Correção: o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Municipais de Novo Hamburgo (Ipasem) não investiu no fundo do Cais Mauá, em Porto Alegre, como publicado entre 22h de quarta (10) e 15h55min . O instituto informa que todos os investimentos realizados podem ser consultados em seu site.
O futuro do Cais Mauá, após anos de projetos frustrados de recuperação em Porto Alegre, voltou a ficar em aberto. O governador Eduardo Leite receberá nesta quinta-feira (11) a recomendação de um grupo de trabalho de rescindir o contrato com os atuais responsáveis pela revitalização dos armazéns históricos.
O relatório elaborado por essa equipe – revelado na quarta-feira (10) em GaúchaZH pelo colunista Jocimar Farina – tem caráter técnico e se baseia no descumprimento de prazos e cláusulas, mas a decisão final deverá levar em conta também aspectos políticos e estratégicos, como o custo de recomeçar a iniciativa do zero. Uma das alternativas em estudo no Palácio Piratini é desvincular a área portuária da União, remodelar o projeto e ampliar o período de concessão a fim de facilitar a atração de investidores.
A análise sobre o projeto poderá levar a pelo menos três diferentes desdobramentos: manter a empresa e repactuar o contrato, abrir nova licitação e propor algum tipo de acordo entre os novos empreendedores e os atuais, ou simplesmente romper o contrato e começar tudo do zero.
A simples rescisão com os atuais responsáveis poderia levar à necessidade de uma nova licitação e à busca de novas licenças junto ao município – essa etapa demorou sete anos e foi vencida em dezembro de 2017. Mas, conforme uma fonte do Piratini, também poderia ser adotada uma saída intermediária que poupasse tempo:
— As licenças são um patrimônio de quem investiu, do empreendedor. Se houver rompimento litigioso, a princípio, seriam perdidas. Mas se houver acordo entre o grupo atual e quem viesse a assumir o projeto, poderiam ser aproveitadas — afirma um interlocutor com acesso ao grupo de trabalho do Piratini.
Uma terceira possibilidade é o governo decidir manter o contrato atual, mas repactuá-lo. Sem dinheiro em caixa, o consórcio Cais Mauá do Brasil já deve cerca de R$ 6 milhões ao governo estadual pelo arrendamento da área. Seria preciso negociar a dívida e viabilizar uma forma de capitalizar o empreendimento. O prazo de 25 anos de concessão, dos quais já se passaram oito desde o contrato, sem sinal de obras, também precisaria ser discutido.
Uma outra frente de ação para remover as âncoras do cais se desenrola. Ontem, o superintendente do porto de Rio Grande (que também responde pela área portuária de Porto Alegre), Fernando Estima, encontrou-se com representantes da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e da Secretaria Nacional de Portos.
Um dos objetivos era sondar os órgãos federais a respeito da possibilidade de tirar de vez a área do cais da chamada “poligonal portuária”, que considera formalmente os armazéns como zona de porto e os vincula à União. Sob responsabilidade exclusiva do Estado, seria mais fácil reconfigurar o modelo de concessão do cais. Um dos principais objetivos com essa medida seria ampliar o prazo de 25 anos para um período maior e, assim, tentar atrair investidores com mais facilidade.
— Existe pedido dos atuais empreendedores para repactuar o acordo, mas temos contrato que já soma quatro aditivos e vem se arrastando. Fizemos o diagnóstico técnico de tudo o que aconteceu até agora, mas temos de separar o que é técnico do que é político. A decisão final é do governador — sustenta Estima.
Além da inadimplência, o relatório aponta outros seis itens irregulares, como descumprimento de prazos de obras, de renovação de licença ambiental para remoção de resíduos tóxicos e de obras a serem executadas, perda de qualificação exigida na concorrência, falta de cumprimento de contrapartidas e realocações das sedes portuárias e dos bombeiros.
Presidente da Associação de Amigos do Cais do Porto (Amacais), Kátia Suman defende o rompimento do contrato e a busca por modelo mais realista para o futuro na Orla.
— Não temos nada contra parcerias público-privadas, desde que com fiscalização do poder público, e não um cheque em branco em que o empreendedor pode fazer o que quer, quando quer. Poderia ser feita uma licitação apenas para recuperar os armazéns, com consequente locação dos espaços para comércio e serviços. Isso já traria rentabilidade. Porto Alegre não precisa de mais shoppings — afirma Kátia.
“Queremos construir uma repactuação”, afirma gestor
Ao mesmo tempo em que vinha a público a possibilidade de o governo do Estado romper o contrato de concessão do Cais Mauá, nesta quarta-feira, o consórcio e as empresas DCSet e Tornak enviavam convites para a apresentação do projeto Cais Embarcadero, também conhecido como “marco zero” – principal aposta dos atuais gestores para alavancar investimentos nos armazéns e salvar o empreendimento em crise financeira e de credibilidade. Os responsáveis pretendem manter a iniciativa em andamento enquanto não houver decisão formal do governo e seguir em busca de investidores para recuperar os armazéns.
— Fomos pegos de surpresa. Fizemos há três semanas pedido para sentar e conversar com o governador, mas não tivemos resposta. Sabemos que tem algumas coisas que não estão sendo feitas, mas a fragilidade não é só do lado de cá. O contrato de concessão também é falho, por isso queremos construir uma repactuação — afirma o sócio-diretor da LAD Capital (que gere o fundo de investimentos da Cais Mauá), Luiz Felipe Favieri.
A apresentação do Embarcadero foi marcada para 22 de abril, mesma data final estipulada inicialmente para o grupo de trabalho do Piratini entregar suas conclusões. Porém, o serviço foi adiantado e será submetido nesta quinta ao governador Eduardo Leite com a sugestão de rescisão de contrato.
Especialista em recuperar fundos "estressados" (com dificuldade de captar recursos), Favieri afirma que o contrato assinado em 2010 não previu que as licenças poderiam demorar a sair – o município repassou as autorizações apenas em dezembro de 2017. Favieri diz ainda que eventual rompimento poderia trazer duas consequências indesejáveis: a perda dos investimentos feitos basicamente por fundos de pensão e a corrida dessas organizações à Justiça para tentar evitar os prejuízos.
— Caso qualquer coisa mexa na concessão, que é o único ativo do fundo de investimentos, quem toma prejuízo são os aposentados. Não temos ingerência sobre qual a postura que os cotistas adotarão, mas com certeza isso seria judicializado. Se o governo acha que, mesmo assim, conseguirá fazer nova concessão em menos de cinco anos, não vai — avisa Favieri.
Pelo menos R$ 40 milhões foram aplicados no projeto por fundos de previdência gaúchos, como IPE, e de municípios como Canoas, entre outros. O sócio da LAD sustenta que a intenção do grupo responsável pelo cais é sentar com o governo estadual e buscar uma solução conjunta.
Os lados envolvidos
Prefeitura
É a responsável por conceder as licenças ambientais para o empreendimento. Concedeu todas as autorizações necessárias, inclusive para o chamado "marco zero", que não estava previsto no projeto original.
Estado
Responsável pela licitação do projeto e pela autorização do início das obras, que ainda não ganharam corpo. Como gestor do contrato, fiscaliza o empreendimento e pode decidir repactuar o acordo e manter os atuais responsáveis ou rescindir e recomeçar do zero.
União
Como o empreendimento se localiza em área portuária, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a Secretaria Nacional de Portos também regulam as possíveis utilizações da área. Uma ideia da atual gestão do Piratini seria desvincular a área do cais em definitivo dos órgãos federais, o que permitiria projetos mais flexíveis, com maior prazo de concessão.
Consórcio
O Consórcio Cais Mauá do Brasil, que já mudou de composição acionária sucessivas vezes desde a licitação, é o responsável por obter as licenças e promover as obras de revitalização do cais. Os atuais gestores assumiram no ano passado, herdando um conjunto de problemas financeiros e legais dos antigos responsáveis.
Cotistas
O principal acionista do Cais Mauá é um fundo de investimentos composto basicamente por fundos de pensão, incluindo IPE e PreviPalmas (de Tocantins). Os cotistas temem eventual perda dos recursos aplicados no cais caso o projeto naufrague de vez.
Grupos contrários
Grupos da sociedade civil como a Amacais defendem o rompimento do atual contrato e a busca de um novo modelo de revitalização para o cais, mais focado no restauro e na utilização dos armazéns e menos em empreendimentos como shopping center ou hotel.