Na metade de seu terceiro mandato como vereadora de Porto Alegre, Monica Leal (PP) tinha pelo menos dois motivos para comemorar no retorno das atividades da Câmara Municipal. Admiradora do regime militar, festejava a posse de Jair Bolsonaro, cujo vice, o general Hamilton Mourão, foi visitar em Brasília, e a sua chegada à presidência da Casa — ela assumiu às 15h, em uma cerimônia com a presença de vários militares no Plenário Otávio Rocha.
— Agora, até que eu estou na moda. Estou na moda porque sou de direita e conservadora. Mas lá atrás, quando comecei, eu era reacionária, ditadora, conservadora. Quando eu fui contra aquela ideologia de gênero no Plano Municipal de Educação... — afirma a parlamentar, acrescentando que já sofreu diversas agressões verbais devido a suas posições.
Em seu gabinete decorado com dezenas de fotografias de família — a maioria delas com seu pai e mentor político, o militar Pedro Américo Leal —, uma bandeira do Rio Grande do Sul, outra da Polícia Civil e alguns símbolos religiosos, ela recebeu a reportagem horas antes da posse.
— Sou a quarta mulher a assumir a presidência da Câmara, a primeira de uma partido de direita. Acho que é motivo para entusiamo. O meu pai tem uma presença muito forte na minha vida política. Ele foi o grande mentor, inspirador, mestre de tudo. Eu carrego um legado muito grande. Sou filha orgulhosa de um militar — disse.
A vereadora do PP, que comandará a Câmara até o fim do ano, prometeu um mandato aberto ao diálogo com o Executivo — a relação foi marcada pela tensão com os vereadores no começo da gestão Marchezan. Garantiu, no entanto, que irá trabalhar para preservar a independência da Casa e sinalizou que não votará pela aprovação de projetos só por ser do governo — o presidente só dá seu parecer em caso de empate.
Monica disse ainda que pretende dar continuidade a projetos de melhorias internas e não deve furtar-se a medidas polêmicas. Planeja implementar um sistema de segurança para o acesso à Câmara que prevê o cadastramento de todas as pessoas que acessam o local. A ideia é que, com um maior controle, sejam evitadas situações de violência que marcaram algumas sessões em 2018. Veja os principais trechos da entrevista:
Quais serão as suas prioridades como presidente da Casa?
Tem muitos projetos que começaram nas outras gestões que eu quero finalizar. Os dois vereadores que me antecederam, o Cássio Trogildo (PTB) e o Valter Nagelstein (MDB) começaram projetos que precisam chegar ao final. Administrativamente, o restaurante da Câmara e o centro de convivência que o presidente Valter criou têm que ser finalizados. A questão da segurança da Câmara eu quero rever. Sabemos que, em todos os lugares que frequentamos hoje em dia, as pessoas dão a carteira de identidade, tiram uma foto. Acho que o sistema de segurança precisa ser implementado aqui. Já existe um projeto, vou me envolver com isso de forma que essas pessoas sejam identificadas, porque existem momentos muito difíceis aqui. No que diz respeito à cidade, fui muito clara já, estarei aqui para o diálogo com o Executivo, mas não serei uma presidente contemplativa. Vou fiscalizar, cobrar ações para a cidade, de forma respeitosa. Quero receber as pessoas, fazer o diálogo, sempre deixando claro que a Câmara é um poder autônomo e independente.
Primeiro ano da atual legislatura foi marcado por uma relação difícil entre Executivo e Legislativo. No segundo, melhorou. Como avalia a relação entre os dois poderes atualmente?
O primeiro ano foi muito difícil porque houve uma forma de agir do prefeito que nós ficamos surpresos e chocados. Eram muitas agressões, em público, inclusive. Isso nos feriu e nós recuamos, é claro. Mas ao mesmo tempo deixamos claro para o prefeito que essa não era a forma de relacionamento do Executivo com o Legislativo. Depois de passado um bom tempo, o prefeito modificou a conduta, graças a Deus. Acho que ele vem fazendo um esforço para conversar. Mas ainda penso que falta uma construção do Executivo com o Legislativo, porque os projetos vem, muitas vezes, prontos, ou então recebemos vetos de projetos de vereadores e somos surpreendidos no plenário. Quando é construído junto, quem vai ganhar é o porto-alegrense. E o nosso objetivo é só esse. Temos compromisso com o porto-alegrense.
A Câmara repassou dinheiro que sobrou do duodécimo (R$ 35 milhões) para a prefeitura neste ano. A senhora pretende fazer economias para o Executivo utilizar em serviços essenciais?
Tenho uma série de questões para tratar nesta Casa, finalizar projetos iniciados, a questão da segurança, a sonorização do plenário, gabinetes. É claro que estamos vivendo um momento de conscientização por parte dos vereadores e, também pela tecnologia, estamos com o sistema muito online, isso trouxe uma grande economia para os gabinetes. Todos estão muito responsáveis nessa questão. Mas primeiro vou ver o que a Casa requer. É claro que a intenção é ajudar, mas não podemos de forma alguma ajudar um lado e deixar outro com um problema muito sério. Então, quero ver tudo, saber dos projetos, dos contratos, das necessidades, dos quadros de funcionários. Estou me cercando de tudo o que tem pela frente para dar prosseguimento ou modificar dentro do regimento interno e da lei.
Em julho, ocorreram tumultos durante votações que acabaram em confronto entre servidores e BM. Como a senhora vai se portar em casos como esses?
Sou uma pessoa extremamente equilibrada, não perco o meu controle, sei muito bem das minhas funções constitucionais. Não vou entrar em pressão nem vou responder agressões, bate boca, isso não existe. O que vai direcionar o meu trabalho no comando da Câmara é a lei e o respeito. Se houver alguma coisa que desacatar, descumprir a lei... As pessoas dizem: "ah, ocuparam", eu acho isso uma palhaçada, porque ninguém ocupa a tua casa, a pessoa invade. Se eu vou na tua casa, não sou convidada e entro porta adentro, estou invadindo. Já aconteceu aqui invasão, e isso é claro eu não vou tolerar, de forma alguma. Para isso, temos as forças, a Guarda Municipal, a segurança. Isso é importantíssimo que fique bem estabelecido.
Como a senhora avalia os projetos polêmicos do Executivo, como a revisão do IPTU e as mudanças nas carreiras dos servidores?
Vou receber todos os projetos que vierem do Executivo. Colocarei em votação, mas a questão de votar a favor ou contra vou analisar ponto a ponto. Não existe a menor possibilidade de votar a favor por ser governo. Sigo rigorosamente as minhas convicções. Desagrada a alguns? Sinto muito, eu preciso agradar à minha consciência. Sempre me coloco no lugar da pessoa. Uma vez me perguntaram qual era o lema da minha vida. Eu te digo assim: não faço para o outro aquilo que não quero que façam para mim. Vai aumentar o IPTU. É momento? A sociedade está atolada de dívidas, famílias tirando crianças de escolas particulares, abrindo mão de plano de saúde. Sou jornalista, me dei ao trabalho de entrevistar vários donos de imobiliárias e perguntei para eles qual é a maior preocupação de alguém quando vai ver um imóvel para comprar. Eles responderam o preço do condomínio e o preço do IPTU. Não vou aprovar um aumento, um tributo. Penso que temos outras soluções para ajeitar, até porque aumento de tributos só vai deixar mais acanhada a economia. Quanto aos servidores, existem coisas que serão necessárias retirar, como as gratificações, enfim. Não sei como o projeto vem agora. Até porque eu acredito que o Executivo está tentando chegar num denominador comum com o Legislativo.
Como o Legislativo pode trabalhar para apaziguar a relação entre Executivo e servidores?
A ideia que eu dei no último momento foi que as três frentes se reunissem — servidores, Executivo e Legislativo — e chegassem a um consenso do melhor para todos. É claro que a gente não quer prejudicar ninguém, mas é aquela questão que o prefeito diz que não tem caixa, não tem dinheiro. Aí eu me questiono: quando tu não tem dinheiro, usa R$ 35 milhões para verba publicitária? Se eu não tenho dinheiro, não dou um banquete na minha casa. São coisas que precisam ser explicadas. Quero entender, afinal, o que significa esse caixa.
Em 2018, algumas liminares da Justiça alteraram decisões da Câmara. Ocorreram decisões judiciais que garantiram acesso do público a galerias (diferente do que havia estabelecido o presidente) e mudaram ordem de votações. Como a senhora avalia a interferência do Judiciário na rotina da Câmara?
Não acho isso bom, não acho saudável. Porque nós aqui, os legisladores, cada um a sua maneira, com seus viés político, atuam e respondem. No momento em que há essa interferência, o tempo todo perde o sentido...
A senhora acha que foi excessiva?
Existem situações que são necessárias. Outras eu acho que devia ser resolvido no Legislativo, par isso que estamos aqui.
As suas declarações e projetos sobre a ditadura militar geram polêmica. Isso pode impedir a senhora de ter um papel de conciliadora como presidente?
Deixo muito claro que, independentemente de pensarmos diferente, temos que ter algo em comum, que é a educação. Então, sou capaz de debater, aceitar criticas, trocar até de ideia se vierem com argumentos sólidos e respeitosos. Quem me conhece sabe que é meu jeito. Agora, não aceito agressão, descumprimento da lei, para isso não contem comigo. Aí realmente eu vou fazer uso daquilo que eu tenho competência.
Como quer ser lembrada quando deixar a presidência da Câmara?
Penso que como uma pessoa que trabalhou sempre buscando o diálogo e o respeito entre todas as partes. Quero que todos os vereadores, como meus pares, façam uma boa gestão comigo, de igual para igual. Quero ouvir os vereadores, tomar as decisões importantes junto com eles, isso é fundamental. No momento em que eu assumir a presidência, o relacionamento com o Executivo será de muito respeito, de poder para poder. A Câmara não vai se eximir das suas responsabilidades.