Uma sucessão de três decretos, um estadual e dois municipais, em pouco mais de 48 horas causou incertezas para comerciantes e empresários porto-alegrenses. Muitos deles despertaram, nesta terça-feira (23), sem saber se podiam abrir ou se tinham de fechar seus negócios.
A angústia se arrasta desde o final da tarde de sábado (20), quando o governador Eduardo Leite anunciou, pelas redes sociais, que a região da Capital seria empurrada para a bandeira vermelha no modelo de distanciamento controlado. Pela classificação, setores em funcionamento na cidade, como restaurantes, shoppings, academias e cabeleireiros, deveriam suspender suas atividades.
Duas horas após o comunicado de Leite, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, foi para o Twitter alertar para uma nova rodada de restrições na cidade. Marchezan informou, entre outras medidas, que, a partir de segunda-feira (22), restaurantes teriam de fechar suas portas às 17h e que pequenos comércios ficariam impedidos de abrir. As normativas, contudo, tinham inconsistências em relação às de Leite.
A semana começou com relatos de comerciantes e empresários perplexos, sem saber se obedeciam ao governador ou ao prefeito. Até que, às 18h, com quatro horas de atraso, Leite e Marchezan surgiram juntos em uma transmissão pelas redes sociais. Pela live, o governador anunciou mudanças nos protocolos da bandeira vermelha, enquanto o prefeito disse que fecharia, mais uma vez, as atividades que não são consideradas essenciais.
– Muito ruim. Tentamos de todas as formas (conter o avanço do vírus) nas últimas duas semanas. Mas as projeções não alteraram, a circulação não diminuiu. Não correrei o risco – disse Marchezan.
O decreto foi publicado ainda na madrugada, suspendendo comércio, construção civil, indústria, bares, restaurantes e shoppings. O prefeito manifestou-se pelo Twitter, no final da manhã desta terça-feira, argumentando que "a velocidade do crescimento exponencial da demanda por leitos de UTI, que é a característica mais perigosa dessa pandemia, é o que nos leva a voltar a patamares ainda mais restritivos".
– Estamos chegando a um ponto muito difícil de continuidade dos nossos negócios. Entendemos o problema do vírus, mas não temos como administrar nossos negócios com dois meses parados, depois, trabalhando 20 dias e parando novamente, sem perspectiva – protestou o presidente do Sindilojas Porto Alegre, Paulo Kruse.
Pegos de surpresa, dirigentes de entidades mostraram-se indignados. As regras, em resumo, reeditam o cenário de paralisação das atividades econômicas experimentado entre o final de março e o início de abril na tentativa de conter a disseminação do coronavírus.
– Não posso deixar de manifestar minha enorme preocupação sobre os efeitos na economia desse novo decreto. Não estou falando de algo que vai acontecer, mas que já está acontecendo. O número de empresas que estão fechando e o nível de desemprego que está aumentando drasticamente já é uma realidade – afirmou o vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre, Írio Piva.
Proprietários de bares e restaurantes, que haviam se reestruturado para o atendimento presencial, disseram-se inconformados, e alguns comentaram o receio de ter de jogar comida fora. Segundo a presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Estado, Maria Fernanda Tartoni, mais um fechamento era a medida mais temida pelos empresários:
– Estávamos tomando todos os cuidados para manter os nossos clientes em segurança e, mesmo assim, estamos proibidos de fazer o atendimento. É bastante complicado, pois nem todos conseguirão sobreviver com delivery e take away.
Nas academias, donos de empreendimentos preveem a interrupção dos serviços. Para a maioria das unidades, o atendimento é inviabilizado pelas regras do decreto, que libera apenas aulas individualizadas.
– O vírus está aí? Está. A saúde é importante? É. Assim como a economia, que tem de caminhar junto. Minha academia nunca esteve tão limpa. O problema não está aqui – lamentou Heleno Cavalheiro, proprietário da Master Fitness Center, no bairro Menino Deus.
* Colaboraram Amanda Caselli, Bibiana Dihl e Tiago Boff