Para enfrentar os desafios futuros do abastecimento de água na região metropolitana de Porto Alegre, especialistas lembram a necessidade de investimentos em adutoras. E se for levado em consideração o cenário com o aquecimento global, com o impacto da elevação do nível do mar, será preciso apostar em soluções mais criativas.
A nova ETA, que está sendo construída em Itapuã, mencionada pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) como responsável para dar, no futuro, mais autonomia para Viamão e até mesmo complementar o abastecimento de Gravataí e Cachoeirinha, vai utilizar a água do Guaíba.
O diretor do Instituto do Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Nelson Fontoura, acredita que o investimento em Itapuã possa sofrer com uma futura salinização das águas do Guaíba.
— A diferença de nível na Lagoa dos Patos, entre a região de Itapuã e Rio Grande, é muito pequena. A maior parte do tempo, as diferenças não são maiores do que 20 centímetros — relata, acrescentando: — O nível da água é muito influenciado pelo vento. A importância disso é que estamos em um processo de aquecimento global e o nível do mar está subindo 3 milímetros por ano. Podemos ter, no futuro, problemas de salinização na Lagoa dos Patos. Em situação extrema, a longo prazo, até salinização do Guaíba.
Em função dessa possibilidade, Fontoura cita a barragem de Amarópolis, em General Câmara, na Região Carbonífera. A estrutura está situada no Rio Jacuí, junto ao distrito de Santo Amaro do Sul. Como nela acontece um represamento do Jacuí, existe segurança maior de que, em situações extremas, haverá água sem problema de salinização.
— Poderia ser feita uma grande adutora. Porto Alegre e os municípios da Região Metropolitana poderiam pensar nessa possibilidade em um cenário de aquecimento global — sugere.
A construção da barragem eclusa de Amarópolis começou em 1971 e foi concluída três anos mais tarde. A eclusa permite que os barcos superem o desnível da barragem e sigam navegando Jacuí acima em direção a Cachoeira do Sul.
Fontoura chegou a traçar um percurso hipotético que a adutora seguiria ao longo de 72 quilômetros:
— Trata-se de uma obra que depende de projeto de engenharia e licenciamento. Provavelmente, não seria em linha reta. O caminho seguiria a rodovia que liga Santo Amaro a Porto Alegre.
Pesquisadores da UFRGS contribuem com mais propostas
A reportagem questionou pesquisadores e professores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS sobre o que poderia ser feito em relação à falta de água na Região Metropolitana. Para o docente Gino Gehling, buscar água no Rio Jacuí seria, de fato, uma medida interessante.
— O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) possui estudos para captar água no Jacuí e não mais no Guaíba. É uma água de qualidade bem superior — atesta, destacando que poderia se pensar em uma adutora consorciada, para, além de suprir as necessidades do Dmae, abastecer alguns municípios da Região Metropolitana.
Para Gehling, as adutoras também entram na lista de possíveis soluções. Segundo o especialista, todas as concessionárias enfrentam o problema de terem adutoras antigas ainda em uso.
— O Dmae investiu em uma grande adutora, quando há pouco mais de dez anos desativou a captação e estação de tratamento de água no Parque Saint Hillaire — exemplifica.
E opina sobre o que pode ocasionar esses rompimentos.
— Às vezes, estão associadas ao material de fibrocimento. As concessionárias devem substituir esse material — aconselha, afirmando que, em algumas situações, o desabastecimento de água é acarretado em função de problemas de energia elétrica, o que não compete às empresas responsáveis pela água solucionar.
Também aborda a questão da baixa pressão da água disponível em alguns locais.
— Em períodos de verão, em bairros de menor poder aquisitivo, a população não sai da cidade para veranear. É comum que consumidores com este perfil implantem piscinas desmontáveis, trocando a água com alguma frequência ou fazendo uso de mangueiras e chuveiros para se refrescarem. Esta prática leva a que a vazão circulante nas redes aumente acima das vazões previstas em projeto, o que causa uma diminuição da pressão disponível — analisa.
Dessa maneira, o rebaixamento de pressão faz com que residências afastadas de reservatórios públicos, e em especial as situadas em áreas de "ponta de rede", com terrenos em cota elevada, fiquem sem água.
Na avaliação de Antônio Domingues Benetti, outro integrante do IPH da UFRGS, o problema da falta de água envolve basicamente dois fatores. O primeiro é a estiagem, que ocorre em várias partes do mundo, enquanto o segundo diz respeito à infraestrutura de abastecimento de água.
O especialista enumera Barcelona, Cidade do Cabo, Adelaide e São Paulo como exemplos de cidades que enfrentam o mesmo problema dos municípios gaúchos. E traz para o debate o que esses locais estão fazendo em busca de soluções.
— As três primeiras cidades construíram plantas de dessalinização para garantia do abastecimento de água nos períodos de estiagem crítica. Mas todas se localizam próximas ao mar. São Paulo construiu a alternativa de transposição de água da bacia do Rio Piracicaba para o Alto Tietê, sob protestos dos moradores da bacia de onde a água foi tirada — compara.
Segundo Benetti, a qualidade dos mananciais se deteriora nestes períodos de calor intenso, trazendo dificuldades para o tratamento da água potável.
— O problema da estiagem independe da companhia de saneamento e deve ser abordado por meio do manejo integrado dos recursos hídricos na bacia hidrográfica — afirma.
Como os sistemas de abastecimento de água das cidades são complexos, pois incluem obras para captação de água, estações elevatórias, adutoras, plantas de tratamento, reservatórios e redes de distribuição, a tecnologia é apontada como parcela importante neste processo.
— A tecnologia pode ajudar a reduzir a vulnerabilidade do sistema. Por exemplo, pode detectar onde existem vazamentos na rede de distribuição, ou a pressão é insuficiente para fazer chegar a água aos bairros mais afastados. Nestes casos, poderia haver substituição da rede defeituosa antes que o rompimento ocorra — explica, salientando que analisar o sistema de distribuição de água, desde o manancial até os ramais prediais, permitiria que se determinassem os pontos críticos de uma maneira preventiva.
O professor e pesquisador do IPH Fernando Jorge Correa Magalhães Filho sugere uma série de medidas práticas para atenuar o problema do desabastecimento.
— As pessoas precisam desperdiçar menos água. É importante que o município faça o tratamento dos esgotos, porque, caso contrário, as águas ficarão poluídas e será preciso buscá-las em locais cada vez mais distantes — diz.
Para o docente, o uso indiscriminado da água por ocupações no entorno das bacias hidrográficas, inclusive para uso da agricultura irrigada, e o crescimento da população, associados à falta de planejamento, contribuem para o panorama da falta de água.
O pesquisador vê de forma positiva a ampliação do sistema de abastecimento, assim como as instalações de adutoras e reservatórios maiores. Além disso, cita o reaproveitamento da água da chuva por cada edificação, seja prédio, casa ou comércio.
— As pessoas também têm responsabilidades. Aquele óleo de cozinha que vai para o esgoto, polui a água. É preciso se pensar de forma mais integrada — conclui.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.