Esta segunda-feira (20) tem cara de retorno para muitos moradores e comerciantes do Centro Histórico de Porto Alegre. A água baixou em diversos pontos antes alagados, mas ainda se veem barcos e lanchas em determinadas vias, como a Rua Caldas Júnior, e outras mais próximas ao Cais Mauá.
A reportagem de GZH circulou durante a parte da manhã desta segunda por alguns dos pontos mais conhecidos da Capital. Foi possível se aproximar da parede do Mercado Público, na extremidade situada no lado da Praça Parobé e perto do Largo Glênio Peres. A marca da água sugere altura de pelo menos 1m50cm.
Comerciantes avaliam perdas
Com o recuo da água, as pessoas agora já acessam a pé a região central da cidade. Assim, conseguem chegar até os estabelecimentos comerciais, abrir a porta e começar o árduo trabalho de limpeza, o que deverá se estender por vários dias.
O engraxate Vilmar Merck, 67 anos, tem ponto na Esquina Democrática. Nesta segunda, chegou ao Centro vindo pela Avenida Salgado Filho e esperava por improváveis clientes.
— Moro de aluguel na Avenida Antônio de Carvalho. Fiquei quase 15 dias sem poder trabalhar e recebendo doações de comida — relata.
No prédio da Cia. União de Seguros Gerais, situado na Avenida Borges de Medeiros, 261, não há luz, nem água. O problema se concentra no subsolo, onde três motores estão submersos.
— Aqui entrou 50 centímetros de água na parte de dentro. Na segunda-feira passada (13), eu já tinha vindo de barco com o pessoal da Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler) ver a situação — afirma o zelador do edifício, Renato Garcia, 65.
A água baixou no cruzamento da Borges de Medeiros com a Rua José Montaury. Quem desce vindo da Esquina Democrática consegue acessar a pé até a Praça 15 de Novembro e chegar mais próximo ao Mercado Público. Não há água em parte do Largo Glênio Peres. E até é possível circular em um trecho da Avenida Júlio de Castilhos, mas é preciso passar por partes alagadas.
O comerciante Cristiano Ferraro, 30, tem uma lancheria situada entre a José Montaury e o Largo Glênio Peres. Ele conta que chegou ao estabelecimento vindo a pé do Centro Universitário Fadergs, situado na Rua Marechal Floriano Peixoto.
Não foi só o meu ponto atingido. Fiquei sem casa, porque sou morador da Ilha das Flores
CRISTIANO FERRARO
Comerciante
— Não foi só o meu ponto atingido. Fiquei sem casa, porque sou morador da Ilha das Flores — lamenta, acrescentando: — É uma tristeza ver tudo o que se construiu indo assim.
O barulho na Rua dos Andradas é de geradores de energia, lava-jatos e equipamentos de sucção de água. Funcionários colocam mobiliário e artigos na calçada para secar e já descartar o que foi danificado.
Gerente da POA Fashion, Deise Soares não continha as lágrimas em frente à loja, que está aberta há uma semana e quase não recebe clientes. Ela compartilha que jamais imaginou a possibilidade da água do Guaíba chegar até ali.
— Perdemos muito porque não tínhamos como levantar o estoque. Mesmo tendo comércio mais longe, tivemos mais prejuízo do que muitos que foram mais atingidos mais lá para baixo — diz.
A água não cobre mais trecho da Rua dos Andradas perto da esquina com a Rua General Câmara (antiga Ladeira). Em frente a uma farmácia, diversas estantes estavam enfileiradas nesta manhã. Comerciantes abriam as portas e iniciavam ou davam sequência ao trabalhoso processo de limpeza. Muito barro está no chão de todos os lugares.
O aposentado Sergio Santos, 65, mora há 44 anos em Porto Alegre. Estava encostado em uma parede da General Câmara observando o restaurante onde as filhas faziam faxina. Ele pretendia levar roupas secas para elas, mas não conseguia chegar até o trecho, perto da Rua Sete de Setembro, onde ainda havia água.
Nunca vi nada assim
APOSENTADO SERGIO SANTOS
sobre enchente em Porto Alegre
— Nunca vi nada assim. Conheço pessoas que moram aqui há mais tempo do que eu e me disseram que também não tinham visto — pondera.
Na Fato Concept, que fica na Andradas esquina com General Câmara, o cenário era de mutirão de limpeza. A reportagem acessou o espaço interno da loja de roupas. O subsolo está completamente inundado. Na marca da parede se vê que a água subiu mais de um metro no piso térreo. O prejuízo foi de R$ 50 mil reais, sem contar o mobiliário. Cerca de 200 peças de roupas foram perdidas.
— Vai demorar um mês para recuperar a loja. A vitrine está desmanchada e o subsolo tem quatro metros de água — explica o funcionário Airton Meira da Silva, 77.
A Praça da Alfândega está sendo limpa. Metade do espaço já não tem mais água. Duas grandes árvores estão caídas no local. Os prédios do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), do antigo Correios e Telégrafos e também do Farol Santander ainda estão com água em seus acessos.
A gari Zilá Teresinha Silveira de Abreu, da Cooperativa de Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa), varria o lixo perto do monumento ao General Osório. Outros colegas a auxiliavam no serviço. Eles têm encontrado peixes e ratos mortos.
— Tem bastante lixo. Está horrível e só Deus sabe como aconteceu isso — desabafa, dizendo que trabalharia das 8h30min até as 17h30min na limpeza da praça.
Na Rua Caldas Júnior, já é possível caminhar até a Rua Sete de Setembro, mas dali em direção à Mauá ainda passam barcos.
Outro ponto onde a faxina estava intensa era no Só Ler - Sebo e Livraria, na Rua dos Andradas, 870. Uma pilha de livros destruídos pela cheia podia ser vista na calçada. Metade de todo acervo se foi em função da inundação e da umidade.
— Perdemos 11 mil itens entre livros, revistas e histórias em quadrinhos — resume a gerente Sabrina Nekel, 34.
E a consolidação do trabalho no local ainda depende da volta da luz e da água no estabelecimento.
— Só depois desse retorno é que poderemos ver o madeiramento das estantes — conclui a gerente, que jamais viu algo parecido na livraria, onde trabalha há 12 anos.
Na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), ainda há água na Travessa dos Cataventos, mas apenas no lado próximo à Rua Sete de Setembro. As ruas General João Manoel, Bento Martins, Canabarro e Portinho ainda acumulam água em trecho perto da mesma via.
Parceria para limpar o Centro Histórico
Foi firmada uma parceria entre a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL POA), o Sindilojas e a prefeitura de Porto Alegre para limpar o Centro Histórico. Nesse momento, os próprios proprietários e funcionários dos estabelecimentos já estão em ação com botas e luvas limpando os espaços.
Segundo a CDL e o Sindilojas, serão disponibilizados materiais de limpeza e lava-jatos aos lojistas, mediante a apresentação do CNPJ. Os itens para limpeza incluem produtos diversos, como água sanitária, luvas, rodos, entre outros.
As doações serão feitas por meio de um veículo identificado com faixa e mensagem sonora, que circulará pelas ruas do Centro Histórico.
— O trabalho conjunto para superar a crise é a única saída. Poder público, entidades de classe e a sociedade civil estão mobilizados para limpar o nosso Centro Histórico. Será um desafio que enfrentaremos juntos — garante Cezar Schirmer, secretário de Planejamento de Porto Alegre.