Em todas as regiões do Brasil, nos últimos anos o sistema de transporte público de ônibus aumenta tarifas, perde passageiros e se aproxima de um possível colapso. Mas há quem siga na contramão dessa tendência.
Uma cidade da região metropolitana de Curitiba (PR) mantém uma rota diferente: desde 2018, promoveu cinco reduções no valor da passagem até chegar ao equivalente a 40% do preço cobrado em Porto Alegre, ampliou a oferta de veículos, melhorou a qualidade do serviço e registra expansão na quantidade de usuários pagantes. Ao mesmo tempo, baixou o valor do subsídio municipal destinado ao sistema e aumentou a oferta de isenções a passageiros.
O exemplo de Araucária, município de 146 mil moradores, vem chamando atenção de especialistas e gestores na área de transporte. O motivo do interesse é simples: os paranaenses conseguiram frear a decadência de seu transporte público reduzindo o preço do bilhete e, ao mesmo tempo, o aporte de recursos públicos. A receita adotada combina revisão de contratos com prestadores de serviço, aumento do controle público sobre as planilhas de gastos das empresas, crescimento da qualidade do serviço e um subsídio que ajuda a sustentar o sistema, mas sem extrapolar as possibilidades do Tesouro.
Um levantamento do Portal Mobilize indica que, atualmente, pelo menos 30 cidades brasileiras já adotam tarifa zero por meio de financiamento público. Um dos pontos que diferencia os paranaenses é terem conseguido baixar, ao mesmo tempo, o valor do bilhete e o montante de recursos estatais direcionados ao setor.
Uma das primeiras medidas da gestão que assumiu a prefeitura em 2017 foi reduzir custos. Suspendeu contratos com empresas terceirizadas a fim de frear despesas consideradas muito altas. Assim, um contrato de R$ 459 mil para vigilância e outro de R$ 359 mil ao mês para limpeza de estações foram substituídos por outros, com valores de R$ 85 mil e R$ 71 mil, respectivamente. Linhas deficitárias foram eliminadas e adaptadas a rotas mais sustentáveis economicamente. O ajuste de uma única linha, por exemplo, gerou uma economia de R$ 150 mil mensais. Não há cobradores: o sistema usa bilhetagem eletrônica e, nos pagamentos em dinheiro, o próprio motorista coleta o valor.
Outra frente foi tomar para o poder público a tarefa de elaborar as planilhas de gastos das empresas de transporte, que eram feitas pelos próprios prestadores e são utilizadas como referência no cálculo das passagens (em Porto Alegre, esse trabalho é feito pela EPTC). Foram revistos valores considerados excessivos, e o município atualiza mensalmente essas estimativas para manter um controle rígido sobre o custo de todo o sistema.
— A adequação das planilhas, cotejando as despesas com o que estava previsto no edital de licitação e o que é estabelecido na concessão, já levou a mais uma redução significativa (no valor do bilhete) — afirma o secretário municipal de Planejamento de Araucária, Samuel Almeida da Silva, que responde pela área de transporte.
Além disso, todo o sistema foi novamente licitado. Em vez de contar com uma empresa única, como antes, as linhas foram separadas em três lotes diferentes. As novas regras previstas no edital reduziram o valor pago pela prefeitura por quilômetro rodado de R$ 8,38 para cerca de R$ 7.
Ao reduzir o número de linhas operadas por cada empresa, você facilita o investimento por parte da iniciativa privada. Aumenta o número de interessados em participar da concorrência e a competição entre os prestadores do serviço
SAMUEL ALMEIDA DA SILVA
Secretário municipal de Planejamento de Araucária
— Ao reduzir o número de linhas operadas por cada empresa, você facilita o investimento por parte da iniciativa privada. Aumenta o número de interessados em participar da concorrência e a competição entre os prestadores do serviço — complementa Silva.
Como resultado dessa mudança de formato, o número de veículos em operação subiu de 86 para 95, o que ajudou a reduzir o tempo de espera entre viagens. Também foi implantada internet sem fio nos ônibus, e ninguém paga passagem aos domingos – estudantes de escolas públicas, pessoas em vulnerabilidade social, idosos, agentes comunitários de saúde e pais de estudantes que precisam levar os filhos ao colégio viajam de graça em qualquer dia da semana.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Tarifa passou de R$ 4,25 para R$ 1,95
As ações de corte de custos e reforma da rede de transporte levaram a uma progressiva redução no valor do bilhete de R$ 4,25 para R$ 1,95 agora. Antes do corte mais recente, determinado neste mês, o preço estava em R$ 2,20. A combinação entre todas essas iniciativas reverteu perdas anuais de 10% no volume de usuários e levou a um aumento de 46% na média diária de passageiros pagantes ao longo dos últimos três anos.
Para manter a passagem acessível, a cidade manteve o subsídio público ao sistema – mas também foi possível reduzir o montante oferecido às empresas. A verba anual era de R$ 46 milhões em 2016 (último ano da gestão anterior), caiu para R$ 25 milhões em 2019, mas voltou a subir para R$ 34 milhões no ano passado em razão das dificuldades impostas ao setor pela pandemia (o equivalente a 2,6% do orçamento anual de R$ 1,3 bilhão da cidade). Ainda assim, é menos do que era aplicado quatro anos antes.
A Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) de Porto Alegre estima que, se um subsídio equivalente ao dos paranaenses (para 2020) fosse aplicado na Capital, mantidas as proporções entre as cidades, seria necessário injetar cerca de R$ 300 milhões ao ano.
- Um subsídio desses reduziria a nossa passagem para R$ 2,60. Com as mudanças já aprovadas, como a extinção dos cobradores e a privatização da Carris, a tarifa também ficaria abaixo de R$ 2 - estima o engenheiro de transporte da ATP Antônio Augusto Lovatto.
Hoje, a dimensão dos aportes públicos varia bastante entre as capitais brasileiras. Porto Alegre aplicou R$ 18 milhões neste ano em razão da pandemia, conforme a EPTC, enquanto Curitiba destina mais de R$ 100 milhões anuais, e São Paulo, acima de R$ 3 bilhões. Outras localidades, como Goiânia, não oferecem auxílio.
A mudança nos paradigmas em Araucária enfrentou resistências como ações judiciais das empresas contra as revisões feitas nas planilhas de custos e dificuldades para destravar as licitações baseadas em um novo modelo de transporte.
— As duas primeiras tentativas de licitação não tiveram interessados. Mas fizemos ajustes e, na terceira tentativa, conseguimos as propostas — afirma o secretário de Planejamento.
As reformas no modelo de transporte ajudaram o prefeito Hissam Hussein Dehaini (Cidadania) a ser o primeiro reeleito na história do município paranaense. Ele garantiu um segundo mandato com 68% dos votos.
As reduções no preço da passagem
- Até 2018 - R$ 4,25
- Janeiro de 2018 - R$ 2,90
- Abril de 2019 - R$ 2,65
- Novembro de 2019 - R$ 2,40
- Janeiro de 2021 - R$ 2,20
- Setembro de 2021 - R$ 1,95