Enquanto sindicatos de profissionais da saúde e prefeitura de Porto Alegre discutem na Justiça do Trabalho a situação de cerca de 1,8 mil funcionários do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf), o modelo de concessão das unidades básicas de saúde a organizações civis avança em diferentes regiões da Capital.
Nesta quarta-feira (22), audiência de conciliação reunindo representantes da prefeitura, de quatro sindicatos da área da saúde (Sindisaúde, Simers, Sergs e Soergs), do Imesf e do Ministério Público do Trabalho terminou sem acordo.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha considerado, em setembro passado, inconstitucional a lei que criou o Imesf (o que levou a prefeitura a anunciar a sua extinção), sindicatos acionaram a Justiça para que funcionários não sejam demitidos até que a sentença tramite em julgado. Enquanto isso, contestam a política da prefeitura de distribuir avisos prévios aos profissionais das regiões onde as concessões avançam – a princípio, em caráter provisório: por 180 dias.
A estratégia da prefeitura tem sido a de emitir aviso prévio a todos os funcionários do Imesf de uma unidade básica de saúde quando ela está prestes a ter a gestão concedida a uma das quatro organizações civis de saúde parceiras do município: Divina Providência, Instituto de Cardiologia, Santa Casa e Vila Nova. Até aqui, sete unidades básicas de saúde operam nesse modelo. Até o final do mês, deverão ser 10.
Discussão
Nesse ponto, começam as divergências. A prefeitura argumenta que a emissão dos avisos prévios é a única forma de os funcionários do Imesf, se assim desejarem, demitirem-se para assumir postos nas próprias organizações. Por determinação da Justiça, não podem ser demitidos a não ser que tenham outra vaga já assegurada. Se o funcionário não desejar ser contratado pelas organizações, deve ignorar o aviso prévio, mas é transferido para outra unidade ainda gerida pelo Executivo.
Segundo o secretário adjunto de Saúde, Natan Katz, a transferência é imprescindível para a prefeitura poder cobrar resultados
— (As organizações) trabalham com metas de atendimentos e, para obtê-las, precisam ter independência para contratar e gerir equipes — avalia Katz.
A expansão do modelo vai ao encontro da estratégia do município de contratar “serviços, em vez de pessoas”, parafraseando o próprio prefeito Nelson Marchezan na apresentação do balanço financeiro de 2019, na terça-feira. A administração municipal gastou R$ 579,5 milhões em prestadores de serviço de saúde em 2019. O valor é 10,4% a mais do que o gasto em 2018. Em pronto-atendimento de saúde foram R$ 20,1 milhões, mais do que o dobro do investido em 2018 (R$ 9,9 milhões).
Sindicatos rebatem que, na prática, há substituição de servidor público por terceirizado. Isso violaria um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado pelo Executivo em 2007, determinando que as organizações podem oferecer serviços essenciais de saúde, mas apenas de forma complementar.
— Além disso, o aviso prévio pressiona o servidor a trocar o emprego por vaga temporária, de 180 dias. Ou isso, ou é constrangido a trabalhar longe da comunidade que atende há anos — diz Julio Cesar Jesien, presidente do Sindisaúde.
Os avisos prévios foram destinados a médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas e auxiliares de saúde bucal. Não incluem agentes comunitários de saúde, cargo que, por lei federal, tem de ser exercido por servidores municipais. Nessas posições, profissionais do Imesf seguem mesmo onde as organizações civis já operam.
Com a iminente extinção do instituto, o Executivo sancionou na terça-feira uma lei criando 864 cargos de agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Segundo a prefeitura, profissionais do Imesf deverão concorrer a essas vagas se assim desejarem. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, já foram emitidos 228 avisos prévios, e cerca de 30 profissionais foram reinseridos nas organizações.
Nas unidades, velocidade das consultas é elogiada
Em duas unidades de saúde que já foram concedidas a organizações civis, GaúchaZH ouviu elogios de pacientes pelo aumento da velocidade dos atendimentos.
— Precisei de restauração dental de emergência, na segunda-feira. Ouvi falar que esse posto estava com dentista atendendo na hora e vim consultar. Consegui, ontem fiz o raio x e hoje já estou aqui de novo para fazer a restauração — declara Cleyse Del Villar, 32 anos, moradora da região que consultou na Unidade de Saúde Farrapos.
Desde 7 de janeiro, a unidade é administrada pela Santa Casa. Segundo o gerente Marcelo Feltrin, são três equipes para atendimentos médicos e duas de saúde bucal. Elas se revezam para o atendimento das 7h às 19h, uma das obrigações do Programa Saúde na Hora, do governo federal, cujos recursos serviram de argumento para que a prefeitura pudesse efetuar a contratação das organizações civis em meio à determinação judicial pela extinção do Imesf.
As unidades destinam 70% dos atendimentos médicos a demandas espontâneas e 30% a consultas agendadas. Na saúde bucal, a equação se inverte: são 70% de consultas agendadas e 30% espontâneas, como o caso de Cleyse.
Na Farrapos, apenas agentes comunitários do Imesf continuam trabalhando, demais funcionários foram transferidos. Já na unidade Moab Caldas, no bairro Santa Tereza, dois profissionais optaram pela demissão do instituto e foram recontratados pelo Divina Providência, que gere a unidade desde 6 de janeiro.
Sem se identificar, um dos profissionais declara que pesou, para a decisão, a indefinição sobre o rumo do Imesf e a relação de dois anos trabalhando na comunidade.
Postos administrados por organizações civis
- Unidade de Saúde Glória, bairro Glória (Divina Providência)
- Unidade de Saúde Moab Caldas, bairro Santa Tereza (Divina Providência)
- Unidade de Saúde Campo da Tuca, bairro Coronel Aparício Borges (Divina Providência)
- Unidade de Saúde Santo Alfredo, bairro São José (Divina Providência)
- Unidade de Saúde Moradas da Hípica, bairro Aberta dos Morros (Vila Nova)
- Unidade de Saúde Farrapos, bairro Farrapos (Santa Casa)
- Unidade de Saúde Macedônia, bairro Restinga Nova (Vila Nova)