Já inserido em um contexto econômico desfavorável antes da pandemia, o sistema de transporte público de Porto Alegre deu novos sinais de desgaste na última semana. A Trevo, uma das empresas concessionárias, deixou dezenas de ônibus parados na garagem alegando falta de recursos para compra de óleo diesel. Cinco linhas passaram para a Carris, a mesma empresa pública que anunciou, pela primeira vez em sua história, o parcelamento de salário dos funcionários.
Enquanto isso, o prefeito Sebastião Melo manifesta preocupação, mas adota medidas pouco efetivas a curto prazo para solucionar o problema. Após decretar tarifa de R$ 4,80, 40 centavos abaixo do calculado pelo Conselho Municipal de Transportes Urbanos, o prefeito enviou um pacote à Câmara Municipal para diminuir gratuidades e dar início à extinção gradual dos cobradores. Simultaneamente, apela aos governos estadual e federal por redução de impostos e pede revisão no cálculo da tarifa ao Tribunal de Contas do Estado.
Na opinião de especialistas e gestores consultados por GZH, é cedo para prever um colapso no serviço, mas as últimas manchetes são sinais claros de que o sistema precisa urgentemente buscar receitas de fora para se tornar sustentável. É uma das análises que o secretário de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia, faz diante do parcelamento de salários da Carris.
— Não foi uma situação que piorou. Os salários estão sendo parcelados porque o recurso que cobria o déficit não está mais sendo aportado. A solução não pode ser gastarmos para sempre R$ 6 milhões ao mês em vez de resolver o problema que causa o déficit, seja buscando receitas, seja cortando despesas — declara o secretário.
Conforme Luis Antonio Lindau, PhD em transporte e diretor do programa de cidades do instituto WRI Brasil, a recuperação do sistema público de transporte precisa vir em três momentos: salvar, renovar e prosperar. Uma discussão que metrópoles europeias já fizeram há 50 anos. Porto Alegre se mexe para fazer o primeiro passo, mas tropeça:
— Acredito que o prefeito fez certo ao enviar um projeto à Câmara que diminui os custos do sistema. Mas é curioso que no mesmo pacote ele envie outro projeto que diminui a receita da prefeitura em R$ 50 milhões anuais, como é o caso do IPTU. Com problemas dessa gravidade no transporte, não me parece aconselhável abdicar de recursos.
Na opinião do especialista, o limite para qualquer medida para o transporte é claro: ela não pode afetar a oferta do serviço que já é prestado. Daí a gravidade de casos como a paralisação da empresa Trevo.
— Há um contingente entre 200 mil e 250 mil pessoas que depende exclusivamente do ônibus para se locomover em Porto Alegre. Em hipótese alguma elas podem ser afetadas, porque não dar transporte a elas corta diretamente a chance delas de vencer na vida — declara Lindau.
Fundos
Na prefeitura, a busca por dinheiro novo para o sistema vem sendo feita, por enquanto, à base do chamado subsídio cruzado.
A ideia é que qualquer recurso que a prefeitura destine ao transporte já tenha uma finalidade específica. As passagens para estudantes do Ensino Fundamental, por exemplo, deverão ser bancadas com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Melo também pleiteia recursos do Fundo Nacional do Idoso para custear a gratuidade acima de 65 anos, mas isso passa pela boa vontade do governo federal.
Estacionamentos pagos e taxação de aplicativos são alvos de discussão
Outra fonte que em breve pode injetar recursos no sistema é o dos estacionamentos em Porto Alegre. Hoje, é considerado ínfimo o volume de recursos que retorna à prefeitura por meio da Zona Azul – apenas 37% do arrecadado, e com parte carimbada para financiar projetos de educação no trânsito.
A ideia em discussão é multiplicar as áreas de estacionamento pago conforme o fluxo de veículos. Em Lisboa (Portugal), por exemplo, há sete precificações diferentes para estacionamento, conforme o impacto viário. No mundo ideal, Porto Alegre teria todas as suas áreas públicas de estacionamento cobradas ao menos em bairros centrais, com valor mínimo equivalente a uma passagem de ônibus por dia.
Embora o prefeito Sebastião Melo já tenha rechaçado essa hipótese, outra fonte de recurso é a taxação dos aplicativos de transporte individual de passageiros. Algo elementar, na opinião do professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do RS (UFRGS) Rafael Mafini.
— Embora os aplicativos tenham caído no gosto da classe média, essa tecnologia não pode ser importada no Brasil pela metade. Em todas as metrópoles em que as empresas se inseriram, com o tempo elas passaram a ser regulamentadas, tributadas ou banidas. O custo de uma tarifa de aplicativo muito barata é o sucateamento do transporte público. Está mais do que na hora de os aplicativos tomarem esse pênalti — aponta o professor.
Com novas fontes de recursos, a prefeitura poderia enfim dar início ao segundo passo, que seria a renovação do transporte.
— Para isso, é preciso estabilizar o número de passageiros e obter receitas e fontes de financiamento. Não é razoável pensar em renovação de frota na situação em que as empresas estão hoje, depois de uma perda tão drástica de usuários — opina o secretário Záchia.
Pós-pandemia
É vontade, tanto da prefeitura quanto das empresas concessionárias, que, no pós-pandemia, o sistema de transporte público opere com ônibus menores, mais econômicos, melhor integrados e sob demanda.
Em 2019, antes de a pandemia se atravessar nos planos de todas as metrópoles, a integração ganhou um parceiro inusitado: em cidades-teste norte-americanas, a Uber firmou parceria com o aplicativo Moovit para mostrar as opções de integração com o transporte público aos seus usuários. Sinal de que aliados para salvar o transporte público podem vir de onde menos se espera.