A primeira tentativa de o governo do Rio Grande do Sul promover o novo leilão de concessão do Cais Mauá à iniciativa privada foi frustrada. Não houve apresentação de propostas na B3 (bolsa de valores oficial do país), com sede em São Paulo, na quarta-feira (7). Dessa maneira, o leilão foi considerado deserto e será reagendado para 2023. Entender os motivos para ninguém ter dado lances é o que resta, pelo menos neste momento, antes de se projetar o próximo passo.
— Nas duas últimas semanas, começamos a perceber a desistência de empresas interessadas — revela o secretário-executivo de Parcerias do Rio Grande do Sul, Marcelo Spilki, acrescentando: — Alguns grupos que estavam formados perderam uma ou outra empresa e não tiveram tempo para recomposição.
O terreno do Cais Mauá tem 181,3 mil metros quadrados, localizado em uma zona de grandes possibilidades, no Centro Histórico de Porto Alegre. Armazéns, docas e o espaço do entorno da Usina do Gasômetro despertam o interesse da iniciativa privada. O Cais Embarcadero, por exemplo, é apontado como exemplo bem-sucedido de como a área possui potencial para investimento.
Conforme Spilki, há diversas explicações para o leilão ter sido deserto.
— A primeira questão é o cenário macroeconômico. Os investidores estão com seu apetite freado em função da espera pela política econômica do novo governo federal — analisa o secretário, citando que a aprovação da PEC da Transição, que amplia o teto para os gastos do Bolsa Família, além de permitir gastos extras de R$ 23 bilhões mediante receitas extraordinárias, também interferiu para o recuo das empresas.
Prova do interesse pelo Cais Mauá ocorreu no dia 16 de agosto, quando a reportagem de GZH conversou com participantes do roadshow do projeto de modelagem de revitalização do local. Na ocasião, o projeto foi apresentado a representantes de empresas interessadas no leilão da parceria público-privada (PPP), no auditório do prédio da administração da Portos RS, no cais de Porto Alegre.
Empresas como Cyrela Goldsztein, Dallasanta, Wolens, entre outras, compareceram ao roadshow para saber mais sobre o projeto. Houve elogios ao que foi apresentado, porém alguns presentes destacaram que os valores envolvidos precisavam ser analisados em detalhes. Também citaram a questão de a venda ser em consórcio, e não em fatias, o que evidencia que empresas tinham interesses em partes (e não no todo) envolvidas no leilão.
O governo estadual (proprietário da área), a prefeitura (licenciadora do espaço), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Consórcio Revitaliza (responsáveis pela autoria do modelo de aproveitamento da área portuária), exibiram os detalhes e responderam a questionamentos durante a apresentação do material. Naquele momento, o cenário era alvissareiro.
Apesar de todo interesse despertado, e dos elogios ao projeto, o leilão foi deserto e os planos do governo estadual precisarão aguardar mais tempo. Para tornar o projeto mais atrativo, Spilki antecipa o próximo passo:
— É hora de ouvir o mercado novamente para ver se há algo que possa ser melhorado no projeto.
Questionado se “fatiar” o que está sendo ofertado à concessão poderia ser uma solução, o secretário responde com outra interrogação.
— Entendemos que o modelo proposto é o melhor, porque consegue executar a infraestrutura toda. Como ficaria a infraestrutura separando por partes? Seria muito difícil — alega.
O governo estadual chegou a cogitar a possibilidade de fazer duas licitações, em que os armazéns estariam em uma licitação, e as docas, em outra. Mesmo assim, essa hipótese não é vista com bons olhos pelo Estado.
— Digamos que a gente vendesse as docas, e o Cais, não. O valor das docas não se potencializaria. Quem iria querer comprar aqueles terrenos para construir com o cais degradado como está agora? Ninguém — acredita Spilki.
Para o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maurício Weiss, o projeto pode ter algum problema específico que faça os interessados recuarem.
— As empresas buscam novas alternativas ou formas de financiamento mais baratas para o projeto — reflete.
Segundo o docente, colocar a responsabilidade em cima da transição do governo federal para o leilão ter sido deserto não faz muito sentido.
— A insegurança em relação ao governo, para um projeto de concessão de 30 anos, não tem razão de ser. A perspectiva é a longo prazo — observa.
O economista, inclusive, destaca um aspecto comum de acontecer em situações desse tipo:
— Em leilões de perspectivas a longo prazo, algumas empresas adotam estratégias ignorando as conjecturas, porque o horizonte é distante.
Incertezas dos cenários econômico e político
Entretanto, o professor cita as incertezas do cenário econômico, de se desconhecer a equipe do próximo Ministério da Economia, o momento ruim do mercado de ações, além da própria guerra da Ucrânia, como alguns pontos que podem interferir no interesse das empresas.
— Vejo o recuo mais no sentido em relação às oportunidades na expectativa da exploração da área e às condições do leilão. Às vezes, é uma forma de as empresas pressionarem para conseguirem condições melhores — afirma.
O professor Luciano Fedozzi, do Departamento de Sociologia da UFRGS e integrante do Observatório das Metrópoles, também não acredita que a troca de governo possa ter interferido.
— O fato de o processo licitatório ter dado vazio é mais provável que tenha acontecido por um erro de cálculo que, em geral, as empresas fazem sobre o retorno financeiro do projeto — diz.
Fedozzi, que acompanhou de perto toda a questão acerca da concessão do Cais Mauá à iniciativa privada, vai adiante.
— Não acredito que o contexto político tenha influenciado. Até porque, por exemplo, o fator de continuidade da gestão governamental foi positivo, com o próprio governador tendo sido eleito — conclui, mencionando que o projeto, mantendo o setor das docas e dos armazéns juntos, talvez tenha contribuído para que não houvesse interesse das empresas.
O que se planeja para o Cais Mauá
- Estão previstas para o Cais Mauá a construção de uma torre comercial icônica perto do trecho onde está localizada a Estação Rodoviária, além de prédios escalonados e de um bulevar ao longo da Avenida Mauá.
- O passeio público receberá melhorias, assim como os armazéns, o prédio do antigo frigorífico, a Praça Edgar Schneider e a própria orla do cais, que será urbanizada para uso da população.
- Em relação ao Muro da Mauá, foi sugerido um mecanismo retrátil pelo Consórcio Revitaliza. A proposta é apenas referencial e pode ser alterada pelo vencedor do futuro leilão.
- O Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto de revitalização do Cais Mauá já foi aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (CMDUA). Os responsáveis pela autoria do modelo de aproveitamento da área portuária projetavam um investimento total de R$ 354,7 milhões, além de R$ 20,5 milhões por ano para a manutenção das áreas.