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Dá para ouvir da Duque de Caxias a sequência de MPB e bossa nova, em volume comedido. O som convida a tomar um chope gelado e curtir a brisa depois de uma sexta-feira abafada de verão. A clientela vai chegando à medida que escurece, acomodando-se para o happy hour com uma das vistas mais bonitas de Porto Alegre — e, ao mesmo tempo, mais tristes também.
Se o viaduto da Borges de Medeiros segue abandonado, sujo e abarrotado de moradores de rua na parte de baixo, na parte de cima, ganhou vibração nova. A obra de engenharia da década de 1930 está sendo redescoberta por porto-alegrenses em um movimento boêmio promovido pelo pub Armazém Porto Alegre há cinco anos e endossado pelo bar Tutti Giorni, que voltou ao local há dois anos. Recentemente, juntou-se a eles o restaurante Justo.
Apaixonado pelo Viaduto Otávio Rocha desde que frequentava a loja do mágico Tio Tony, aos sete anos, Renato Pereira Júnior, 47 anos, não titubeou ao escolher a localização para seu pub.
— Tenho o sonho de ver isso aqui como um grande complexo turístico, gastronômico e cultural de Porto Alegre. E, desde que a gente chegou, venho acompanhando a vida voltar a esse espaço — destaca o proprietário do Armazém Porto Alegre, que compara a beleza do viaduto aos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro.
Mais de 15 mesas colocadas em meio às escadas estavam ocupadas quando GaúchaZH chegou ao Armazém, pouco depois das 19h da sexta-feira passada (19), e assim permaneciam perto das 22h. Renato conta que, se deixasse, o movimento iria até a 1h, mas, em respeito à vizinhança, fecha as portas arredondadas do estabelecimento às 23h.
Dentro do pub, há espaço para 30 pessoas; mas o pessoal prefere sentar ao lado dos balaústres do Passeio Outono — cada escadaria do viaduto leva o nome de uma das quatro estações do ano. Mesmo nos dias frios, os clientes querem aproveitar o cenário, que fica mais romântico com a luz amarelada das luminárias redondas. A designer Júlia Pires, 29 anos, acrescenta que o Armazém oferece "cobertinhas" e pelego para se esquentar.
Ela e o namorado, Samuel Abentroth, 30 anos, frequentam o pub há três anos, quase toda semana. Gostam da estética do ambiente a céu aberto e, ali em cima, se sentem seguros. O casal gostaria de esticar o happy hour para a noite na Cidade Baixa a pé, mas o medo de assaltos na Borges de Medeiros faz com que usem táxi ou transporte por aplicativo. A avenida é a terceira via com mais roubos a pedestres na região atendida pelo 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) — foram 46 registrados em novembro e 31, em dezembro de 2017.
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Além da insegurança, o viaduto também reflete a pobreza que há em Porto Alegre. De onde Júlia e Samuel estavam, se vê os colchões e barracas improvisadas por moradores de rua no meio dos arcos. Em média, 40 pessoas dormem no local, população que varia muito, de acordo com a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). Samuel destaca que não quer uma "higienização" do espaço, mas sim uma assistência mais eficaz para essas pessoas.
— As pessoas que assaltam, em grande parte, não são os moradores de rua — acrescenta.
Renato Júnior concorda. Segundo o dono do bar, bandidos se misturam aos sem-teto para cometer crimes na área.
Bares mantêm segurança particular
A professora de Artes Elisandra de Oliveira, 36 anos, moradora do interior do Rio de Janeiro, havia levado do viaduto a imagem de abandono, lembrança de quando passou pelo local há meio ano. De volta à Capital para passar as férias, foi levada pela irmã, a assistente administrativa Nani Oliveira, 44 anos, para tomar chope e caipirinha no Tutti Giorni, próximo à Rua Jerônimo Coelho, e conheceu um outro lado do espaço. Nani destaca:
— Não podemos deixar de ir nos lugares por medo. Se a gente fica em casa escondido, a marginalidade toma conta dos espaços. Acredito na ocupação de pessoas de bem dos lugares onde a violência está imperando.
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Dono do bar, Ernani Marchioretto, o Tutti, paga um segurança para garantir a tranquilidade dos clientes — bem como faz o Armazém Porto Alegre.
— O dinheiro que poderia ser usado para melhorias do Tutti, a gente tem que gastar com outras coisas que deveriam ser dever do poder público — diz ele, reclamando também de cinco luminárias queimadas na escadaria, entre o seu bar e o Armazém.
Tutti lembra que quando inaugurou o bar no viaduto, um lance de escada acima, em 1989, a obra era um "espaço maravilhoso", apresentada com orgulho pelos moradores aos visitantes que vinham do interior.
— Hoje, a gente fica com vergonha de mostrar o viaduto — lamenta.
Ele acrescenta:
— Ainda bem que a iniciativa privada está conseguindo fazer a parte de cima do viaduto funcionar, porque na parte de baixo, tu não consegues nem passar.
Sócio do bar mais recente do local, o Justo, Ricardo Yudi, 33 anos, conta que eles que a paixão pelo Otávio Rocha foi à primeira vista — ao ver o espaço, a procura por um local terminou na hora. O perfil do público, que vem crescendo, intriga os proprietários.
— O público do Centro, a gente ainda não conseguiu decifrar. A gente achou que fosse diverso, mas não tanto — comenta Yudi.
— Mais cedo, vem senhoras comprar bolo. Também tem o pessoal que traz o notebook e fica trabalhando até às 22h. Tem galera fazendo festa e outra trabalhando, e de boa, né? — acrescenta Adelino.
Tem gente que fica dentro, tem gente que fica fora, e, na falta de lugar ou por preferência mesmo, senta-se na escada. O Justo também tem levado ao viaduto carinhas novas, que não frequentavam o Tutti e o Armazém, ou, como no caso da designer Gabrielli Galeazi, 21 anos, nem sabiam que era possível ir ao local à noite.
— Eu tinha a impressão que era perigoso, ainda mais de noite. Mas a sensação é de segurança, de pessoas ocupando, aproveitando esse espaço — conta a jovem, convidada para uma festa de despedida. — Já pensei até em outras pessoas que quero trazer.
O que dizem as autoridades...
Sobre os moradores de rua:
Em dezembro, a Secretaria Municipal de Saúde recebeu a incumbência de gerir um plano para pessoas em situação de rua em toda a cidade. Por meio de assessoria de imprensa, informou que, no mesmo mês, apresentou as informações ao prefeito, quando ficou acertado que ocorrerá uma reunião com os demais órgãos envolvidos na área para determinar um plano de ação.
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A população em situação de rua que fica no Viaduto Otávio Rocha e imediações é acompanhada semanalmente por equipes da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), que monitoram a região, buscando a inserção na rede de serviços existentes e articulando ações com as demais políticas sociais.
Sobre a violência:
A Brigada Militar realiza abordagens com frequência na região, segundo o comandante do 9º BPM, o tenente-coronel Eduardo Amorim. Ele relata que roubos a pedestres são os mais comuns e que já houve abordagem de pessoas com drogas na região, mas ressalta que a maioria das pessoas detidas não é morador de rua:
— Isso é uma imagem que a sociedade constrói.
Ele ressalta que crimes devem ser relatados à polícia para a busca de soluções, mas que isso muitas vezes não ocorre.