Dos 36 vereadores da Câmara Municipal, 31 admitiram a abertura de um processo de impeachment do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, em razão de gastos de R$ 3,1 milhão em publicidade em saúde durante a pandemia da covid-19. O valor corresponde a 52% dos R$ 5,9 milhões orçados para publicidade em saúde neste ano previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, anteriormente aprovada pelos vereadores.
Para os que requereram o impeachment à Câmara, o valor seria um desvio da utilidade do Fundo Municipal de Saúde. Porém, o fundo aparece como órgão executor não só desse gasto, mas da maior parte do R$ 1,8 bilhão orçado em saúde para 2020. Isso também é previsto na LOA de 2020.
GaúchaZH teve acesso às peças publicitárias veiculadas pelo governo Marchezan em saúde ao longo de 2020, e elas são divididas em três grupos.
O primeiro é composto de materiais dedicados inteiramente a práticas de prevenção ao coronavírus. São cartazes, panfletos, animações e áudios que ensinam a lavar as mãos, usar álcool gel, manter ambientes arejados, cobrir a boca com o braço ao tossir, não compartilhar objetos de uso pessoal e, havendo sintomas, procurar um posto de saúde. Feito ainda no começo da pandemia, o material ainda não mencionava o uso de máscaras, por exemplo. O material foi voltado a distribuição em redes sociais e exibição em postos de saúde.
O segundo grupo diz respeito à campanha de TV de aniversário de Porto Alegre, veiculada em emissoras locais entre 24 e 30 de março. Se trata de um comercial de 30 segundos com paisagens da cidade vazia com uma locução: “Nessa semana, Porto Alegre está de aniversário. Obrigado por não visitar a aniversariante. Fique em casa. E vamos comemorar muitos anos de vida.” Ao final, um texto orienta: “Dúvidas: ligue 156 (opção 6) prefeitura.poa.br/coronavirus”.
Em cumprimento à Lei 12.302/2017, o gasto da prefeitura nas campanhas de TV consta em letras miúdas nos próprios anúncios. Esta, por exemplo, informa que somadas as 79 inserções em sete emissoras, o município gastou R$ 500.175,84.
O terceiro grupo, o mais amplo deles, diz respeito à campanha intitulada “Aqui tem”. São anúncios veiculados em TV, mídia impressa, rádio, sites, redes sociais e espaços de mídia exterior, como painéis de LED e monitores em estabelecimentos comerciais e no transporte público.
As campanhas seguem a mesma lógica em diferentes mídias: ora propagam medidas de prevenção ao coronavírus, ora exaltam realizações da prefeitura no combate à pandemia. Um dos comerciais de 30 segundos, por exemplo, fala que Porto Alegre tem “uso de máscara, mão lavada e evitar o vai e vem”, em seguida, diz “tem mais leitos, hospital, tem cuidados que faz bem”.
Aparecem na tela, então, realizações como 200 novos leitos, programas de proteção social, tendas de atendimento e a nova ala do Hospital Independência. Em seguida, retornam as orientações à população como seguir os hábitos de higiene, doar agasalhos, vacinar-se contra a gripe e manter o distanciamento. Esse comercial foi veiculado 95 vezes em cinco emissoras entre 18 e 25 de junho, a um custo de R$ 901.117,08.
Os anúncios em jornal seguem a mesma lógica: em uma das páginas há um rapaz de máscara com os dizeres: “Aqui tem responsabilidade: usando máscara você ajuda a evitar o contágio.” Na outra, a foto de um leito hospitalar com o texto “Aqui também: + 200 novos leitos para atender os casos mais graves de COVID”. No rodapé das páginas, a primeira traz medidas de prevenção, a segunda, realizações da prefeitura.
No total, a campanha custou R$ 2,8 milhões à prefeitura por 2.179 inserções em diferentes mídias: R$ 1,6 milhão por 134 comerciais de TV, R$ 641,6 mil por 1.960 comerciais ou citações em programas de rádio, R$ 337,9 mil por oito anúncios em páginas de cinco jornais locais, R$ 178,7 mil por 18 inserções em diferentes veículos digitais e R$ 79,8 mil por 59 anúncios em mídias externas.
Todos esses gastos se referem à veiculação das peças em diferentes veículos. Além desses, a prefeitura contabiliza o gasto da criação das peças, que foi de R$ 284,2 mil. Além dos R$ 3,1 milhões de recursos da secretaria municipal de Saúde, as campanhas contaram ainda com aporte de R$ 843,5 mil da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte.
No documento que requer o impeachment de Marchezan, os autores – duas empresárias, um engenheiro e uma mulher que não informou a profissão – argumentam que “em um ambiente de pandemia global, todos os recursos públicos deveriam ser canalizados em prol da Saúde da população de Porto Alegre”. O secretário municipal de Saúde, Pablo Stürmer, classifica o argumento como “absurdo”:
– Primeiramente porque não houve uma pessoa sequer que tenha sido vítima da covid-19 em Porto Alegre por falta de recursos. Segundo, porque despreza que a publicidade é uma parte importante do combate à pandemia, especialmente por se tratar de uma doença nova, que exige mudanças no cotidiano das pessoas. A própria Organização Mundial da Saúde estipula, como um dos seis critérios para flexibilização do distanciamento social, a população estar bem informada sobre medidas de prevenção.
Marchezan foi notificado formalmente na terça-feira (11) sobre o processo de impeachment. A partir disso, ele tem o prazo de 10 dias para a apresentação de defesa prévia por escrito, além de ter a possibilidade de indicar 10 testemunhas. Vencido o prazo, a comissão de três vereadores que analisa o caso terá cinco dias para apresentar um parecer orientando pelo arquivamento ou prosseguimento da denúncia, que precisará ser analisado em plenário.