No ano passado, uma das grandes bandeiras da prefeitura de Porto Alegre em relação ao transporte público era de que mexer em isenções e retirar cobradores ajudaria a baixar o valor da passagem. Entretanto, estes itens não devem ter grande influência no novo preço da tarifa, a ser anunciado em fevereiro.
Entre os itens que passarão incólumes na cobrança aos usuários, três chamam a atenção: a privatização da Carris, a retirada de isenções para estudantes — agora, o benefício é concedido conforme a renda, e todos os beneficiários precisam estar vinculados ao Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal — e para idosos de 60 a 64 anos.
E por que os efeitos destas mudanças aprovadas na Câmara de Vereadores em 2021 ainda serão tímidos neste ano? Engenheiro de Transportes da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), Antônio Augusto Lovatto fala pela entidade que representa os consórcios privados que operam na cidade e participam da formulação da planilha de custos enviada à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC):
— A Carris, por exemplo, segue operando. Os custos dela são os mesmos. Então, se não tem alteração na matriz de custo, não tem impacto na tarifa. Ela ainda não foi privatizada ou liquidada.
Apesar de a privatização da Carris ter sido aprovada na Câmara em setembro de 2021, o edital de licitação para venda dos bens da companhia e concessão das linhas só deve ser publicado em março deste ano.
Discussão
Em relação ao benefício concedido aos estudantes, Lovatto pontua que os cálculos do projeto de lei aprovado na Câmara consideram números de 2019, quando o sistema transportava 19 milhões de alunos. Em 2021, conforme o engenheiro, foram só 1,9 milhão. Além disso, a prefeitura ainda não regulamentou o novo sistema de isenções.
— O impacto só poderá ser mensurado quando o retorno for total ao ensino presencial — alerta Lovatto.
Já a retirada do benefício aos idosos de 60 a 64 anos é bem pouco significativa. Isso porque, em janeiro de 2019, o então prefeito, Nelson Marchezan (PSDB), já havia revogado o benefício.
Após o escrutínio da EPTC aos dados das planilhas, o órgão define a chamada tarifa técnica. O valor segue para avaliação do Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu) e, se aprovado, deve ser sancionado pelo prefeito.
Quase sempre, a tarifa técnica é a mesma repassada ao usuário. Isso foi diferente em 2021, quando a prefeitura decidiu não autorizar a tarifa técnica de R$ 5,20. O prefeito Sebastião Melo determinou que a passagem ficasse em R$ 4,80 — o valor atual.
A diferença de R$ 0,40 foi paga por repasses do Executivo às empresas. Mas a ATP reclama que o município deve cerca de R$ 9 milhões para cobrir os valores.
Definição até fevereiro
O Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa) enviou a solicitação de revisão tarifária para a EPTC. A entidade já fez o cálculo da tarifa pelo viés das empresas, segundo os gastos projetados: R$ 6,65. Mas é pouco provável que esse valor se mantenha.
Nas planilhas, o peso mais relevante é o de custo com pessoal, que representa cerca de 50% da passagem. E o aumento de 10% dado aos rodoviários há poucos dias já entrou na conta — a data-base da categoria é 1º de fevereiro.
Outro grande problema é o diesel: o combustível foi o que mais subiu no ano passado, 46,8% na comparação com 2020, segundo Levantamento de Preços de Combustíveis da ANP. Só estes dois pontos representariam cerca de R$ 0,70 no cálculo.
A reportagem entrou em contato com a prefeitura para falar sobre projeções para a tarifa de ônibus em 2022. O Executivo disse que não vai comentar o assunto, por enquanto.
Alternativas para o subsídio
O prefeito da Capital vem dizendo que não pretende seguir "dando dinheiro" diretamente aos empresários. A proposta mais recente, ventilada há duas semanas, é a de prefeitura adquirir ou alugar (através de leasing) ônibus para o sistema. Isso, condicionado ao fato de a passagem baixar.
Fato é que a única mudança notável no cálculo da tarifa para 2022 está relacionada ao fim dos cobradores — aprovado na Câmara em 2021. Com a extinção prevista para o fim de 2025, cerca de um quarto dos profissionais devem ir deixando seus postos anualmente.
E a parcela deste ano entrou no cálculo da nova passagem do transporte. A prefeitura fala em R$ 0,74 de redução em quatro anos. Lovatto projeta mais, R$ 0,90. Ainda assim, este é um dos itens que não evitará o aumento, mas fará com que a passagem suba menos. Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, Melo adiantou que já esperava "o estouro da boiada" no pedido de revisão tarifária de 2022.
— Tem aumento de passagem marcado para o dia 1º de fevereiro. Vocês vão ver o estouro da boiada, o valor que os empresários vão pedir. Eles concederam 10% aos trabalhadores, de uma única vez. Isso vai incluir na passagem. Tem o diesel que subiu enormemente. Então, você imagina o que vai acontecer — alertou.
Redução é desafio
Se o cenário de um anúncio de redução na passagem parece distante para a ATP, qual seria o caminho necessário para que isso acontecesse em Porto Alegre?
Entende-se que é necessário repactuar o contrato assinado em 2016, que licitou o sistema pela primeira vez na história. E uma das medidas passa pelo barateamento da frota, como cita Lovatto. O ar-condicionado, hoje exigido em todo ônibus que ingressa no sistema, deve ser um dos primeiros a perder obrigatoriedade.
— É um item muito caro e pouco usado. Desde o início da pandemia, então, tornou-se inoperante. Nossa ideia é buscar veículos com outra opção de ventilação que traga conforto térmico aos usuários — diz Lovatto.