Recebi, neste Natal, um vídeo de alguém que caminha durante o dia debaixo das arcadas do viaduto da Borges de Medeiros, filmando a calçada que sobe da Fernando Machado em direção à Rua da Praia. É chocante. Dezenas de pessoas privatizaram o espaço público e transformaram a rua em uma espécie de favela.
Já havia escrito a respeito, seis meses atrás, mas, pelo que vi no filme, a situação se agravou. Aquilo me fez lembrar os piores lugares de Ciudad del Este, no Paraguai.
Não há ponderação que justifique esse crime contra a cidade. O viaduto da Borges é a obra arquitetônica mais original de Porto Alegre. É, talvez, o único espaço do qual o porto-alegrense possa dizer: isso só existe aqui. Não é por acaso que já serviu de locação para uma série de comerciais de TV. Serviu porque é bonito e é único. Seu abandono é uma derrota. Não apenas uma derrota do poder público; uma derrota de cada cidadão.
Pobre não gosta de pobreza. Pobre quer se salvar da pobreza
Imagino que as autoridades municipais vacilem na retirada daquelas pessoas de lá porque elas são, obviamente, paupérrimas. Essa é a maior desgraça brasileira. A pobreza nos oprime, nos brutaliza e, o que é ainda mais trágico, nos confunde. O mais comum, entre brasileiros que dizem ter "consciência social", é achar que a exaltação da pobreza protege o pobre.
Pobre não gosta de pobreza. Pobre quer se salvar da pobreza.
Ao permitir que aquelas pessoas continuem morando debaixo do viaduto, Porto Alegre faz mal, justamente, à população pobre, que é a que mais utiliza o espaço público.
O viaduto da Borges, lindo, imponente, histórico, deveria ser um dos orgulhos do porto-alegrense. É uma de suas vergonhas.
Exemplo de um debate em que a nossa pobreza nos atrapalha: isenção de impostos para empresas é bom ou ruim para a população que depende dos serviços do Estado?
Vou responder contando sobre um caso atual, o da gigante Amazon.
A sede da Amazon fica em Seattle, a cidade onde sempre chove. Três meses atrás, a direção da empresa anunciou que construiria uma segunda sede nos Estados Unidos, com investimento de US$ 5 bilhões e geração de mais de 50 mil empregos. Sabe quantas cidades se candidataram, oferecendo todo tipo de vantagens? Duzentas e trinta e oito.
Eu escrevi 238.
Nova York, Chicago, Boston, Washington, várias cidades importantes mandaram propostas. Tucson, no Arizona, ofereceu à empresa um cacto gigante, de seis metros de altura, considerado sagrado na região. Stonecrest, na Geórgia, prometeu mudar de nome para "Amazon City". Newark, em Nova Jersey, propôs isenções de US$ 7 bilhões.
Ou seja: parece que é consenso, nos Estados Unidos, que dar vantagens fiscais em troca de empregos é bom negócio. No Brasil, o bom negócio seria chamado de "privilegiar os ricos". E nós seguiríamos na nossa pobreza, como seguimos e, pelo jeito, seguiremos.