Dois meses depois de estarem no centro da discussão que culminou com a saída da secretária de Desenvolvimento Social Maria de Fátima Paludo do governo Nelson Marchezan, pessoas em situação de rua seguem vivendo, em condições precárias, sob o Viaduto Otávio Rocha, um dos pontos mais emblemáticos do centro de Porto Alegre.
O projeto da ex-secretária para o espaço foi rejeitado pelo prefeito, que convocou para esta quarta-feira (27) uma reunião sobre o tema com a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e a Procuradoria-Geral do Município (PGM) — a ideia é fazer um planejamento para desocupação de espaços públicos voltado à cidade inteira, começando pelo viaduto. A ideia é colocá-lo em prática já em janeiro.
— Tem uma situação no Viaduto Otávio Rocha que implica não só o direito daqueles que são extremamente vulneráveis, mas também um direito violado que é o de trânsito dos demais. As barracas começaram a tomar conta da calçada e, de alguma maneira, inviabilizar o trânsito de outras pessoas que moram e que têm seus comércios na região — afirma a pedagoga da Fasc Patrícia Mônaco, acrescentando que o poder público precisa ter cuidado com o destino das pessoas que vivem ali.
No fim da manhã desta terça-feira (26), um dia depois do Natal, o aspecto sob o viaduto era de abandono: dezenas de pessoas dormiam em pelo menos 20 barracas montadas nos dois lados do monumento. Também havia colchões sobre as escadarias. Alguns homens circulavam de um lado a outro no trecho próximo ao comércio e uma dupla vendia drogas a um terceiro perto de um dos pilares da construção. O assunto foi tratado pelo colunista David Coimbra no dia 25.
A situação observada pela reportagem e por quem frequenta o local não é apenas percebida pelas equipes que trabalham com a população vulnerável como consiste em uma dificuldade à atuação dos profissionais. A presença do tráfico de drogas implica na restrição do trabalho da Fasc devido a intimidações, conta Patrícia.
— Mapeamos 13 pessoas em situação de rua que não fazem parte do tráfico. Nem do uso (de drogas), muitas vezes. Permanecem por outras circunstâncias. Mas boa parte das pessoas no viaduto não está em situação de rua: são jovens adultos que se valem do comércio, do uso, do tráfico. Sobre esses, a abordagem não tem incidência. Os benefícios que temos (a oferecer) não chega a suscitar desejo no sujeito — afirma.
O comportamento de quem passa pelo local varia: enquanto alguns esperam ônibus indiferentes à movimentação intranquila, outros preferem circular pelo meio da rua em vez de usar o passeio público. Dois comerciantes se recusaram a conversar com GaúchaZH alegando medo de represálias. Outros pedem uma ação pública estruturada.
— Desde o fim da Copa, quando houve ações para retirar as pessoas daqui, para inglês ver, está a mesma coisa. É uma população flutuante: uns vão, outros vêm. Alguns convivem muito bem, mas existe um distanciamento. Acho que alguém tinha que tomar uma providência, porque são seres humanos — defende o fotógrafo João Martins, que trabalha em um sebo na Borges.
— É uma situação horrível, e nosso prefeito não faz nada. Algumas pessoas passam por aqui, mas têm medo de avançar, porque virou uma cracolândia. Não sei o que poderia ser feito. Assim, todos são prejudicados — opinou a comerciante Neli Guedes.
Projeto rejeitado envolvia diferentes órgãos
Meses atrás, a situação no Viaduto Otávio Rocha foi motivo de divergências entre a então secretária de Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Paludo, e o prefeito Nelson Marchezan. Enquanto a defensora pública aposentada propunha a retirada de moradores de rua "com uma abordagem humanizada", seguida da revitalização da área, Marchezan insistia em uma proposta mais abrangente, que atingisse a toda a cidade. Diante do entrave, Maria de Fátima resolveu deixar a pasta. Atualmente, a secretaria está sob responsabilidade de uma gestora interina, que preferiu não comentar o assunto. O gabinete do prefeito não informou se há previsão de nomeação de um novo secretário.
O trabalho iniciado sob o comando de Maria de Fátima, que era tratado como revitalização do monumento, incluía diferentes órgãos, como Fasc, Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Guarda Municipal e Secretaria Municipal da Saúde. A desocupação também contaria com a presença da Defensoria Pública do Estado. Uma ação prévia chegou a ser colocada em prática, na qual pessoas em situação de rua que viviam no viaduto foram comunicadas sobre a desocupação e as possibilidades de encaminhamento.
Pessoas morando em vias da Capital não são novidade, mas números mostram que a situação tem se intensificado nos últimos anos. Um levantamento realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no ano passado mostrou que o número de pessoas em situação de rua em Porto Alegre aumentou pelo menos 75% de 2008 para cá, ultrapassando 2 mil.
A Fasc mantém 10 equipes que fazem abordagem social — a do Centro, além de ser maior, trabalha com horário ampliado.
2014
Depois de ações controversas para retirar moradores de rua do Viaduto Otávio Rocha, o local virou símbolo de diversão durante a Copa do Mundo. Foi um trecho do chamado Caminho do Gol, por onde circularam diversos turistas, brasileiros e estrangeiros, em dias de jogos do Mundial.
2016
Dois anos após a Copa do Mundo, o cenário já era de abandono sob o Viaduto Otávio Rocha. Em uma reportagem especial, ZH contou pelo menos 30 espaços ocupados por sem-teto. Às vésperas de uma comemoração pelos 84 anos do viaduto, uma ação conjunta de órgãos da prefeitura retirou os moradores de rua. Após a ação controversa, moradores de rua voltaram a ocupar o local.
Um levantamento realizado pela UFRGS mostrou que a população em situação de rua em Porto alegre cresceu de forma expressiva. Passou de 1,3 mil, em 2008, para 2,1 mil pessoas em 2016. Um aumento de 75%.
2017
Situação das pessoas em situação de rua sob o Viaduto entra na pauta da Secretaria de Desenvolvimento Social da prefeitura. Para revitalizar o local, a secretária Maria de Fátima Paludo propõe remoção de moradores por meio de abordagem "humanizada", ideia que é descartada por Nelson Marchezan. Após a recusa, a secretária deixa a pasta.