As três pontes históricas da Avenida Ipiranga terão seus estudos de revitalização iniciados em março pela empresa vencedora da licitação. A partir do início dos trabalhos, a empresa terá o prazo de três meses para elaborar um laudo com os reparos necessários nas estruturas, localizadas nos cruzamentos da via com as avenidas da Azenha, Getúlio Vargas e João Pessoa.
A recuperação não passa somente pelas pontes em si. As escadarias situadas em alguns trechos também serão restauradas. Os locais estão repletos de diversos tipos de danos. Atualmente, pessoas em situação de rua costumam descer por essas escadas para passar o dia e até dormir perto dos taludes. A professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (Propur) da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Célia Ferraz de Souza explica a função desses degraus:
— No passado, o arroio não era poluído. Então, os projetos das pontes permitiam a aproximação das pessoas na água, para molharem os pés, pescar. E até barcos havia.
Todas as pontes apresentam problemas como pichações, partes queimadas, rachaduras, degraus quebrados e com ferros retorcidos aparentes em pedaços das escadas de pedra, além de sujeira. Também faltam muitas lajotas nos passeios de pedestres, o que pode acarretar em acidentes para quem transita por esses lugares.
No caso da Azenha, as duas placas comemorativas existentes no lado da via perto do posto de gasolina estão bem gastas e pichadas, o que dificulta a leitura. Uma delas, a carta de princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), também está amassada. Algumas pessoas estavam abrigadas na descida dos degraus, portando objetos pessoais, como roupas e sacolas.
— A partir do começo dos trabalhos para a realização do laudo, há o prazo estabelecido de, no máximo, 90 dias para a conclusão desse estudo. Depois contrataremos as obras para a restauração — explica o secretário municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi), Pablo Mendes Ribeiro.
Pela relevância histórica das três pontes, o secretário revela que todas serão restauradas simultaneamente. Experiências recentes também serviram de alerta para o poder público, que vai investir R$ 180.819,95 para a elaboração dos estudos.
— A importância das pontes vai além da questão histórica. Nosso principal objetivo é a segurança da população, pois sabemos o que acontece em outras cidades. Vimos o que houve no Viaduto dos Açorianos, interditado um ano por falta de vistoria — cita.
No passado, o arroio não era poluído. Então os projetos das pontes permitiam a aproximação das pessoas na água, para molharem os pés, pescarem e até barcos havia
CÉLIA FERRAZ DE SOUZA
Professora aposentada do Propur da UFRGS
Como são estruturas tombadas, classificadas como bem patrimonial, os projetos serão executados segundo os princípios e critérios internacionais de restauro. A Secretaria Municipal da Cultura (SMC) também vai acompanhar a fiscalização realizada pela Smoi.
As pontes situadas ao longo dos 20 quilômetros de extensão do Arroio Dilúvio, conhecido no passado por nomes como Riacho, Riachinho e Arroio da Azenha, funcionam como importantes elos de ligação entre as diversas regiões da cidade.
— Quando Porto Alegre surgiu, o Chico da Azenha, que possuía até um moinho rudimentar, dedicava-se à moagem de trigo na região de mesmo nome. Construiu o primeiro pontilhão de madeira para ligar sua propriedade com o lado em direção ao atual Centro Histórico — conta o professor Maturino Luz, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco registra em seu livro Porto Alegre - Guia Histórico, o nome de Chico da Azenha era Francisco Antônio da Silveira. Já a ponte de madeira foi a primeira construída sobre o Arroio Dilúvio. Isso teria ocorrido na segunda metade do século 18, possivelmente depois de 1777.
Quando Porto Alegre surgiu, o Chico da Azenha, que possuía até um moinho rudimentar, dedicava-se à moagem de trigo na região de mesmo nome. Construiu o primeiro pontilhão de madeira para ligar sua propriedade com o lado em direção ao atual Centro Histórico
MATURINO LUZ
Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS
Também é a ponte mais lembrada em termos históricos devido à Revolução Farroupilha (1835-1845), que teve um episódio importante registrado no local. Um combate deixou o saldo de um morto e quatro feridos, entre os quais José Egídio Gordilho de Barbuda Filho, segundo visconde de Camamu.
— Foi nessa Ponte da Azenha que os farroupilhas, liderados pelo general Bento Gonçalves, entraram em Porto Alegre em 20 de setembro de 1835 — pontua o docente da PUCRS.
Maturino Luz afirma que havia outros projetos antigos de pontes na região, mas que não saíram do papel.
— Quando fizeram as pontes da Azenha, Getúlio Vargas e João Pessoa, projetaram outras duas que não foram construídas. Uma para prolongar o que hoje é a Avenida Borges de Medeiros e outra na nova Foz do Riacho (chamada nos projetos de Avenida Marginal). Imagens dessas pontes não construídas são encontradas na publicação Um Plano de Urbanização, elaborada por Edvaldo Pereira Paiva e assinada pelo prefeito José Loureiro da Silva em 1943 — detalha.
As enchentes do Arroio Dilúvio já aconteciam naquela época. Em 1802, o rudimentar pontilhão da Azenha seria substituído por outra ponte. Porém, a obra sofreu outras danificações posteriores por causa da força das águas. A ponte foi totalmente destruída em 1897, durante uma enchente, e precisou ser totalmente construída, o que só foi finalizado em 1900. A atual estrutura foi iniciada em setembro de 1935 e inaugurada no ano posterior pelo prefeito Alberto Bins.
Nos seus 250 anos, Porto Alegre precisa voltar a conhecer, amar e preservar suas pontes
EDUARDO BUENO
Escritor e jornalista
O jornalista e escritor Eduardo Bueno enumera uma série de eventos que ocorreram ao longo dos séculos tendo as pontes como personagens ativos de importantes acontecimentos de Porto Alegre.
— A história é uma ponte a ligar o passado ao futuro. Até por isso, pontes são uma materialização concreta da história. As pontes que cruzam o Arroio Dilúvio trazem consigo uma enxurrada de histórias: a invasão de Porto Alegre pelos Farrapos, sempre repelidos e nunca aceitos pela Capital; o moinho do Chico da Azenha, anterior aos moinhos de vento que deram nome ao bairro; o Olímpico Monumental, onde o Grêmio moeu adversários; a ponte de ferro da Maria Fumaça que levava o trem até o bairro Tristeza; a retificação do Riacho; a luta dos 88 funcionários públicos que resolveram criar o Hospital Ernesto Dornelles. Está tudo ali, meio abandonado, ou então com a história levada embora pela torrente. Nos seus 250 anos, Porto Alegre precisa voltar a conhecer, amar e preservar suas pontes — reflete Peninha, como é conhecido.
A ponte da Azenha passou por restauração em 2008. Na ocasião, foram reconstituídas as características originais do guarda-corpo, do revestimento e da escadaria de degraus, além de terem sido instalados novos ladrilhos e luminárias, entre outras melhorias. A realização da obra durou cerca de 10 meses e a prefeitura investiu R$ 531 mil. A nova revitalização anima quem passa pelo local seguidamente.
— Sei que houve uma batalha da Revolução Farroupilha aqui. Acredito que uma restauração vai deixar tudo lindo — diz o freelancer Gabriel Schaurich, 24 anos, que mora perto da ponte.
Ao longo do século 19, mais pontes de madeira começaram a ganhar forma no entorno do Dilúvio, para depois serem substituídas por outras, mais modernas. Após a construção das atuais pontes da Azenha, Getúlio Vargas (de 1941) e João Pessoa (inaugurada em 1940), foram sendo erguidas as demais.
Mas o arroio se tornou poluído e itens como as escadarias perderam sua serventia de aproximar a população da água. Somente um projeto de despoluição do Dilúvio poderia devolver essa utilidade.
Mais pontes na lista
Outras 11 pontes da Ipiranga também serão revitalizadas. Um dos editais envolve sete estruturas (Borges de Medeiros, Praia de Belas, Santana, Ramiro Barcelos, Vicente da Fontoura, Euclides da Cunha e Barão do Amazonas). O outro engloba quatro pontes (nos cruzamentos com a Rua Silva Só e com a Avenida Erico Verissimo), sendo duas em cada trecho.