Reconhecido trajeto de ligação para ir e vir entre o Bom Fim e a Cidade Baixa, a Avenida Venâncio Aires tem se tornado também um lugar para estar em Porto Alegre. Um eixo de cinco quadras nas imediações da Rua Vieira de Castro, a poucos metros do Parque Farroupilha, transformou a região em destino gastronômico. Depois de ganhar a atenção de pequenos empreendedores, que lá instalaram de cafés a hambúrgueres, passando por bares e restaurantes étnicos, o local começa a atrair o movimento de quem busca lazer onde até então enxergava apenas vias de passagem.
— Antes, tinha só lojinha: de roupa, de calçado... Agora, para onde eu olhar, é comida. É um bairro novo — observa Luciria de Oliveira, dona de um cachorro-quente na Rua Vieira de Castro.
Lu, como é conhecida pelos clientes, instala quase todo dia, há 20 anos, o seu carrinho ali. Foi espectadora da transformação na região. Viu a vizinhança mudar mais drasticamente nos últimos cinco anos, quando a meia dúzia de bares e restaurantes fixada por lá começou a ganhar companhia em imóveis antes ocupados por outro tipo de comércio. O movimento se intensifica a cada ano: só em 2017, cinco novos empreendimentos surgiram a poucos metros de onde trabalha — há pelo menos 16 estabelecimentos na área de cinco quarteirões.
Entre a Avenida Venâncio Aires e a Redenção, onde Lu está, há um bar, dois cafés em funcionamento e outro em reforma. Cruzando a via, à esquina, uma hamburgueria, outro café e um restaurante peruano passaram a compartilhar parte da quadra com um mercadinho, uma farmácia e uma lancheria mais antigos. Nos fundos do Colégio Militar, a dona de uma loja de bolos inaugurada em 2015 já se considera veterana no local: nos últimos meses, começaram a funcionar um restaurante à esquina e um café estilo gourmet um pouco mais adiante.
— No ano passado, eu saía pelas 19h, e não tinha movimento na rua. Agora, com mesa na calçada, conseguiram estender o movimento. Para mim, é ótimo. São empreendimentos que funcionam em um horário bem saudável, não geram incômodo. São bons para os moradores — avalia Vivian Mossmann, proprietária da Bolaria João e Maria, que abriu em uma local onde, no passado, funcionava uma loja de roupas.
Diversidade ameniza a concorrência
As modificações na região também motivaram vizinhos a empreender ali. Então residente da Avenida Venâncio Aires, Luís Silveira alugou a casa vizinha, onde hoje funciona seu café, o Pink Velvet, um ano antes de instalar seu negócio. Ainda sem saber exatamente o que iria abrir, percebia potencial no ponto entre o Bom Fim e a Cidade Baixa. Acertou: em poucos meses, o local inspirado em cafés americanos já estava com as mesas lotadas, atraindo público de diversos bairros.
— Um dia estava passando na frente vi o dono colocando uma placa. Pensei: preciso alugar, porque vai ser um lugar bom de colocar alguma coisa. A gente abriu de uma forma bem modesta, mas logo as pessoas começaram a aparecer, tirar fotos. Depois, surgiram outros empreendimentos com perfil de cliente parecido: público jovem, entre 20 e 35 anos. Ficamos felizes quando abrem lugares novos. Estão valorizando o bairro — avalia o dono da cafeteria inaugurada em 2014, que, neste mês, expandiu seu espaço para acomodar a clientela.
A diversidade de opções também virou marca do novo polo gastronômico nas imediações do Parque Farroupilha. Cafés são maioria: há seis somente nas cinco quadras do eixo entre Venâncio e Vieira de Castro estendido até a Rua Santana. Nem por isso os locais concorrem diretamente. As cafeterias exploram diferentes temáticas, como doces norte-americanos ou um menu voltado à comida argentina, e não necessariamente funcionam no mesmo horário. Tem quem abra para almoço ou brunch, e aqueles voltados exclusivamente a atender quem procura por um bom café. Dividem um ar gourmet característico de parte dos empreendimentos gastronômicos inaugurados nos últimos anos em Porto Alegre.
A Vieira de Castro conquistou a parcela mais boêmia do bairro. Além de um pub com temática irlandesa que funciona na via desde 2002, há uma casa destinada atrações musicais — com almoço aos finais de semana — e, na quadra seguinte, um bar voltado à cultura latino-americana. Na Avenida Venâncio Aires, além da loja de bolos, uma hamburgueria e um restaurante peruano convivem em frente ao tradicional Bar do Beto, um dos pioneiros da região, com mais de duas décadas de atuação.
Há alguns meses, um intervalo de poucos metros na esquina das duas vias abriga outra peculiaridade: concentra dois restaurantes peruanos, nicho ainda pouco explorado na Capital. No local desde 2010, quando servia almoço apenas aos domingos nas dependências do Comitê Latino-Americano, na Vieira de Castro, o Centro Peruano — hoje instalado na parte térrea do bar latino —, empenha-se em manter o mais próximo possível o que é oferecido na casa do país de seu proprietário, Carlos Nevado. Em Porto Alegre há quatro décadas, ele viu com curiosidade a aproximação do concorrente, Chola Guapa — o novato vai encerrar as atividades no dia 29 para se instalar em Florianópolis — mas avalia de forma positiva o interesse de novos empreendedores no bairro.
— Deu um pulo agora (de empreendimentos no bairro). Não somos muito parâmetro, porque não costumamos abrir à noite. Mas a questão da alimentação com certeza é um atrativo. Ajuda a tornar o local mais diverso, e a puxar o movimento — diz o empresário.
Pequenos negócios para driblar a crise
O sucesso que tem atraído e mantido estabelecimentos com perfis diversificados às vias do entorno do Parque Farroupilha pode surpreender desavisados, mas, para especialistas, confirma uma tendência de mercado que se espalha por metrópoles mundo afora. Comércios que exigem grandes estruturas para se manter têm dado lugar a negócios menores, voltados a públicos específicos, que encontram mais facilidade para se manter em atividade, mesmo em momentos supostamente desfavoráveis.
— A gente vê esse movimento da crise: estruturas grandes, que dependem mais de mão de obra, sendo substituídas por coisas mais enxutas. É uma tendência essa abertura dos pequenos negócios, porque isso facilita ter um posicionamento mais claro, trabalhar com menos produtos e de melhor qualidade — avalia Roger Klafke, coordenador de projetos da Indústria, Varejo e Serviços de Alimentos e Bebidas do Sebrae-RS.
É uma tendência essa abertura dos pequenos negócios, porque isso facilita ter um posicionamento mais claro, trabalhar com menos produtos e de melhor qualidade.
Roger Klafke
Coordenador de projetos no Sebrae-RS
Segundo Klafke, tem se tornado comum regiões então abandonadas ou subaproveitadas dos centros urbanos passarem a receber os pequenos cafés, bares e restaurantes, em processos de revitalização. As iniciativas, na visão do coordenador de projetos, conseguem prosperar mesmo quando outros negócios vão mal devido a uma mudança de hábitos mais geral. A despeito da crise, o consumo de alimentos fora de casa segue crescendo. O que não significa que se aventurar no setor seja garantia de sucesso.
— Em algum momento, isso tem um limite. Mas vejo que tem uma substituição: coisas fechando e outras abrindo, com diferentes perfis. Isso acontece porque o mercado é vivo, orgânico. É natural e supersaudável das cidades — diz.