Na tarde de segunda-feira (22), dia seguinte à publicação de decreto que limitou o funcionamento de atividades econômicas em Porto Alegre, o prefeito Nelson Marchezan reuniu-se, no salão nobre do Paço Municipal, com seus assessores do comitê de enfrentamento ao coronavírus. Pela janela do cômodo ao lado, onde fica seu gabinete, apontou para o intenso vaivém de pessoas no entorno do Mercado Público.
– Não está funcionando – disse, referindo-se às recomendações de que a população respeite o distanciamento social.
Ali, Marchezan, apoiado pelo secretário municipal de Saúde, Pablo Stürmer, decidiu que endureceria medidas para restringir atividades até então liberadas na Capital. Os termos do decreto, publicado na madrugada desta terça-feira (23), só seriam definidos à noite. O prefeito antecipou, contudo, que reeditaria normas estabelecidas na cidade entre o final de março e o início de abril, quando apenas atividades essenciais foram mantidas em funcionamento.
Naquele momento, a Capital batia mais um recorde de internações por coronavírus em UTIs. Havia 102 pacientes hospitalizados, um aumento de 10% em relação à marca mais alta anterior, no domingo (21). Os índices de circulação de pessoas, ilustrados pela vista do Paço Municipal, também não eram animadores. Monitoradas por empresas de telefonia e uma companhia de aplicativos, as taxas estavam semelhantes às de sexta-feira (19), às vésperas do anúncio das últimas restrições.
– Pensávamos que o decreto de domingo seria um alerta e diminuiria o número de pessoas nas ruas, mas não foi o que aconteceu – disse Bruno Miragem, secretário de enfrentamento ao coronavírus na Capital.
As regras publicadas no domingo, que, entre outras medidas, restringiam o atendimento ao público em restaurante até as 17h, vinham sendo discutidas desde a semana passada nos gabinetes da prefeitura. Até mesmo a suspensão do comércio, da indústria e da construção civil havia sido discutida, mas em sigilo. Por isso, o anúncio, na noite de segunda-feira, surpreendeu empresários e moradores.
"A velocidade do crescimento exponencial da demanda por leitos de UTI, que é a característica mais perigosa dessa pandemia, é o que nos leva a voltar a patamares ainda mais restritivos", argumentou Marchezan, pelo Twitter.
Essa sequência de decretos – em pouco mais de 48 horas, foram três normativas distintas, uma estadual e duas municipais – que culminou com as restrições radicais, causou incertezas para os porto-alegrenses. Muitos despertaram nesta terça-feira sem saber se podiam abrir ou se tinham de fechar seus negócios.
Incertezas tiveram início com anúncio da bandeira vermelha
A angústia se arrasta desde o final da tarde de sábado (20), quando o governador Eduardo Leite anunciou que a região da Capital seria empurrada para a bandeira vermelha no modelo de distanciamento controlado. Pela classificação, setores como restaurantes, shoppings, academias e cabeleireiros tinham de suspender suas atividades.
Duas horas após o comunicado de Leite, Marchezan foi para o Twitter alertar para uma nova rodada de restrições na cidade, que tinham inconsistências em relação às do governo do Estado. A semana começou com relatos de comerciantes e empresários perplexos, sem saber a quem obedecer.
Até que, às 18h de segunda-feira, os dois surgiram juntos em uma transmissão ao vivo pelas redes sociais. Leite comunicou mudanças em protocolos da bandeira vermelha, enquanto Marchezan disse que fecharia, mais uma vez, as atividades que não são consideradas essenciais.
Surpreendidas, lideranças de entidades comerciais demonstraram indignação. Isso porque as novas regras recolocam a Capital no cenário de paralisação experimentado entre o final de março e o início de abril, justo no momento em que parte dos negócios emitia sinais de que o pior da crise havia passado.
– Estamos chegando a um ponto muito difícil de continuidade dos nossos negócios – protestou o presidente do Sindilojas Porto Alegre, Paulo Kruse.
Proprietários de bares e restaurantes, reestruturados para o atendimento presencial, disseram-se inconformados e alguns alertaram para a possibilidade de terem de descartar comida. Segundo a presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Estado, Maria Fernanda Tartoni, essa era a medida mais temida pelos empresários:
– Estávamos tomando todos os cuidados para manter os nossos clientes em segurança e, mesmo assim, estamos proibidos de fazer o atendimento. É bastante complicado, pois nem todos conseguirão sobreviver com delivery e take away (pegue e leve).
No Centro, uma parcela do comércio nem abriu as portas antes mesmo do início da vigência do decreto. Aqueles que decidiram trabalhar contaram que poucos clientes apareceram. Para Márcia do Espírito Santo, proprietária de uma joalheria na Galeria do Rosário, as pessoas deduziram que estava tudo fechado.
— No momento em que ocorreu a flexibilização e tudo começou a abrir, o entendimento foi de que o vírus não estava mais aí e as pessoas foram relaxando – disse Márcia, culpando o retrocesso pela falta de empatia da população.
Ao final do dia, na prefeitura, a sensação era que a circulação de pessoas pelas ruas havia sido freada. A ocupação das UTIs por pacientes de covid-19, no entanto, seguia em alta – às 17h, havia 111 pacientes, um novo recorde.
* Colaborou Jéssica Weber