Ao final de um ano recheado de votações polêmicas, em que protagonizou desavenças públicas com o prefeito Nelson Marchezan e aliados, a presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Mônica Leal (PP), deixa o cargo satisfeita com a postura do Legislativo em 2019. Ainda que não poupe críticas a Marchezan, a progressista diz que os vereadores apreciaram todos os projetos com autonomia.
— Cada um votou conforme sua consciência e seu compromisso. É importante respeitar a ideia de todos os vereadores. Por onde ando, recebo cumprimentos pela independência da Câmara — gaba-se a presidente, que comandou o Legislativo durante a apreciação de temas sensíveis como o corte de vantagens para o funcionalismo, a revisão da planta do IPTU e a proibição da atuação de guardadores de carros.
Quarta mulher a presidir o parlamento municipal, a jornalista de 63 anos, que deixará o posto em janeiro — em seu lugar, assumirá Reginaldo Pujol (DEM) —, sustenta que foi vítima de machismo por colegas vereadores em episódios como a discussão do quinto pedido de impeachment contra o prefeito e a sessão que apreciou o projeto que desobriga a presença de cobradores de ônibus em horários específicos.
Orgulhosa da devolução de R$ 44,5 milhões ao Executivo no final do ano, a vereadora diz que, apesar do rompimento de Marchezan com ela e com seu partido, não levou as rusgas em conta na condução do parlamento.
— Nunca deixei que isso interferisse nas minhas votações.
Em quase uma hora de conversa por telefone com GaúchaZH, a chefe do Legislativo fez um balanço das atividades, relembrou as tensões políticas vivenciadas durante sua gestão e alfinetou mais uma vez o prefeito da Capital.
Confira os principais trechos da entrevista:
Como avalia sua gestão na presidência da Câmara de Vereadores em 2019?
Quando assumi a presidência, me propus a fazer uma gestão que buscasse o pleno funcionamento da Casa com eficiência, economia e mais transparência na consulta aos processos do Legislativo. Obedeci às funções constitucionais e consegui estabelecer muito diálogo. Este ano tivemos matérias importantes, como os o projetos da nova planta do IPTU, que foi polêmico e desgastante, a extinção do Imesf (Instituto de Estratégia de Saúde da Família), o projeto dos cobradores de ônibus e outros que foram cercados de extensas tratativas e polêmicas e geraram mutos embates e mexeram com toda a cidade. E ainda devolvemos R$ 44,5 milhões ao Executivo no fim do ano. Saio com uma sensação de missão cumprida.
Qual a medida a mais importante de sua gestão?
Foram muitas, mas principalmente o projeto Câmara Aberta, que promoveu mais transparência e ajudou a racionalizar o gasto público. Talvez por ser jornalista, sinto essa necessidade de buscar informações e ter prestações de contas de forma imediata. Esse era um sonho que eu tinha e nós conseguimos colocar para funcionar. Em outubro, a Câmara atingiu 100% de transparência, atendendo a todos os 24 quesitos apurados no portal, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado.
A senhora acusou reiteradamente alguns vereadores de protagonizarem atos de machismo. De que forma isso ocorreu ?
Foi preciso ser presidente da Câmara Municipal da Capital do Rio Grande do Sul para ver que existe, de fato, muito machismo nessa instância, expresso em diferenças de tratamento, em insultos, por vezes em ironias, e críticas gratuitas. Foram ações propositais feitas porque o alvo a ser atacado é uma mulher. Quando me manifestava contra o governo, cansei de ouvir o líder do governo (Mauro Pinheiro, Rede) e o vice-líder (Moisés Barboza, PSDB) dizerem que a presidente era nervosa e que não havia diálogo. Se um vereador homem fazia isso, não havia esses comentários. Precisamos de mais mulheres se candidatando por iniciativa própria, e não para cumprir a cota dos partidos, e mulheres votando em outras mulheres.
O ano marcou a votação de projetos polêmicos, como a revisão do IPTU, a concessão de parques e praças e a proibição dos guardadores de automóveis. A Câmara teve independência para decidir sobre esses temas?
Teve. Eu consegui, com uma posição muito firme, deixar isso bem claro. Nós temos a obrigação de ser um parlamento independente e autônomo. Cada um votou conforme sua consciência e seu compromisso. É importante respeitar a ideia de todos os vereadores. Por onde ando, recebo cumprimentos pela independência da Câmara.
O prefeito Nelson Marchezan acusa o seu partido (PP) de tramar o quinto pedido de impeachment contra ele, que a senhora colocou em votação no mesmo dia em que chegou à Câmara e que acabou rejeitado. A senhora teve alguma participação na articulação do pedido?
Foi o quinto processo de impeachment e todos eles sempre tiveram um autor, um cidadão que protocolou. Nesse, o cidadão que entrou com o pedido é casado com uma progressista que foi presidente das Mulheres (Progressistas, ala feminina do PP). Que eu saiba, ninguém do meu partido teve nenhuma participação. O que me surpreende é que em vez de as pessoas estarem preocupadas em responder à essência do pedido ficam preocupados em saber quem protocolou. Ao receber, (depois da rejeição) entreguei (o pedido) ao Ministério Público, porque essa é minha obrigação. Não posso ficar com denúncias na gaveta.
A senhora começou o ano de bem com o prefeito e hoje não há sequer um diálogo entre os dois. Por que isso aconteceu?
Pelas sucessivas confusões políticas do governo com a Câmara. Como presidente, nunca aceitei essa forma com que o prefeito se dirigia ao Legislativo. Tu não pode ofender vereadores. Cansei de ouvir que "vereador que vota contra o projeto do IPTU é porque está pensando no seu IPTU". Tu não pode menosprezar o outro poder porque ele não concorda contigo. Eu não concordo com muita coisa do governo Marchezan, mas nem por isso saio ofendendo ou destratando. Se eu sou presidente do Legislativo que ele não respeitou, eu tenho que me ressentir.
O rompimento do prefeito com o PP contribuiu para a desavença?
Eu soube separar muito bem essa questão do meu partido com o prefeito. E o vice-prefeito (Gustavo Paim, do PP) também separou. Fiquei surpresa e chocada na forma como ele destratou as pessoas, como se fossem móveis, dizendo que não tinham competência para continuar no governo, ou que deveriam se desfiliar do partido para continuar. E desfazendo a figura do vice. Mas nunca deixei que interferisse nas minhas votações, quando eu tinha que votar. Uma prova disso é o pedido de impeachment, em que os quatro vereadores do PP votaram não, porque não tinha consistência.
Na entrevista que a senhora concedeu a GZH no início do ano, um dos seus objetivos era de implementar um sistema de segurança com o cadastramento das pessoas que acessam a Câmara. Por que isso ainda não foi feito?
Vou deixar o projeto pronto. A Câmara tem muitas entradas e saídas e um estacionamento muito amplo. A gente precisa ter um controle de entrada e de identificação para que não ocorra nenhum acidente. Como temos um sistema burocrático na licitação, vai ser feito no ano que vem.
A senhora concorrerá à reeleição em 2020? E seu partido, terá candidato a prefeito ou pode formar uma composição?
Concorro como vereadora, gosto muito do Legislativo. Já fui secretária de Estado da Cultura, mas gosto do contato direto com o povo e de representar a população. No PP, a tendência é o nome do Gustavo Paim (para a prefeitura), mas as conversas e debates começarão a partir de março, porque antes tem a janela para troca de partidos. Temos que esperar esse tempo e começamos a tratar do nome. A única coisa que tenho certeza é de que não fecharemos com o PSDB. Errar é humano, mas insistir no erro é burrice.