O envelhecimento da frota de ônibus de Porto Alegre não é novidade para o passageiro que utiliza com frequência o transporte público da cidade. Mas os números mostram que a situação é preocupante.
Pelo menos 33 ônibus já ultrapassaram a idade máxima para circular, que é de 14 anos. Até o final de 2022, outros 122 devem ser aposentados por terem atingido o tempo-limite de vida — o que significa que um em cada 10 coletivos deve deixar as ruas até dezembro, considerando o total da frota, de 1.465 veículos.
Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), dos 33 ônibus que já passaram do prazo de validade, nove deixaram de operar após vistoria realizada na primeira quinzena de janeiro. Os outros 24 ainda estão em circulação e devem sair das ruas nas próximas semanas.
Se contar todos os ônibus que já ultrapassaram os 14 anos ou que devem chegar a essa idade ainda em 2022, o sistema de transporte público de Porto Alegre vai perder 155 veículos nos próximos meses. A situação é considerada problemática pela EPTC, principalmente em razão da crise financeira enfrentada pelas empresas que operam o sistema e da queda constante de passageiros nos últimos anos.
— Uma frota mais nova traz mais qualidade para o serviço porque, assim como um carro estraga mais (com o passar dos anos), o ônibus também estraga mais. O ônibus mais antigo dá mais quebra e menos conforto para o usuário. Mas as empresas precisam ter condições de fazer esses investimentos (de reposição) — diz Flávio Tumelero, gerente de planejamento da Operação de Transportes Públicos da EPTC.
Conforme os dados da empresa pública, 54% dos ônibus de Porto Alegre têm mais de 10 anos. Ou seja: mais da metade do sistema terá que ser renovado em até cinco anos.
— Tem muito ônibus velho na linha e sem ar condicionado. Eles são barulhentos e demorados. Deveria ter melhor qualidade nos bancos e ônibus mais novos — opina a cozinheira Ana Regina Pereira, que utiliza uma linha que liga o Centro à Zona Leste.
Crise financeira piorou a qualidade dos ônibus
De acordo com o contrato da licitação do transporte público, assinado em 2016, os ônibus poderiam circular na Capital até completarem 10 anos de idade. Depois disso, seriam substituídos. Em 2019, no entanto, a prefeitura publicou decreto que estendeu o prazo para até 14 anos, no caso dos ônibus normais. Já os articulados podem rodar até completar 15 anos. A medida fez com que a média de idade da frota aumentasse.
— É um problema. Hoje nós temos uma frota com média de nove anos. É uma idade muito velha. Há 10 anos, nós tínhamos uma idade média na faixa de cinco anos. A frota realmente envelheceu e isso é ruim para todo mundo — avalia Tumelero.
As empresas de ônibus concordam com a avaliação da EPTC, mas alegam que não têm dinheiro para comprar veículos novos. Segundo o engenheiro de transportes da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), Antônio Lovatto, as companhias deixaram de renovar a frota nos últimos anos por causa da queda na arrecadação.
— Uma das formas que as empresas encontraram para sobreviver na pandemia foi justamente não promover as renovações periódicas no sistema. (Foi necessário) Fazer caixa e saldar outros compromissos, como folha de pagamento, em detrimento de comprar mais ônibus — justifica.
Por determinação de contrato, parte da tarifa paga pelo usuário serve para custear a compra de novos ônibus. A ideia era que os veículos fossem comprados aos poucos, permitindo que as empresas renovassem o sistema a partir da arrecadação. Mas, na prática, a crise impediu a aquisição dos coletivos.
Cada ônibus novo custa, em média, cerca de R$ 600 mil. O valor é considerado elevado, visto que custaria R$ 1 bilhão caso toda a frota fosse renovada de uma só vez, conforme estimativa da EPTC.
Segundo dados repassados pela empresa pública à reportagem, os ônibus com idade mais avançada são os dos consórcios Mais e Via Leste, que atendem principalmente a Zona Leste: 20% dos coletivos têm 13 anos ou mais e terão que sair de circulação em breve.
Um dos fatores que encarece o preço dos ônibus é a exigência de que todos os veículos novos tenham ar-condicionado. Durante a pandemia, o sistema de resfriamento não vem sendo ligado, para permitir a circulação do ar e diminuir o risco de contágio pelo coronavírus, o que vem sendo alvo de reclamações dos passageiros.
— Agora, no verão, é bem sofrido pegar ônibus, o pessoal passa um sufoco — diz o eletrotécnico Marivan Barbosa ao aguardar pelo transporte ao lado do Mercado Público.
— Exige muita paciência para esperar, já que o intervalo entre um ônibus e outro é enorme, e aceitar que vai passar calor, vai passar desconforto. Tinham prometido ônibus novos com ar-condicionado. Para mim, os ônibus são os de sempre. Se compraram novos, eu não vi — conta a auxiliar de limpeza desempregada Janaína Santana, que esperava para embarcar no Terminal Uruguai.
Vistorias mais frequentes
Quanto mais velhos ficam os ônibus, mais frequentes se tornam as vistorias obrigatórias. Os veículos de até três anos de idade precisam ser revisados a cada 180 dias. Já no caso de coletivos com mais de 10 anos, o período é encurtado para 60 dias.
A revisão é feita por funcionários das empresas e por agentes da EPTC. Na vistoria, são avaliados itens como suspensão, molas, freios, rodas e a estética do veículo.
Se nenhum defeito for encontrado, o ônibus recebe aval para seguir nas ruas. Em caso de problema relacionado à segurança, o veículo é retirado de operação e recebe prazo para regularizar a situação.
Aumentar prazo seria "empurrar com a barriga"
A última vez em que houve uma grande renovação da frota de ônibus em Porto Alegre foi em 2020, quando a Carris comprou 98 veículos zero-quilômetro. À época, os coletivos substituíram os que estavam circulando acima da idade-limite.
Segundo Flávio Tumelero, não há como aumentar ainda mais o prazo de validade dos ônibus da Capital neste momento. Seria como "empurrar com a barriga", diz o gerente da EPTC, porque será necessário renovar o sistema em algum momento.
Já as empresas aguardam pela definição do cálculo do novo valor da passagem, que é feito pela EPTC, para saber se será possível comprar novos veículos. Para Antônio Lovatto, da ATP, "tudo depende de quanto será a tarifa técnica".
— Se não sair como a gente espera, vamos tentar buscar solução com o governo — diz.
Hoje a passagem custa R$ 4,80 na Capital, e a EPTC já está trabalhando na atualização da planilha que compõe a tarifa. Segundo o colunista Jocimar Farina, de GZH, pelos dados enviados pelas empresas, o valor deveria ter reajuste de 38,5% (passando para R$ 6,65).
O preço final, contudo, ainda não foi definido — a prefeitura pode inclusive subsidiar uma parte da passagem, como ocorreu em 2021.