Mesmo tendo sido notificado no dia 11 sobre a abertura do processo de impeachment na Câmara Municipal, somente a partir desta segunda-feira (17), o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, passou a se inteirar da sua defesa, que precisa ser entregue até sexta-feira (21).
Apesar dos apelos da equipe, preferiu dedicar os últimos dias aos ajustes nos decretos no combate à pandemia do coronavírus e às cerimônias de entregas da atual administração que, por força da lei eleitoral, só podiam contar com a presença do prefeito em pessoa até a última sexta-feira (14).
A peça do impeachment, avalizada por 31 dos 36 vereadores, questiona R$ 3,1 milhões gastos pela prefeitura em publicidade em saúde. No entendimento dos signatários do documento, seria um desvio de finalidade do Fundo Municipal de Saúde. O governo argumenta que a fonte do recurso é a mesma para todos os gastos de saúde, e que está previsto na Lei Orçamentária Anual de 2020.
Embora o prefeito não fale abertamente no assunto, a convicção nos gabinetes do Paço Municipal é de que o rompimento com a Câmara teve como estopim a composição da chapa à reeleição. Quando o prefeito se sentiu satisfeito em termos de tempo de TV e fundo eleitoral em uma chapa com PSDB, PSL e PL, vereadores de outros partidos se sentiram livres para se aproximar de outros pré-candidatos e para votar contra o governo. O impeachment passaria a ser tanto uma forma de tirá-lo da disputa quanto de retribuir, na opinião dos rivais, quatro anos de afastamento do Executivo em relação ao Legislativo.
Na Câmara, outro ponto de ruptura apontado é o prefeito ter ignorado as mais de 800 emendas que os vereadores haviam feito ao orçamento da cidade. O orçamento impositivo, aprovado em agosto de 2019, permitiria que cada vereador reservasse cerca de R$ 1 milhão do município em investimentos de livre escolha. Em meio à pandemia, Marchezan rejeitou as emendas.
Em conversa com GaúchaZH, o prefeito avalia o seu futuro político, mas ressalta que não mudará seu perfil mesmo que isso lhe custe o cargo.
Confira a entrevista
Já faz alguns dias da notificação do processo de impeachment e pessoas próximas ao senhor ainda se dizem às escuras sobre qual é a sua estratégia de defesa. Existe uma?
As pessoas da minha equipe estão mais angustiadas do que eu. Estou um pouco triste, talvez. Nem sei se triste. Surpreso, um pouco. Mas como tem a questão do coronavírus para me preocupar e a questão das entregas do período eleitoral, acabei focando nisso. Então, tu não achaste uma estratégia porque não tinha ninguém mesmo focado nisso. Ainda não avançamos muito, não.
E quais serão os argumentos em sua defesa?
O que tenho a apresentar são dados e fatos. Se depararmos com algo que possa ser ainda melhor esclarecido, faremos. Mas é aquilo: os gastos questionados estão todos no orçamento de 2020 que foi aprovado pela Câmara.
Na sessão que abriu o processo de impeachment surgiram brechas para ao menos adiar a votação, se o governo tivesse interesse. Mas ficou a impressão de que não houve esforço do governo naquela sessão. A abertura do processo era inevitável?
Quando 31 vereadores votam pela mesma coisa, é porque estava combinado antes. Nessa situação, não há estratégia que resolva. Não havia nada que Mauro Pinheiro (líder do governo) e Ramiro Rosário (vereador do PSDB e ex-secretário) pudessem fazer.
Partidos que nunca haviam se posicionado contra o governo, como o PTB, votaram dessa vez. Por quê?
Não tem um motivo, um fato que possa te apresentar. Aqui, tudo é interpretação. A mais simples é de que os partidos têm candidatos e há um processo eleitoral ao mesmo tempo.
E como o senhor pretende articular uma campanha tão isolada dos candidatos a vereador?
Não seria muito diferente da campanha passada. Na ocasião, tínhamos o PP, que havia eleito três vereadores (em 2012). Desta vez, temos os mesmos três vereadores com PSDB, PSL e PL e um governo para defender. E são legendas que estão abertas a novas lideranças.
Em caso de reeleição, isso não compromete a governabilidade? Dá para começar um segundo governo depois de tantos rompimentos com o Legislativo?
Bom, aí é um novo cenário. Com novas pessoas. Vamos ver quem se elege primeiro.
O senhor acredita que pesou, para a abertura do processo, não ter executado as emendas do orçamento impositivo?
Provavelmente. Mas a gente ainda está brigando para que essas emendas sejam declaradas inconstitucionais. Se for comparar, esses cerca de R$ 40 milhões que os vereadores queriam em emendas são superiores a programas importantes do governo. Não é o tipo de legado que eu queria deixar para a cidade.
Viralizou o vídeo de uma entrevista em que o senhor devolve as acusações da vereadora Mônica Leal (PP) com uma série de outras. É aquele tom que o processo de impeachment terá daqui pra frente?
Me passei um pouco. Mas é que tenho muitos defeitos e aceito ser chamado de todos eles. Mas eu não sou "vigarista", não sou "corrupto" e essa pecha me incomoda. Se me chamarem disso, não aceito e não vou deixar barato isso colar em mim.
Desde a votação do impeachment aumentou o número de CCs exonerados. Isso não acentua o clima de guerra com os vereadores?
Um bom número deles saiu para concorrer ou fazer campanha. O resto ou não estava desempenhando bem ou os partidos vão ter de fazer essas trocas depois de me tirar do cargo. Não tem como fazer uma gestão quando há pessoas em locais-chave que querem derrubar o governo. Em ano eleitoral, não querem fazer campanha, querem fazer impeachment. Não é muito coerente.
Se o impeachment for a plenário, serão necessários 24 votos para aprová-lo. Como o senhor pretende evitar que os rivais somem esses votos?
Olha, a minha campanha não foi a qualquer custo, e me manter prefeito não será a qualquer custo. Se tiver de fazer o que faziam nos governos anteriores para que não tenha impeachment, não tenho vontade de ficar. Só estou aqui porque quero fazer diferente. Se isso custar meu mandato, vou pagar o preço para manter os meus princípios e os meus valores.