Com 9,3 milhões de eleitores e uma disputa acirrada entre os três candidatos que lideram as pesquisas à prefeitura, São Paulo abriga uma eleição que ganha contornos tão incertos quanto virulentos. Enquanto Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Nunes (MDB) se revezam nas primeiras posições, dirigentes partidários, estrategistas eleitorais e marqueteiros Brasil afora observam cada movimento, já mirando as eleições de 2026.
Maior e mais cobiçado colégio eleitoral do país, a capital paulista costuma indicar aos partidos as tendências políticas que irão nortear a população brasileira dois anos depois, na disputa pela Presidência da República e pelos governos estaduais. Em 2024, a polarização nacional estabelecida entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro se reflete na campanha, mas acabou turvada pelo estilo debochado e agressivo de Marçal.
Dono de uma fortuna declarada de R$ 169 milhões e com engajamento digital oito vezes superior aos nove adversários somados, Marçal encarnou o papel de outsider, o candidato antissistema que despreza a política tradicional. Nos discursos, diz que não precisa de partidos nem de aliados, simplifica problemas complexos e faz promessas mirabolantes, como a construção do maior arranha-céu do mundo e teleféricos para transportar moradores de comunidades pobres.
Sua principal estratégia, contudo, é incentivar o individualismo e disseminar entre os eleitores a crença de prosperidade baseada em inteligência emocional, método com o qual enriqueceu vendendo cursos de autoajuda. Dessa forma, triplicou as intenções de voto, saltando de 7% em maio para 23% na mais recente pesquisa Quaest.
O crescimento vertiginoso, calcado basicamente na multiplicação de memes e vídeos curtos nas redes sociais, assusta Lula e Bolsonaro. Ambos estão empenhados em eleger, respectivamente, Boulos e Nunes, marcando a vitória como uma conquista pessoal.
Para tanto, compraram brigas internas em seus partidos. Lula fez o PT abdicar de candidatura própria pela primeira vez na cidade e Bolsonaro rifou os postulantes do PL, preferindo indicar o vice de Nunes. O objetivo era polarizar a eleição, emulando o antagonismo nacional.
A evolução da campanha logo mostrou que Marçal se tornaria um complicador incontrolável. Nos debates, descumpre regras, faz acusações sem provas e enerva os adversários criando apelidos pejorativos. Boulos virou “Boules”, alusão à linguagem neutra usada num comício do candidato, Nunes é o “bananinha", José Datena (PSDB) é o “Dapena” e Tabata Amaral (PSB), a “Chatabata”. O grupo reagiu reforçando na propaganda uma condenação criminal de Marçal por integrar quadrilha de desvio em contas bancárias e as relações de membros de sua campanha com o PCC.
O enfrentamento cada vez mais beligerante fez Boulos buscar amparo no governo federal, reforçando a presença de Lula e ministros na campanha. Do outro lado, Bolsonaro recuou. Temendo que uma eventual derrota de Nunes acabe atribuída a um suposto encolhimento do seu eleitorado em São Paulo, sumiu da propaganda do emedebista e chegou a flertar com Marçal. O ex-presidente também orientou o governador Tarcísio de Freitas a se afastar de Nunes.
Tarcísio, porém, redobrou a aposta no aliado. Candidato à reeleição e com 65% do tempo de rádio e TV, Nunes recuperou terreno exibindo o apoio do governador e realizações da gestão municipal. Com o latifúndio midiático, o maior na história das eleições paulistanas, o prefeito avançou em quase todas as faixas de renda e idade, melhorou a própria avaliação e conquistou eleitores de Bolsonaro que haviam migrado para Marçal.
Nos bastidores, os estrategistas de Nunes já dispensam o apoio do ex-presidente no primeiro turno. O comitê trabalha para desidratar Marçal e forçar um segundo turno contra Boulos, ocasião em que uniria o eleitorado de direita.
Ciente de que Marçal registrou aumento na rejeição e desconfiado que pode ter batido no teto das intenções de voto, Bolsonaro ensaia uma reaproximação com Nunes. Agora, o objetivo é se engajar na reta final da campanha e aparecer como fiador de um eventual êxito sobre a esquerda.
O ex-presidente sabe que as chances de aprovar no Congresso uma anistia à inelegibilidade passam pela imagem de que é capaz de galvanizar candidaturas vitoriosas em torno da própria imagem, catapultando aliados nos Estados e municípios.
Já Lula busca pavimentar o caminho à reeleição recuperando a capital paulistana após o fiasco da derrota de Fernando Haddad no primeiro turno em 2016, quando João Doria obteve o triplo de votos do PT.