O Arroio Dilúvio passa por processo de desassoreamento desde março de 2022. Apesar do serviço em execução, alguns trechos já apresentam novamente entulhos como pneus, sofás e cadeiras em pontos limpos recentemente. O córrego nasce em Viamão, na Região Metropolitana, e segue seu curso de cerca de 20 quilômetros pelo centro da Avenida Ipiranga até desembocar no Guaíba.
A reportagem de GZH acompanha com frequência o trabalho de dragagem para manter o local em melhores condições. Em outubro do ano passado, foi mostrado que o volume de detritos retirados do Dilúvio superava, naquele momento, em duas vezes os destroços gerados na implosão feita com dinamites do prédio da antiga SSP, o que ocorreu em março de 2022.
Atualmente, as ações da prefeitura de Porto Alegre, por meio do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), estão paralisadas em pontos próximos do Hospital Ernesto Dornelles, logo após a Avenida João Pessoa, e da sede da Polícia Federal, pouco adiante do cruzamento com a Avenida da Azenha. O motivo é que a renovação de contrato com o consórcio Suldrag está sendo discutida.
Montes de lodo com mais de três metros de altura podem ser vistos à beira do córrego à espera de serem conduzidos ao aterro sanitário de inertes do bairro Lami, na zona sul da Capital. Desde março de 2022, apenas do Dilúvio, já foram retirados quase 45 mil metros cúbicos de detritos.
A possibilidade de voltar a ver o Dilúvio com águas despoluídas, sendo aproveitado para atividades de lazer, náuticas e até para banho, como aconteceu em décadas passadas, parece algo utópico. Entretanto, não é uma missão impossível. Algumas cidades enfrentam o mesmo problema e usam diversas estratégias para limpar seus córregos em áreas urbanas.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Belém (PA): desassoreamentos constantes e locais adequados para inertes
A cidade de Belém, no Pará, conta com 14 bacias distribuídas em 65 canais, o que representa algo em torno de 100 quilômetros de cursos d’água. O segredo da prefeitura para manter os córregos limpos se baseia em desassoreamentos constantes e campanhas massivas de conscientização junto à população.
O diretor do Departamento de Resíduos Sólidos (Dres) da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) da capital paraense, Pedro Piqueira, relata como ocorre o serviço.
Com a regularidade da dragagem mecânica dos canais, associada à limpeza manual, o que fazemos continuamente e intensificamos durante o inverno, evitamos a sedimentação de detritos ao longo do leito dos canais e aumentamos o fluxo das águas
PEDRO PIQUEIRA
Diretor do Departamento de Resíduos Sólidos da Sesan
— A cidade de Belém se encontra abaixo do nível do mar. Então, temos um problema grande quando coincidem os índices pluviométricos fortes com a maré alta. Isso, invariavelmente, ocasiona a concentração de água em alguns pontos mais baixos — contextualiza, explicando: — Com a regularidade da dragagem mecânica dos canais, associada à limpeza manual, o que fazemos continuamente e intensificamos durante o inverno, evitamos a sedimentação de detritos ao longo do leito dos canais e aumentamos o fluxo das águas.
Conforme o diretor, além da importância da regularidade do serviço, há muitas campanhas de conscientização, especialmente alertando para os riscos do descarte de inertes em locais inadequados, como é o caso dos canais.
— De forma massiva, tentamos incutir na mente da população noções adequadas de educação ambiental — diz, salientando que há multa (em torno de R$ 600) prevista por lei para quem descarta lixo nos córregos.
A prefeitura procura usar a criatividade para manter os canais limpos por mais tempo. Estão sendo implantados equipamentos de ecopontos, estruturas construídas adequadamente para receber os resíduos de inertes. Seriam instalados inicialmente 20 ecopontos, mas, por enquanto, 10 estão sendo viabilizados. Desses, três passam por etapa de construção, e um deles, situado no canal São Joaquim, já está pronto.
— Aqui os desassoreamentos ocorrem rotineiramente, sendo que no período do verão de forma menos intensa. Mas trabalhamos o ano inteiro — afirma Piqueira.
Santos (SP): ecobarreiras flutuantes para que lixo não chegue ao mar
Santos, no litoral de São Paulo, é uma cidade cortada por 12 canais artificiais centenários. O objetivo desses canais, construídos na virada do século retrasado para o passado, era receberem as águas pluviais do município. Como Santos é uma baixada, a cidade sempre sofreu em períodos de chuva com alagamentos. Os canais sofrem, até hoje, a força da maré, porque a maioria deles corre em direção às praias.
— Os canais acabam recebendo resíduos sólidos urbanos, como plástico e madeira. A colocação das barreiras objetiva reter que esse material flutuante chegue na faixa de areia e no oceano — esclarece o secretário-adjunto do Meio Ambiente da prefeitura de Santos, Marcus Fernandes.
As primeiras ecobarreiras flutuantes começaram a ser instaladas em 2019, após a realização de testes. Atualmente, os 12 canais contam com esse material. No futuro, possivelmente até as áreas de manguezais da região de Santos abriguem proteção semelhante.
Os canais acabam recebendo resíduos sólidos urbanos, como plástico e madeira. A colocação das barreiras objetiva reter que esse material flutuante chegue na faixa de areia e no oceano
MARCUS FERNANDES
Secretário-adjunto do Meio Ambiente da prefeitura de Santos
É importante citar que o Dilúvio possui uma ecobarreira de contenção em sua foz, localizada próxima ao Guaíba. Ou seja, não seria algo inédito a instalação desse material na Capital.
Em relação ao serviço de desassoreamento, os canais santistas, que são de concreto, recebem limpeza semanal. As campanhas de educação ambiental são contínuas em Santos, além de projetos afins.
— Em 2017, com o apoio do governo da Suécia, iniciamos um programa de identificação das fontes de resíduos que chegam ao mar — compartilha Fernandes, acrescentando: — Teoricamente, a gente sabia que os canais eram um dos indutores a levar resíduos até a faixa de areia e ao mar. Trilhamos um programa para cientificamente identificarmos as principais fontes de resíduos que atingem o mar.
As conclusões mostraram que os próprios canais, as fontes difusas (relacionadas aos detritos levados ao mar pela chuva) e as populações que habitam as áreas dos manguezais, ao longo do estuário santista, eram os principais agentes poluidores do meio ambiente. No caso específico dos canais, a ideia para impedir que os resíduos chegassem ao mar foi instalar as ecobarreiras.
Conforme a prefeitura, as ecobarreiras, constituídas de lona preenchida com espuma ecológica, são de três a cinco metros maiores do que a largura de cada canal. A parte excedente permite que a barreira represe mais resíduos do que se o equipamento estivesse disposto de forma reta.
A lona também se estende por mais 40 centímetros abaixo das boias. Chamada de "saia", essa parte conta com uma corrente que a auxilia a ficar permanentemente esticada para baixo. Tanto a corrente quanto a base lateral das barreiras são de alumínio. Na saia, acabam retidos os dejetos que não flutuam o suficiente para serem parados pelas boias, o que possibilita reter uma quantidade maior de objetos. As contenções ficam conectadas aos córregos por ganchos instalados na estrutura do canal e dois cabos de aço.
As campanhas de conscientização acontecem em toda a cidade. Direcionado para as populações das áreas dos manguezais, foi criado o projeto Beco Limpo, que tem o objetivo de qualificar e capacitar os jovens para multiplicarem a informação ambiental dentro da própria comunidade.
Recife (PE): ecocestos até na rede de microdrenagem
A cidade de Recife, em Pernambuco, possui alguns trechos localizados abaixo do nível do mar. Como em Santos, o efeito das marés influencia os canais. E não são poucos – 99 existem na capital pernambucana.
A secretária de Infraestrutura do Recife e presidente da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb), Marília Dantas, comenta sobre as principais ações desenvolvidas.
Os ecocestos são caixas de fibras que colocamos dentro das caixas de drenagem. Quando o lixo entra direto na caixa para passar pela tubulação, ele fica preso
MARÍLIA DANTAS
Secretária de Infraestrutura do Recife
— Não é só a limpeza dos canais em si. São várias ações combinadas para fazer dar certo. Temos uma evolução grande em relação a esse problema — pondera.
Na cidade, são cinco bacias, sendo três mais importantes – Camaragibe, Beberibe e Tejipió. Segundo Marília, esta última é a mais desafiadora, porque a população mora praticamente dentro do curso d’água.
— Recife tem alguns problemas que já dificultam o escoamento da água da chuva — relata, citando que há muitas áreas impermeáveis em decorrência das construções urbanas descontroladas.
De acordo com a secretária, existem campanhas de conscientização em escolas e na comunidade, inclusive com ações lúdicas. Há lixômetros, estruturas em aço e grandes, que mostram a quantidade de lixo jogado de forma incorreta no meio ambiente. Alguns desses equipamentos ficam instalados próximos aos canais:
— Fazemos a limpeza dos canais ao menos uma vez por ano. Em alguns, é mais profunda. Nos rios maiores, retiramos o lixo flutuante.
Recife conta com 10 ecobarreiras flutuantes nos arroios. Nestes pontos, a limpeza é feita três vezes por semana. Além disso, foram implantados ecocestos na rede de microdrenagem.
— Os ecocestos são caixas de fibras que colocamos dentro das caixas de drenagem. Quando o lixo entra direto na caixa para passar pela tubulação, ele fica preso. Então, precisamos fazer a limpeza com periodicidade maior — detalha a secretária.
A prefeitura aplica multas para quem joga lixo nos arroios, mas o trabalho principal ainda é em cima da conscientização ambiental.
Belo Horizonte (MG): retirada de lixo flutuante e batimetria
Em Belo Horizonte, o diretor de Manutenção da Subsecretaria de Zeladoria Urbana da cidade, Mauro Lúcio Ribeiro, conta o que é feito em relação aos canais que cortam a capital de Minas Gerais.
— A maioria deles tem o fundo tratado, ou seja, os sedimentos não ficam decantados. Não temos grandes problemas nos canais, apenas nas bacias ou lagoas de detenção, onde a água para — garante.
Ao contrário de Santos e Recife, o diretor revela que as ecobarreiras flutuantes não são mais usadas nos arroios da capital. O motivo é que teriam auxiliado apenas nas primeiras chuvas, conforme avalia Ribeiro.
Retiramos o material que fica flutuando e promovemos batimetrias (medição da profundidade dos oceanos, lagos, córregos e rios) para acompanhar qual é o nível do assoreamento
MAURO LÚCIO RIBEIRO
Diretor de Manutenção da Subsecretaria de Zeladoria Urbana de Belo Horizonte
— Retiramos o material que fica flutuando e promovemos batimetrias (medição da profundidade dos oceanos, lagos, córregos e rios) para acompanhar qual é o nível do assoreamento — ressalta.
As nove regionais de Belo Horizonte fazem rondas e aplicam multas quando alguém é flagrado jogando lixo nos canais. Também são desenvolvidas campanhas de conscientização. Atualmente, a Defesa Civil elabora um plano para visitar escolas situadas em zonas de risco, para abordar situações de desastres em áreas de alagamento e como o lixo contribui para esse cenário.
Iniciativas de sucesso de outros países
Problemas com arroios, córregos e rios não dizem respeito apenas ao Brasil. Outras cidades do mundo enfrentam situações semelhantes. Confira, abaixo, como algumas delas transformaram canais e rios poluídos em locais limpos e até de lazer.
Copenhague (Dinamarca)
No passado, a rede de encanamentos de Copenhague, na Dinamarca, levava a água da chuva para os rios e canais, misturando-se com a rede de esgoto. Em 1991, a capital dinamarquesa deu início a um plano de despoluição das águas e à remoção da área industrial situada ao redor do rio. Desde então, as galerias pluviais e os reservatórios de água foram reconstruídos e o lixo passou a ser reciclado e incinerado. Também há um sistema que avisa quando o nível de sujeira extrapola os limites. Após diversas transformações e investimentos, a população pode até tomar banho nas piscinas públicas artificiais criadas pelo governo.
Seul (Coreia do Sul)
Os 5,8 quilômetros do rio Cheonggyecheon, que corta Seul, na Coreia do Sul, passaram por processo de revitalização durante quatro anos. A prefeitura demoliu um viaduto que cobria o canal. O concreto do viaduto derrubado foi reciclado, e as obras de recuperação, iniciadas em meados de 2003. Foram erguidas novas pontes, e o sistema de transporte coletivo foi ampliado. Em função das melhorias, a temperatura na região do canal caiu em média 3,6°C em relação a outras zonas de Seul. Hoje, há cascatas, fontes e peixes ao longo do curso d'água.
Londres (Inglaterra)
Com 346 quilômetros de extensão, o rio Tâmisa, em Londres, na Inglaterra, chegou a ser declarado biologicamente morto em 1957. Houve melhora no saneamento básico, além da redução do uso de substâncias pesticidas e fertilizantes nas plantações da região, que eram levados até o Tâmisa pelas águas das chuvas. Estações de tratamento de esgoto começaram a ser instaladas por volta dos anos 1960. A conscientização da população também ajudou no processo de despoluição do rio.
Paris (França)
Um dos rios mais famosos do mundo, o Sena, situado em Paris, na França, passou por situação parecida com a do Tâmisa. O rio parisiense recebia poluição industrial e esgoto doméstico. A partir dos anos 1960, começou o processo de revitalização de seu canal. O governo, que tenta deixar o rio 100% despoluído, criou leis que multam fábricas e empresas que despejam substâncias nas águas. Também há incentivos financeiros para que agricultores que vivem às margens do rio não o poluam. Um projeto grandioso está em plena execução em relação ao Sena. Ele prevê a construção de um tanque cilíndrico de concreto com 50 metros de diâmetro e 34 metros de profundidade sob a Praça Marie Curie. A capacidade será para 44 milhões de litros de água. A função será reter a água das chuvas que escorre pelas ruas, impedindo que ela derrame o lixo no rio. Essa água será bombeada por canos subterrâneos até estações de tratamento nos dois lados do rio. Também haverá uma central de monitoramento por telão da situação do rio, avaliando em tempo real os índices de oxigênio, gás carbônico e outros itens. Os 777 quilômetros do rio ficarão próprios para banho. A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2024 será realizada no Sena.
Katwijk (Holanda)
Na cidade de Katwijk, na Holanda, a criatividade está sendo empregada. Bolhas estão sendo usadas para reter dejetos plásticos nos rios. O ar é bombeado por meio de um tubo perfurado no leito do rio formando uma parede de bolhas na água. As bolhas carregam os resíduos plásticos para a superfície e os direcionam para o banco onde são coletados para reciclagem. A barreira da cidade tem 120 metros de comprimento. É possível ver um vídeo de como funciona neste link.
O que poderia ser feito no Dilúvio
O engenheiro civil Fernando Dornelles, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que deveria haver um monitoramento contínuo para se identificar onde estão os maiores problemas do Dilúvio. O docente avalia a questão das ecobarreiras, que são usadas em outras cidades.
— Temos ecobarreira aqui, mas no final do Dilúvio. Poderíamos ter outras intermediárias, porque a garrafa pet que chega na foz, junto à Avenida Praia de Belas, cruzou a cidade toda — sugere.
Temos ecobarreira aqui, mas no final do Dilúvio. Poderíamos ter outras intermediárias, porque a garrafa pet que chega na foz, junto à Avenida Praia de Belas, cruzou a cidade toda
FERNANDO DORNELLES
Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS
O IPH e o Núcleo de Tecnologia Urbana (NTU) da UFRGS apresentaram um projeto de limpeza e revitalização de um trecho de aproximadamente dois quilômetros do arroio. A proposta previa a limpeza e a urbanização do Dilúvio a partir do cruzamento das avenidas Ipiranga e Cristiano Fischer. GZH mostrou, em reportagem de 2021, o projeto que sugeria pedalinhos, água limpa e espaço para piqueniques. Porém, a ideia não evoluiu.
Dornelles, inclusive, explica que o desassoreamento não tem a função de despoluir o canal.
— O desassoreamento é uma reconstituição da capacidade hidráulica do curso d’água. O objetivo dele é tratar que não ocorra o extravasamento e inunde as vias — observa.
Na avaliação do especialista, seria necessário haver dados percentuais da população responsável por lançar resíduos no Dilúvio.
— Como aparece um sofá no Dilúvio? Não veio de uma chuva, alguém jogou lá dentro — comenta.
E estima os valores envolvidos em relação a possíveis obras para ajeitar os esgotos:
— Para regularizar a rede sanitária, para não fazer lançamento de esgoto cloacal no Dilúvio, é uma ordem de R$ 4 a R$ 5 bilhões.
O engenheiro civil cita como exemplo em execução o programa Novo Rio Pinheiros, de São Paulo.
— Estão indo nas regiões pobres e fazendo as conexões e interceptações, criando um grande coletor. Este é o problema que tem também em Porto Alegre, não apenas nas partes pobres. Nas zonas ricas igualmente — afirma, completando: — Eles (prefeitura de SP) bonificam a companhia de saneamento e as terceirizadas pela qualidade da água no Pinheiros.
Dessa maneira, a sugestão de Dornelles seria se promover o monitoramento constante e um contrato com empresas terceirizadas, que buscariam as ligações incorretas de esgotos, a fim de se alterar o cenário atual.
O diretor do Instituto do Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Nelson Fontoura, cita transformações em rios conhecidos.
— Em Seul, pegaram a água do rio que corta a cidade, deslocaram por tubulações subterrâneas que ninguém enxerga e bombearam água limpa de um rio próximo, fazendo passar pelo antigo canal — ilustra, esclarecendo que essa solução foi mais estética por parte dos sul-coreanos do que propriamente ambiental.
Em relação ao Dilúvio, Fontoura acredita que o programa socioambiental de Porto Alegre, conhecido como Pisa (Programa Integrado Socioambiental), lançado em 2014, melhorou a situação:
— Se fez uma tubulação em ambos os lados do Dilúvio, que interceptava a rede de esgoto cloacal. E esse esgoto foi direcionado para a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Serraria. Tanto que melhorou a qualidade e tem peixe no arroio.
Para o diretor, o problema é mais amplo e passa, entre outras coisas, pela antiguidade da rede de esgoto pluvial, que recebe redes clandestinas de esgoto cloacal também. Seria necessário se identificar a rede cloacal para se tomar alguma decisão.
— Todas as soluções que foram feitas em outros países e deram certo eram tradicionais: tratar o esgoto e preservar as margens. Se o esgoto não for tratado, o problema não será resolvido — reflete.
A respeito de campanhas de conscientização, Fontoura diz que as ações devem começar ainda na pré-escola e nas séries fundamentais.
Todas as soluções que foram feitas em outros países e deram certo eram tradicionais: tratar o esgoto e preservar as margens. Se o esgoto não for tratado, o problema não será resolvido
NELSON FONTOURA
Diretor do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS
— Existe um outro aspecto que, às vezes, a educação ambiental não atende. Muito do resíduo que chega no corpo d’água é levado para lá por pessoas extremamente carentes, que não têm acesso à educação e não sabem o que comerão de noite. Essa pessoa não está preocupada em salvar o mundo, ela só quer sobreviver — analisa.
O professor também não crê que multas resolvam alguma coisa.
— Para essa pessoa de baixíssima renda, a multa não adianta. Ela não tem renda. Acho que, na verdade, é preciso dar uma oportunidade em algum programa de renda mínima — defende, lembrando que não existe conservação do meio ambiente com pobreza.
Responsável pelo Atlas Ambiental de Porto Alegre, o geólogo e professor da UFRGS Rualdo Menegat também examina se campanhas de conscientização ajudariam a atenuar os impactos sobre o Dilúvio.
— Não há gestão ambiental possível sem a participação das pessoas e isso requer educação, quer dizer, discussão dos conceitos e do que significa viver em uma cidade grande. Portanto, não bastam campanhas educativas, embora sempre importantes, mas construir uma cultura urbana, baseada em gestão participativa, que considere essencial que os arroios da cidade sejam saudáveis e transportem a vida — opina.
Indagado sobre possibilidades de soluções criativas para solucionar o problema do Dilúvio, o docente diz que não existe mágica.
— Se a cultura da cidade considera os arroios como valões, que seria melhor tapá-los, não há solução. A cidadania deve considerar seus arroios altamente relevante pelos serviços que prestam à cidade. Qualquer programa deve começar pelas cabeceiras dos arroios, que, no caso de Porto Alegre, são as regiões de topo de nossos morros — indica, dizendo que essas áreas deveriam ser protegidas.
Menegat questiona se, de fato, há algo propositivo no sentido de se desenvolver mais cidadania em relação à importância dos arroios urbanos:
— O problema é a cultura da cidadania. Isso começa nas escolas. Que escola leva seus alunos para visitarem os arroios que estão próximos? Em que escola se aprende a como viver em cidades grandes?
Por sua vez, a bióloga Lara Lutzenberger compartilha ideias do que poderia ser feito em relação ao Dilúvio. Para a presidente da Fundação Gaia, seria necessário recuperar a vegetação das margens dos afluentes, regularizar a canalização pluvial do entorno e se promover amplas e reiteradas campanhas de conscientização sobre o lixo. Além de se criar incentivos fiscais e logísticos para as indústrias produzirem menos embalagens e produtos descartáveis.
Questionada sobre como o cenário poderia mudar, Lara enumera algumas possibilidades:
— Usar da criatividade e expertise dos publicitários para disseminar esses cuidados.
E fazer mutirões de limpeza com jovens escolares e empresas, para que percebam a dimensão do problema e se motivem a evitá-lo — conclui.