Depois de retirar o Carnaval de blocos das vias internas da Cidade Baixa, a prefeitura de Porto Alegre deu mais um passo na tentativa de pôr fim às aglomerações no bairro boêmio. Nesta semana, o poder público divulgou nota proibindo a realização de eventos ao ar livre no miolo do quadrilátero formado pela Rua João Alfredo e pelas avenidas João Pessoa, Loureiro da Silva e Venâncio Aires. A decisão veio dias antes do Saint Patrick's Day, cujas celebrações previstas até o fim de março podem levar às ruas até 10 mil pessoas, conforme estimativas da própria prefeitura.
Segundo o texto, a decisão atende a "solicitações dos moradores e comerciantes, além das recomendações da Guarda Municipal e da Brigada Militar". Depois do fim do mês, conforme a nota, técnicos deverão se reunir novamente para avaliar a necessidade de estender ou não a restrição.
– Foi uma decisão conjunta, por prudência. Essa é uma área que tem enfrentado problemas delicados com multidões que vão para ficar na volta, causar tumulto. Os eventos precisam ter preparo para lidar com o menor impacto possível no dia a dia das pessoas – disse o secretário interino de Desenvolvimento Econômico, Leandro Balardin.
Somente neste ano, o escritório de eventos da prefeitura recebeu 35 solicitações de atividades relativas ao Saint Patrick's Day, efeméride irlandesa que celebra São Patrício, padroeiro do país, com festas na rua – na Capital, ficou popular nos últimos anos, com festas organizadas por pubs e bares.
O número é mais que o triplo dos 11 eventos realizados em 2019. Dos 35 pedidos, 12 tinham a intenção de ocupar vias da Cidade Baixa. Sete deles foram indeferidos e três foram cancelados pelos proponentes depois da determinação da prefeitura. Dois deles, previstos para ocorrerem fora dos limites da proibição, seguem tramitando.
Se a decisão da prefeitura pegou de surpresa organizadores do eventos, entre parte dos moradores, apenas seguiu o curso natural de conversas que vêm sendo realizadas há meses entre as quatro associações de moradores do bairro, prefeitura, Brigada Militar e Ministério Público.
– As associações estão em um grande grupo de WhatsApp que envolve vários bairros, inclusive o Moinhos (de Vento, onde o Saint Patrick's é realizado na Rua Padre Chagas). Sempre foi colocado por eles os problemas que esse evento causou, então acatamos o que foi sugerido. Não somos contra os eventos, mas contra a falta de bom senso e de respeito das pessoas – disse a presidente interina da Associação de Moradores da Cidade Baixa, Ângela Farias.
Para a presidente da Associação dos Amigos da Cidade Baixa, Roberta Rosito Corrêa, a medida, embora encarada como "necessária", não resolve os conflitos recorrentes no bairro:
– Proibir os eventos não resolve o problema. O ideal seria criar algum tipo de bloqueio. Não quero passar uma ideia seletiva, mas tem que separar quem vem pra festa e quem vem para se aproveitar do evento.
Padre Chagas liberada
Após o Carnaval, quando os policiais utilizaram bombas de efeito moral para dispersar parte do público que seguiu no local depois da programação oficial e se envolveu em confusão, houve reunião entre a Brigada Militar e representantes dos moradores. A conversa resultou em um relatório no qual a BM recomendou ao poder público o fim daquela festa no interior do bairro. Não fazia menção ao Saint Patrick's.
– Recomendamos que o Carnaval do ano que vem fosse apartado na Cidade Baixa, porque o espaço físico não comporta e faz com que a segurança pública não consiga atuar com maior controle. Aglomeração facilita pequenos crimes, e fica difícil da BM agir – disse o comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), Luciano Moritz.
Para além dos eventos de grandes proporções, desde o ano passado, o batalhão realiza uma operação para conter a movimentação no bairro aos finais de semana. Há anos, a Cidade Baixa é palco de divergências entre moradores e frequentadores. Na avaliação do comandante do 9º BPM, os eventos "potencializam" os episódios ruins.
Historicamente, o maior foco de aglomeração na festa importada não é a Cidade Baixa, mas o Moinhos de Vento. É a Rua Padre Chagas que, nos últimos anos, tem recebido a maior concentração de pessoas para o Saint Patrick's Day.
Em razão de problemas semelhantes aos que afetam a Cidade Baixa, a Brigada Militar pediu que o evento fosse transferido para o Parque Moinhos de Vento, o Parcão.
Apesar disso, a prefeitura decidiu manter a comemoração na via, com acesso controlado: a rua será fechada, e o público deve ficar restrito a 3 mil pessoas – a expectativa extraoficial, no entanto, é de que 5 mil a 6 mil pessoas compareçam. A justificativa para a liberação é de que "o público irá até a Padre Chagas de qualquer maneira".
Ao que tudo indica, a restrição também não deve impedir a movimentação na Cidade Baixa. Um levantamento realizado por GaúchaZH mapeou 12 eventos, pelo menos dois deles em locais sem estrutura interna para acomodar o público, ou com atividades previstas para a calçada – procurados, os organizadores disseram que os eventos ficarão restritos aos estabelecimentos.
Segundo o secretário adjunto de Segurança, Solon Beresford, a proibição ficou limitada ao bairro boêmio porque ele passa por um "estado crônico de desordem e bloqueios de vias". Ele destacou que os eventos das próximas semanas serão fiscalizados pela Guarda Municipal e acompanhados pela Brigada Militar.
– Quando ocorre desordem, é dever da policia entrar com força – disse.