O Loteamento Santa Terezinha, também conhecido como Vila dos Papeleiros, fica em um espaço privilegiado da capital gaúcha. Entre a rodoviária, no Centro Histórico, e o 4º Distrito, se concentram cerca de 3 mil moradores.
Em 2022, os moradores vivem dias de incerteza quanto ao projeto de revitalização do 4º Distrito. A iniciativa foi enviada para a Câmara Municipal em maio e pretende definir novas normas urbanísticas e tributárias, instituir benefícios para quem quiser investir e incentivar o turismo nos bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Farrapos e Humaitá. Se aprovado, o projeto também contemplará obras públicas, especialmente em relação a vias e avenidas de acesso.
Antes de ter esse nome, a região era apelidada com a alcunha dos papeleiros por conta da principal ocupação de quem morava por lá. Com um incêndio, em 2005, a vila ganhou uma nova cara. Por meio de recursos do Projeto Integrado de Entrada da Cidade (Piec), 277 casas foram construídas no local, que se transformou no que é atualmente.
— É um histórico de muita vulnerabilidade e muitas condições precárias — comenta Luciana Miron, professora do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da universidade Federal do RS (UFRGS), que pesquisa sobre o Piec. — Eu pude visualizar a condição precária de infraestrutura, das casas, das instalações elétricas e hidráulicas, que na verdade eram como eles chamam, "gatos", instalações irregulares... E provavelmente essa condição assim tão precária que deve ter ocasionado o incêndio que eles vieram a sofrer em 2005.
Para os residentes da região, o momento é de temor de que possam ser retirados do local. Iracema Dutra, pensionista e moradora da região desde antes do incêndio, lamenta:
— A gente lutou, tanta gente lutou tanto por isso aqui. A gente vivia no meio do barro, no meio do lodo. A gente passou horrores aqui dentro.
Para quem reclama da sujeira do local, ela cita os mutirões de limpeza que a comunidade tem feito periodicamente.
— Agora tá tudo direitinho, agora a gente vai manter a limpeza — garante.
Para Rafael Passos, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no RS (IAB-RS), “o projeto do 4º Distrito tem um potencial mais concentrador de renda do que distribuidor de renda, justamente porque ele não atende de forma eficaz nos seus instrumentos propostos uma integração e uma produção da habitação e da qualificação urbana dessas áreas".
De acordo com André Machado, diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), não há chance de os moradores das 277 casas do loteamento serem retirados do local.
— O papel da habitação de interesse social é justamente criar condições para que essas pessoas sejam beneficiadas pelas mudanças do bairro, e não excluídas por um novo momento que aquele bairro vai viver — argumenta.
Como políticas públicas para a região, Machado cita a regularização fundiária, ou seja, a entrega do título de propriedade para os moradores do Loteamento Santa Terezinha em um futuro breve.
Retirada dos carrinheiros
Outra questão que assusta os moradores do loteamento é o debate sobre a retirada dos carrinheiros das ruas de Porto Alegre.
— O papeleiro é um cara que não tem estudo, é idoso, é negro, desdentado. Mulheres carrinheiras também, são analfabetas e chefes de família que sustentam seus filhos, e com os carrinhos, graças a Deus, conseguem sobreviver — afirma Antônio Carboneiro, líder comunitário da vila e papeleiro.
Há 12 anos, a questão é pauta na Câmara Municipal. Em 2020, a proibição foi prorrogada para 31 de julho de 2022. Entretanto, a prefeitura afirma que a retirada dos carrinhos dos catadores de materiais recicláveis não deve acontecer neste ano.
— Nós entendemos que, tendo em vista o momento da pandemia, não tem como, de uma hora para outra, a gente cercear a geração de renda das pessoas que vivem dos carrinhos — defende Ruy Freire, diretor de Fomento ao Empreendedorismo Popular.
De acordo com Freire, o trabalho dos carrinheiros vai ser qualificado:
— Nós estamos projetando para que no ano que vem a gente inicie esses projetos de qualificação das pessoas e infraestruturas existentes para que elas possam ser incluídas no sistema. E aí, sim, botarmos uma data de encerramento dessa atividade individual e desorganizada.