A cheia histórica do Guaíba deixou submersos os ambiciosos planos do maior polo cervejeiro artesanal de Porto Alegre. Lar de quase metade das microcervejarias da Capital, segundo a prefeitura, o 4º Distrito vive mais esse drama após ser uma das regiões mais afetadas pela enchente na cidade.
O setor, como um todo, foi bastante afetado pelo desastre climático que assolou o Rio Grande do Sul. De acordo com uma pesquisa feita pela Associação Gaúcha das Microcervejarias (AGM), pelo menos 15 empreendimentos do Estado sofreram perda total devido às enchentes de maio; mais 20 microcervejarias registraram perdas parciais nos seus estabelecimentos.
— Barris boiando, fermentadores derrubados, é um cenário catastrófico. O grande medo é que pelo dano, grande parte das cervejarias não consigam voltar à atividade — destaca o presidente da Associação Gaúcha das Microcervejarias (AGM), Filipe Bortolini.
Os danos englobam a matéria-prima, materiais de envase, equipamentos e sistemas elétricos das cervejarias. Enquanto a água não baixa totalmente (como ocorrem em regiões dos bairros São Geraldo, Navegantes, Floresta, Humaitá e Farrapos, que compõem o 4º Distrito), porém, as empresas têm dificuldade de estimar os prejuízos.
É o caso da 4beer, há oito anos localizada no bairro São Geraldo. Sócio-fundador da cervejaria, Rafael Diefenthäler esperou o fim dos resgates na área para voltar ao estabelecimento, de barco, e ver os estragos pela primeira vez na última sexta-feira (17). O que encontrou foi pior do que imaginava, uma vez que ele havia conseguido levantar alguns itens antes de deixar o prédio, por causa da enchente.
— A água subiu muito mais do que a gente esperava, do que todos talvez esperassem. É bastante grande, realmente, o estrago. Desde equipamentos de cozinha, do bar, até vários equipamentos da cervejaria — relata o empresário.
Reconstrução
Sócio da Alcapone, uma das cervejarias que declarou perda total na pesquisa da AGM, Andrews Calcagnotto expressa o desejo de reconstruir o negócio, que fica no bairro Navegantes. Ele destaca que não seria a primeira vez que tem que recomeçar, uma vez que a filial canoense da cervejaria já havia sido atingida por uma enchente.
Com certeza, para a gente se recuperar, vamos precisar contar com algum auxílio, alguma linha de crédito
ANDREWS CALCAGNOTTO
Sócio da Alcapone
— Só que claro, a água baixou muito mais rápido né? Então a gente vai novamente lutar pra trabalhar, igual a gente trabalhou da outra vez, para se reconstruir, crescer. Mas, com certeza, para a gente se recuperar, vamos precisar contar com algum auxílio, alguma linha de crédito, algo muito favorecido que o poder público venha a oferecer — pondera.
Calcagnotto não é o único que vê a necessidade de auxílio do governo neste momento. De acordo com a AGM, 66% das cervejarias consideram a assistência financeira a sua maior necessidade no momento. Quando perguntados quais medidas os donos considerariam que ajudariam a manter sua cervejaria operacional, 73% selecionaram a opção de linhas de crédito com condições especiais, 63% a de isenção de impostos, 37% a opção de programas de auxílio do governo e 22% o auxílio na reestruturação do local.
Solidariedade
O auxílio também já está vindo de fontes inesperadas. Calcagnotto conta que recebeu várias ofertas de apoio de cervejarias de outras cidades e Estados, que não foram afetados, oferecendo auxílio para a produção de cerveja da Alcapone em seus estabelecimentos.
— Teve gente que até não quis nem cobrar o insumo da gente para fazer uma leva de cerveja, para a gente poder vender. Tem gente do Brasil inteiro, tipo Minas Gerais, oferecendo — relata. — Só que daí, se é muito longe não faz muito sentido a gente trazer para cá. Temos que traçar alguma estratégia para vender lá, ou, de repente, deixar para os nossos distribuidores.
Para poder seguir em atividade, a empresa já iniciou o processo de produção em estabelecimentos na Serra, em Lajeado e no Rio de Janeiro. Além disso, recentemente lançaram o “Clube de amigos para amigos Alcapone”, uma iniciativa que permite aos clientes apoiarem a cervejaria financeiramente. Mais tarde, quem aderir à campanha receberá produtos da marca em troca — como uma pré-venda sem produto definido.
O presidente da AGM também não afasta os olhos do futuro, destacando que novas ações do polo cervejeiro do 4° Distrito serão realizadas nos próximos meses.
— Certamente, assim que tiver alguma oportunidade, a gente vai fazer algum evento, também para arrecadar fundos para apoiar as cervejarias.
*Produção: Fernanda Axelrud