Está decidido: se meu filho perguntar, vou contar a ele que o Papai Noel não existe. Está na hora de ele encarar essa desilusão. Passou o tempo certo, até. Hoje em dia, meninos de 10 anos de idade debatem sobre a celulite da Anitta, imagina se vão se enganar com o velho Santa Claus.
Ele já andou cercando a Marcinha sobre o assunto, fazendo perguntas. "Como é que o Papai Noel consegue entregar todos os presentes na mesma noite?" "Como é que ele sabe o que eu quero?" "Onde é que ele arranjou aquelas renas que voam tão rápido?"
A Marcinha ficou enrolando. Eu, se ele vier falar a respeito comigo, eu vou dizer a dura verdade.
Ele só não sabe tudo sobre o Papai Noel porque, nos Estados Unidos, as crianças são mais ingênuas do que no Brasil. Por aqui, o Papai Noel nunca seria apedrejado pela gurizada revoltada porque os doces acabaram, como aconteceu dias atrás em São Paulo.
Conhecer a verdade acerca do Papai Noel é uma passagem de fase. É o corredor de acesso à pré-adolescência.
Conhecer a verdade acerca do Papai Noel é uma passagem de fase. É o corredor de acesso à pré-adolescência. É assim que é, nós estamos sempre entre uma fase e outra, na vida. Sempre mudando. Não sou mais quem era antes. Sou como se fosse outra pessoa.
Quando você tem um filho, você reencontra as pessoas que foi. É como se entrasse no DeLorean voador de De Volta para o Futuro. Você olha para seu filho e se reconhece. Eu era assim. Então, tento lembrar do que sentia e me esforço para tratá-lo de uma forma que o torne um adulto melhor do que sou.
Como posso fazer para que ele não erre tanto quanto errei? É agora, mais do que nunca, que tenho de lhe mostrar o caminho, porque ele ainda é criança, ainda não tem malícia. Aos 10 anos, o menino quer é saber se o Real Madrid é mesmo melhor do que o Barcelona, se o seu amigo João Francisco vai poder jogar Xbox nas férias, se vai ter panqueca com banana frita no café da manhã de sábado. São essas as suas preocupações, ele nem sequer cogita de que um dia possa se ocupar de aluguel, conta de luz, lista de supermercado ou e-mails para responder. Dez anos é uma idade mágica para um guri.
Ah, aos 10 anos, agora me vem à lembrança, aos 10 anos eu recortava as fotos dos jogadores de futebol das revistas e colava com Tenaz as carinhas no meu time de botão, eu queria aperfeiçoar meu nhaque no jogo de gude para vencer o Edu Brittes, eu sonhava em ter um Kichute para correr tão rápido quanto o Cyborg, o Homem de Seis Milhões de Dólares. Acho que foi aos 10 anos que ganhei minha bicicleta. Era uma Caloi sem marchas, que naquele tempo bicicleta não tinha marcha. Era azul-escuro, linda, linda, e eu andava por toda parte com ela e às vezes minha irmã ia de pé atrás, segurando-se nos meus ombros, e meu irmão ia sentado no guidom. Como é que minha mãe conseguiu comprar uma bicicleta, naquele tempo de dificuldades financeiras? Não sei, só sei que a vi do lado da árvore de Natal, na casa do meu avô, e aquilo me deu uma emoção, que pensei que talvez fosse o guri mais feliz da cidade, e talvez fosse mesmo. Aos 10 anos, todos os guris são os mais felizes da cidade, sendo ricos ou sendo pobres, ganhando bicicletas ou bolas de plástico ou até não ganhando nada, seja como for, os guris amam a vida, acreditam que o mundo é justo, que os bons sempre vencem, que tudo vai dar certo e, até, que o Papai Noel existe. Pensando bem, vou dizer para o meu filho que, sim, claro que sim: o Papai Noel existe.