O avanço das acusações criminais contra Jair Bolsonaro afeta o cenário da disputa pelo Palácio do Planalto em 2026. Se na esquerda fica cada vez mais nítida a busca pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na direita o indiciamento abre caminho para uma divisão das forças políticas em mais de uma candidatura.
Por ora, há pelo menos cinco postulantes ao posto de herdeiro do bolsonarismo: os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Ronaldo Caiado (GO), Romeu Zema (MG), Ratinho Jr (PR) e o empresário Pablo Marçal. Bolsonaro não descarta ungir um dos próprios filhos como seu sucessor nas urnas, com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) despontando como candidato de perfil mais moderado e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) vestindo o figurino radical.
Embora esteja inelegível até 2030, Bolsonaro vem afirmando que será candidato em 2026. O objetivo é repetir o comportamento de Lula em 2018, quando o petista estava preso e mesmo assim manteve seu registro eleitoral até o julgamento do último recurso indeferir a candidatura.
A estratégia de Bolsonaro busca manter a fidelidade de seu eleitorado até o instante derradeiro, dando ao ex-presidente poder de indicar um nome para herdar seu espólio eleitoral.
— Eu sou candidato até que a minha morte política seja anunciada para valer. Eles não têm argumento para me tirar da política — insistiu Bolsonaro semana passada.
Todavia, a atual investida policial e o detalhamento da trama golpista em curso no entorno do ex-presidente abalam sua influência no processo sucessório. Começa a ganhar força entre lideranças de direita o sentimento de que Bolsonaro pode se tornar um aliado tóxico diante das complicações jurídicas que terá pela frente. Ao mesmo tempo, há uma percepção de recuo no apoio parlamentar e popular ao projeto de lei que prevê anistia aos envolvidos na intentona golpista.
Bolsonaro já havia arriscado capital político após a eleição municipal, quando aliados reclamaram que ele não havia se engajado na disputa. O caso mais notório foi em São Paulo, onde exigiu indicar o vice na chapa de Ricardo Nunes (MDB), mas não participou da campanha por receio de se desgastar ante os eleitores de Pablo Marçal (PRTB).
Houve desgastes ainda em Curitiba, Campo Grande e Goiânia, com Bolsonaro abandonando candidatos ou fazendo jogo dúbio. A base bolsonarista também se dividiu em Belo Horizonte e Fortaleza. Na capital de Goiás, as divergências escalaram para uma discussão pública com o governador Ronaldo Caiado (UB).
Pré-candidato à Presidência, Caiado disse que o Brasil cansou do jeito de Bolsonaro fazer política e tenta se credenciar como um representante da direita moderada, capaz de fazer uma gestão mais estável do que o governo Bolsonaro. Até agora, é o único que mantém a firme disposição de lançar a candidatura, mesmo na eventualidade de concorrer contra o próprio Bolsonaro.
Ratinho Jr. (PSD) e Romeu Zema (Novo) são mais cautelosos. Embora não escondam as pretensões presidenciais, entendem que não há espaço para várias candidaturas à direita e devem disputar o Senado caso não consigam montar um palanque robusto ao Planalto.
Fiel aliado de Bolsonaro e tido como representante natural do ex-presidente em 2026, Tarcísio de Freitas (REP) começa a fazer uma correção de rota. Seu principal estrategista político, Gilberto Kassab, disse na última terça-feira que o governador deve se preservar para a eleição de 2030, quando Lula não irá concorrer.
— Ele já se definiu como candidato à reeleição para governador. A minha impressão é de que Tarcísio vai realmente ser candidato para presidente em 2030 — afirmou Kassab a empresários.
Diante da eventual desistência de Tarcísio e da escassa expressão nacional de Ratinho e Zema (“Com todo o respeito, chance só tenho eu, o resto não tem nome nacional”, disse Bolsonaro há duas semanas), o ex-presidente estaria propenso a personalizar a candidatura. O caminho seria investir em alguém com o perfil mais parecido ao seu.
A escolha, portanto, recairia sobre um dos filhos. Flávio Bolsonaro transita melhor no Congresso e entre os partidos, e Eduardo Bolsonaro tem maior interlocução internacional, inclusive junto ao novo presidente dos EUA, Donald Trump, e as organizações de direita mais radical. Outra possibilidade que o Bolsonaro não descarta é apoiar Pablo Marçal. tentando repetir a própria vitória de 2018 com um novo outsider incorporando o personagem de alguém disposto a romper com o atual sistema político.
A partir de agora, Bolsonaro trabalha com um olho nas projeções políticas e outro no calendário. Embora haja uma disposição do Supremo Tribunal Federal de julgar o ex-presidente ainda em 2025, para evitar contaminação do debate eleitoral em 2026, é provável que o processo só seja concluído no ano da eleição. E se Bolsonaro for condenado e pegar a pena mínima em cada um dos crimes dos quais é acusado (quatro anos por tentativa de golpe de Estado, outros quatro por tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e mais três por organização criminosa), seriam 11 anos de pena e depois mais oito de inelegibilidade.
Tal condição só o deixaria apto a disputar uma eleição em 2045, quando estará com 90 anos de idade.