Foi apontado um suposto conluio entre as organizações empresariais.
Como funcionaria o esquema
- A investigação descreveu que os processos de compra aconteceram em cinco adesões à ata de registro de preço, um tipo de modalidade conhecido como carona. É um procedimento que torna mais simples e rápido o gasto público por permitir o uso de uma licitação já realizada por outro órgão público, gerando uma tabela (ata) de registro de preço para determinados produtos.
- A apreensão de pendrives e os depoimentos tomados pela Polícia Civil reforçaram as suspeitas de que as atas a serem utilizadas seriam indicadas por interessados à Smed, supostamente favorecendo empresas representadas por Jailson. Depois, seriam reunidos orçamentos de valores mais elevados, enviados por empresas do mesmo grupo econômico, para demonstrar que seria vantajoso à prefeitura de Porto Alegre comprar material escolar por intermédio das atas.
- Nos processos administrativos da Smed, também foi demonstrado que trechos de material de propaganda das fornecedoras teriam sido utilizados para formatar as justificativas de compras.
Outra conclusão foi de que não houve planejamento para as aquisições. Isso teria levado as escolas a não terem condição de usar os novos materiais, sobretudo os livros, por falta de treinamento e adequação pedagógica.
O relatório do inquérito afirmou que a Smed adquiriu "quantidade imensa" de livros. Conforme revelado em reportagens do GDI, incontáveis quantidades de caixas das publicações ficaram amontoadas, sem uso, nas escolas e em um galpão precário no bairro Santana, acondicionadas sob fezes de pombos, goteiras e umidade. A Polícia Civil destacou esses fatores para apontar a suposta fraude ao caráter competitivo da licitação.
Empresário teria quitado parcela de apartamento de secretária
Na sequência dos fatos narrados, o inquérito detalha como Jailson teria providenciado a quitação de uma parcela de R$ 300 mil de um apartamento que estava sendo adquirido pela então secretária Sônia em Porto Alegre. O empresário teria providenciado o pagamento à época em que as empresas ligadas a ele estavam recebendo recursos da Smed. Para a investigação, ficou demonstrado que os valores seriam propina para a ex-secretária.
No núcleo político, as quebras de sigilo também demonstraram que, no mesmo período em que as empresas recebiam pagamentos da Smed, Jailson teria feito depósitos que somaram R$ 556 mil para o advogado Maicon Callegaro Morais. A polícia mostra que ele teria relação próxima de Reginaldo Bidigaray, ex-chefe de gabinete de Pablo Melo na Câmara de Vereadores. O inquérito sustenta que Maicon e Reginaldo seriam supostos operadores financeiros de Pablo. O ex-vereador, destacou a Polícia Civil, teria depositado R$ 391,7 mil em uma casa de apostas esportivas. Outros R$ 299,2 mil teriam sido enviados à conta de Pablo na bet, mas essas operações foram canceladas porque o CPF do depositante era diferente do titular.
O inquérito menciona conversas por aplicativo de mensagens entre Maicon e Reginaldo. Em uma delas, Reginaldo teria escrito: "A encomenda já chegou no doutor", uma suposta referência a Pablo, diz a Polícia Civil. Os dois inquéritos finalizados são assinados pelo delegado Max Otto Ritter, que conduziu três fases da Operação Capa Dura, deflagradas a partir de janeiro de 2024 para apurar eventuais crimes na gestão da Smed. Existem outros inquéritos para apurar diferentes compras da Educação de Porto Alegre em 2022, mas eles seguem em andamento.
Contrapontos
A reportagem entrou em contato com os investigados e aguarda retorno. O espaço está aberto para manifestação
O que diz a defesa de Pablo Melo
"A defesa de Pablo Melo foi surpreendida com o encerramento repentino do inquérito policial, manifestando perplexidade e contrariedade com seu indiciamento. Pablo é o único entre os investigados que não teve o direito de ser ouvido pelo Delegado responsável pelo caso, apesar de ter se colocado à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários tão logo soube das investigações, o que inclusive está documentado nos autos.
Em meio a mudanças no comando da delegacia em que tramita o inquérito, o encerramento prematuro da investigação não ofende apenas as garantias constitucionais de Pablo Melo, mas também o interesse da sociedade porto-alegrense em ter respostas para questões que a própria Polícia Civil reconhece estarem pendentes, e que até então justificavam as sucessivas prorrogações no prazo da investigação.
Diante disso, a defesa informa que já adotou as providências cabíveis para restabelecer a legalidade da investigação e garantir a apuração da verdade."
O que diz Raul Linhares, advogado de Maicon Callegaro Morais
É equivocada a conclusão do Relatório Final, na medida em que Maicon jamais possuiu qualquer relação direta com procedimentos licitatórios no âmbito da Smed. Não há, portanto, qualquer elemento na investigação que permita afirmar que Maicon tenha participado de eventual frustração do caráter competitivo de certame. De todo modo, tais fatos serão devidamente esclarecidos no momento oportuno.
O que diz a defesa de Reginaldo Bidigaray
NOTA À IMPRENSA
A defesa técnica de Reginaldo Bidigaray, por meio dos advogados Dr. Jader Santos e Dra. Olga Popoviche, manifesta-se a respeito do recente indiciamento noticiado na chamada Operação Capa Dura, referente ao suposto envolvimento em fraudes à licitação e organização criminosa no caso SMED.
Desde já, reiteramos integral confiança na inocência de Reginaldo Bidigaray, e afirmamos, com plena convicção, que a verdade será demonstrada ao longo do devido processo legal, caso venha a ser proposta ação penal.
Importa destacar que a investigação não foi capaz de reunir indícios mínimos, concretos e consistentes de autoria e materialidade que vinculem Reginaldo à prática dos crimes imputados. A tentativa de associá-lo a supostas irregularidades se baseia em ilações frágeis e desvinculadas de provas objetivas, o que será devidamente enfrentado com serenidade e rigor técnico.
A defesa permanece à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas, sempre com base nos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência.
Atenciosamente,
Dr. Jader Santos e Dra. Olga Popoviche
O que diz Nereu Giacomolli, advogado de Jailson Ferreira da Silva:
Estamos cientes do indiciamento, mera opinião do investigador. O que vale mesmo, criminalmente, é o que o Ministério Público entenderá. Há uma perseguição inusitada à pessoa errada. O estagiário, mais uma vez, está pagando o que não deve. Jailson não recebeu um centavo da Prefeitura de Porto Alegre. O indiciamento é um nada jurídico e envergonha o mundo jurídico, por não possuir base fática e nem jurídica”.
O que diz Marcelo Penna de Moraes, advogado de Sônia da Rosa:
Só vamos tratar do assunto em juízo.