A falta de água tem afetado milhares de pessoas na Região Metropolitana de Porto Alegre. Nas últimas semanas, a situação tem sido recorrente em cidades como Sapucaia do Sul, Gravataí, Cachoeirinha, entre outras. Apesar do calor e da estiagem, nem todos os problemas no abastecimento podem ser atribuídos ao fenômeno climático. Entre os prefeitos, houve unanimidade em um ponto – o que acontece nas cidades vizinhas da Capital não é apenas da culpa da baixa dos rios. Nos transtornos mais recentes noticiados por GZH, rompimentos de tubulações e paralisações nas estações de tratamento de água da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) foram as fontes dos problemas.
Entretanto, em função da pouca chuva, os mananciais, em especial do Rio Gravataí, ficaram mais baixos. O fato contribuiu para a proliferação de algas, que alteraram o gosto, o cheiro e a cor da água que sai da torneira.
A previsão da Organização das Nações Unidas (ONU) é de que até 2050 entre 3,5 bilhões e 4,4 bilhões de pessoas viverão com acesso limitado à água, com mais de 1 bilhão habitando nas cidades. Porém, se depender da velocidade com que os problemas se repetem, as torneiras poderão secar muito antes disso em localidades da Região Metropolitana.
O que alegam as prefeituras
Sapucaia do Sul pede cadastro de clandestinos e manutenção da rede
Após o rompimento de uma adutora com mais de 50 anos de uso, localizada sob os trilhos da Trensurb, na Avenida Mauá, no dia 28 de janeiro, pelo menos 14 bairros sofreram com a falta de água em Sapucaia do Sul, que possui 140 mil habitantes. Após cinco dias de transtornos, entre novos rompimentos, o abastecimento estava 100% normalizado em todos os bairros, na sexta-feira (3).
Para fazer a obra, foram abertos dois buracos, um de cada lado da via, e uma nova tubulação (de diâmetro menor) precisou ser instalada por dentro do cano antigo. A passagem de água foi restabelecida dessa maneira. A idade da tubulação pode ter contribuído para o rompimento.
O prefeito Volmir Rodrigues acredita que a falta de água pode ser resolvida com a substituição da rede antiga e o fim das ligações clandestinas (gatos).
— Temos ocupações em Sapucaia com muitos gatos, e a Corsan não dimensiona essa rede. Com o uso da água por essas ocupações, a pressão dela diminui muito — relata, sugerindo: — O essencial é a manutenção da rede. A adutora que estourou tem mais de 50 anos. Existem mais duas outras que passam por debaixo dos trilhos. Estamos com medo que aconteça com essas a mesma coisa.
No bairro Carioca, há um posto de saúde e uma escola estadual que precisam ser abastecidos frequentemente por caminhões-pipas, por causa do excesso de gatos na região.
— É preciso que a Corsan priorize a manutenção, especialmente das adutoras. Aqui faltam funcionários para a companhia — reclama.
Gravataí cobra ações e investimentos da Corsan
Um problema em uma casa de bombas da Estação de Tratamento de Água (ETA) do bairro Cavalhada, em Gravataí, interrompeu o fornecimento para 49 bairros, na última sexta-feira (3). Segundo estimativas da prefeitura, o número de pessoas atingidas pode ter chegado até 150 mil, acima do que foi calculado inicialmente, sendo que a cidade inteira possui quase 300 mil habitantes.
O problema foi ocasionado em decorrência do rompimento da solda em um barrilete (conjunto hidráulico formado por tubulações, registros e conexões) dentro da estação. Em função disso, toda a estação ficou inundada. A energia elétrica também teve de ser desligada para evitar maiores inconvenientes.
Para piorar o cenário, o abastecimento no município foi novamente prejudicado após o rompimento de uma adutora no bairro Vista Alegre, em Cachoeirinha, no sábado (4). O problema afetou Gravataí.
O prefeito Luiz Zaffalon garante que o desabastecimento não é ocasionado pela estiagem ou pelo baixo nível do rio.
— Em alguns bairros, como as Moradas do Vale, onde residem 60 mil pessoas, falta água o ano inteiro por problemas da Corsan. A companhia não investe e continua com a mesma estrutura de sempre — critica o chefe do Executivo, que está em período de férias.
Zaffalon cita a importância do reservatório com capacidade para 3 milhões de litros feito pela Corsan na Morada do Vale, mas aponta outros problemas.
— As adutoras e as redes são antigas, e não foram trocadas até hoje. Temos uma adutora da ETA de Cachoeirinha que deve abastecer este novo reservatório, mas é antiga e arrebentou há poucos dias.
O prefeito compartilha que os rompimentos de adutoras ocorrem diariamente.
— Na Morada do Vale, falta água o ano inteiro. Todo o santo dia tem rompimento em algum local — lamenta.
Visivelmente incomodado com a situação, Zaffalon enumera outros exemplos para ilustrar a realidade do município.
— O bairro Santa Cecília (localizado na parada 107 na RS-030) tem falta de água todas as semanas durante o ano inteiro por um problema elétrico da Corsan naquela região — observa.
O prefeito ainda questiona o porquê de a concessionária não investir no Rio Gravataí. Zaffalon menciona um projeto antigo desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que até hoje não saiu do papel.
— O projeto mostra que 13 microbarragens implantadas tornariam a vazão do rio permanente. Até hoje, nada foi feito.
A prefeitura decretou situação de emergência devido aos efeitos da estiagem. O nível do Rio Gravataí, na estação Corsan Alvorada, está em 1,44 metro, em medição realizada nesta terça-feira (7), conforme a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). Neste ponto, níveis acima de 1,60 m são considerados adequados.
Prefeitura de Cachoeirinha foca em solução imediata e reconhece parcela de culpa
Além do rompimento da adutora do bairro Vista Alegre, o que afetou 18 bairros de Cachoeirinha no sábado (4), desde 2015 moradores dos loteamentos Chico Mendes e Vila Canarinho sofrem com o desabastecimento, que atinge 247 famílias nesses locais. As pessoas dependem de caminhões-pipa, especialmente no período do verão, quando o problema se acentua. Todos os dias, o serviço é interrompido em torno das 7h. A água retorna entre 23h e 1h.
Sem água, a população se revolta e exige seus direitos. No dia 1º de fevereiro, a RS-118 foi bloqueada por moradores do Chico Mendes. O protesto era por estarem havia quatro dias com as torneiras secas.
O prefeito Cristian Wasem Rosa reconhece que a cidade cresceu muito, mas não houve planejamento para acompanhar esse aumento populacional. Atualmente, Cachoeirinha possui cerca de 130 mil habitantes, sendo que ao menos 20 mil pessoas são afetadas rotineiramente pelo desabastecimento.
— A Corsan tem uma obra em torno de 2 mil metros de rede nova. Vai fortalecer a pressão d’água na Zona Norte, onde tem muito desabastecimento — afirma. — Falta um planejamento da Corsan e também da prefeitura. Cachoeirinha cresceu muito e não acompanhamos — emenda.
A comunidade pede há anos a instalação de uma caixa d’água central.
— Existiam duas grandes caixas d’água na região do loteamento Chico Mendes, mas um temporal destruiu ambas. Não deu tempo de o fornecedor entregar e estamos cobrando da Corsan — declara, estimando em até três meses para a situação estar resolvida.
Questionado sobre o que poderia ser feito para atenuar o problema no município, Rosa pensa de forma mais urgente.
— Já se falou em buscar água de outras regiões, mas não é uma obra simples. Uma rede de 2 mil metros aqui vai levar mais de 30 dias. Então, imagina uma de grande porte? Precisamos de algo mais imediato.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Corsan afirma que realiza investimentos
A Corsan é responsável pelo abastecimento de água em 317 municípios do RS. O superintendente da Região Metropolitana, Alexandre Madeira Calvetti, é categórico ao afirmar que o baixo nível do Rio Gravataí não afeta o abastecimento das cidades vizinhas de Porto Alegre.
— Não estamos com nenhum problema de desabastecimento por problemas de nível de captações dos nossos rios em função da estiagem, que é algo presente e impactante — assevera.
A água é captada em pontos dos rios Gravataí, dos Sinos e Jacuí, do Arroio Fiúza (de Viamão) e do próprio Guaíba.
Sobre o Gravataí, o superintendente cita algumas obras recentes feitas para melhorar o processo de captação de água.
— Fizemos o desassoreamento para abertura do canal que possibilitou trazer volumes de água desse próprio canal para o Rio Gravataí, o que melhorou o nível nas captações tanto em Gravataí como em Alvorada — ilustra.
Segundo Calvetti, houve outras ações da companhia na Região Metropolitana.
— Executamos um barramento entre as duas captações (Gravataí e Alvorada), o que propiciou reter mais água que vinha tanto da vazão do Rio Gravataí, como também da contribuição do canal. Em poucos dias, tivemos um aumento significativo das captações do rio.
A nova ETA, que está sendo construída em Itapuã, foi mencionada como responsável para dar, no futuro, mais autonomia para Viamão, que tem o seu abastecimento atual dependendo da estação de Alvorada.
Perguntado sobre o porquê de os municípios da Região Metropolitana estarem enfrentando tantos problemas de desabastecimento, o superintendente procura contextualizar caso a caso.
— Em Sapucaia do Sul, a rede de polietileno de alta densidade (PEAD), por método não destrutivo, está sendo instalada. Esta rede vai substituir a que teve dois rompimentos — esclarece, dizendo que o local do rompimento é um trecho crítico por passar por debaixo do trem e estar a quatro metros de profundidade.
Na avaliação do superintendente, a rede de Sapucaia é muito antiga.
— Essa rede teve dois colapsos próximos, primeiro em uma redução em uma luva montada juntamente a uma curva — recorda.
Em relação aos problemas recentes de Gravataí e Sapucaia, Calvetti pondera que foram situações pontuais, como rompimento de adutoras ou algum problema eletromecânico nas estações de bombeamento.
— No caso de Sapucaia, em razão de a rede ser muito profunda, torna o tempo da intervenção muito prolongado — justifica.
As críticas da prefeitura de Gravataí foram respondidas pela Corsan.
— No nosso plano de expansão para Gravataí temos uma ampliação da ETA para mais 50% do volume de água que ela trata hoje — afirma.
Porém, existe um cronograma a ser seguido.
— Estamos concluindo uma adutora que vem da ETA Cachoeirinha e vai interligar a ponta do sistema, que abastece a metade de Gravataí. Existe um pensamento voltado para investimento em Gravataí — garante, salientando que o investimento na ETA de Viamão também possibilitará obras de conexões com Gravataí.
Combate a captações irregulares nos rios da região
Desvios ou obstruções irregulares de cursos d’água estão sendo combatidos pelo governo estadual para que o abastecimento da população não seja ainda mais prejudicado na Região Metropolitana.
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) realiza fiscalizações nos municípios de Gravataí, Glorinha e Viamão. As ações verificam se os agricultores cumprem a Portaria Sema 38/2020, que suspende a captação de água do Rio Gravataí quando o nível atinge estado crítico.
Uma propriedade fiscalizada está sob investigação em função de obstrução de recurso hídrico. Técnicos do Departamento de Gestão de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS) realizaram a desobstrução. O responsável foi notificado e precisa seguir o que for determinado pelos órgãos envolvidos. No dia 26 de janeiro, outra propriedade foi flagrada pelas equipes por não cumprir o regramento em relação à captação de água do rio.
Equipes da Sema, do Comando Ambiental da Brigada Militar e técnicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) integram as fiscalizações, que seguirão até o fim do período de estiagem. Nesta terça-feira (7), a captação de água estava liberada.
- Como denunciar: quem souber de captação de água irregular diretamente dos rios, pode denunciar pelo e-mail: denuncia-outorga@sema.rs.gov.br ou acessar este link. Na denúncia é preciso sinalizar o local onde ocorre a irregularidade.