Chamado de “gênio” por aliados e de “débil mental” e “bandido” por adversários, Pablo Marçal está subvertendo a eleição na maior cidade do país. Autodenominado “servo do povo”, o candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo rompeu a bolha da disputa local e atraiu as atenções de todo o país com um agressivo discurso antipolítica e métodos que começam a ser questionados pelos rivais na Justiça.
No final de semana, o juiz eleitoral Antonio Maria Patiño Zorz suspendeu as contas do empresário em seis redes sociais (Discord, Facebook, Instagram, Meta, TikTok e X, ex-Twitter). A decisão foi baseada em ação movida pelo PSB que acusa Marçal de abuso econômico por supostamente remunerar apoiadores que produzem cortes de vídeos do candidato para a internet. Marçal reagiu criando outros perfis, nos quais aparece com a boca coberta por mordaça, na qual está escrito “sistema”.
Foi com esse discurso de perseguido pelos políticos tradicionais e pelas instituições que Marçal rompeu a polarização entre o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL).
No final de maio, ele aparecia com 7% das intenções de voto em pesquisa Datafolha, emparelhado com Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB), ambos com 8%. Na última sexta-feira, Marçal marcou 21% no Datafolha, tecnicamente empatado com Boulos (23%) e Nunes (19%).
A ascensão está baseada na postura beligerante e numa gigantesca popularidade digital. Com 12,9 milhões de seguidores no Instagram, ele só fica atrás dos dois presidentes que antagonizaram o embate político nos últimos anos, Luiz Inácio Lula da Silva (13,5 milhões) e Jair Bolsonaro (25,7 milhões).
Marçal consegue em média 136,1 mil interações a cada postagem. Durante o primeiro debate eleitoral em São Paulo, ele produziu 30 cortes em vídeo de suas altercações com Boulos, Nunes e Tabata, obtendo 57 milhões de visualizações. No debate seguinte, diante da ausência de Boulos e Nunes, produziu apenas cinco vídeos e teve queda de 91% nas interações.
Filho de uma faxineira e um servidor público, Pablo Henrique Costa Marçal começou a vida operando a aparelhagem de som de uma igreja em Goiânia, onde nasceu. Aos 20 anos, conseguiu emprego no call center da Brasil Telecom. Em seis anos, chegou a gerente de operação da companhia telefônica, de onde saiu para investir no mercado imobiliário.
Marçal já havia conquistado seu primeiro milhão quando descobriu um filão: ministrar cursos de empreendedorismo a partir de uma técnica que batizou de Método IP. Segundo ele próprio descreve em publicações na internet, trata-se de um “treinamento de inteligência emocional baseado em programação neurolinguística com foco em desbloqueios cerebrais, ativação da identidade e clarificação de propósito”.
No novo segmento, Marçal formou mais de cem turmas presenciais, migrando na sequência para o ambiente digital. Com as aulas pela internet, multiplicou o público e o saldo bancário. Candidato mais rico à prefeitura de São Paulo, declarou à Justiça Eleitoral patrimônio de R$ 169 milhões, entre imóveis, investimentos bancários e participação em 12 empresas.
Os cursos e livros nos quais prometia destravar os caminhos para o êxito profissional e financeiro logo fizeram de Marçal um dos coachs mais bem sucedidos do país. Em vídeos, se vangloria de lutar com tubarões e identificar panes em helicóptero antes mesmo do piloto.
Todavia, ele ganhou notoriedade por um incidente ocorrido em janeiro de 2022, quando contrariou orientação das autoridades e liderou uma expedição com 60 alunos à Serra da Mantiqueira.
Ao custo de R$ 3 mil, a incursão garantia formação para "superar a vida e tornar-se um vencedor". Metade do grupo desistiu da incursão por trilhas escorregadias após começar a chover e ventar. As 32 pessoas restantes, chamadas de “generais do topo” por Marçal, precisaram ser resgatadas pelo Corpo de Bombeiros.
Chamado de irresponsável e fanfarrão pelos agentes que atuaram no socorro, Marçal foi proibido pela Justiça de promover eventos semelhantes sem autorização prévia. Na época, ele rebateu as críticas e se eximiu de responsabilidades.
— Não mandei ninguém subir. Fui na frente, subi e resolvi. Cada um subiu sob a sua responsabilidade. Só que é o seguinte: é igualzinho a sua vida. Vai vir um monte de protetor de montanha para querer falar o que você tem de fazer da sua vida. Você vai escrever agora: "Eu que decido o que fazer" — declarou.
Na sequência, Marçal teria o nome vinculado a duas mortes acidentais. Um técnico de audiovisual recebeu uma descarga elétrica e despencou de três metros de altura num estúdio do empresário, e um funcionário sofreu parada cardíaca durante uma maratona surpresa promovida pelo grupo comandado por Marçal. Em ambas as ocasiões, ele disse que não tinha vinculação nem responsabilidade com os episódios.
A questão mais explorada por seus adversários na campanha é uma condenação por integrar “a maior quadrilha de piratas da internet brasileira”, segundo a Folha de S.Paulo. O empresário foi sentenciado em 2010 a quatro anos e cinco meses de reclusão por furto qualificado. Segundo o Ministério Público Federal, ele era responsável por capturar os e-mails de correntistas que depois seriam infectados pelo bando com vírus que roubavam dados das contas bancárias dos destinatários.
Marçal recorreu da decisão e, quando o recurso foi julgado, em 2018, a pena foi considerada prescrita. Em sua defesa, o empresário diz que tinha 18 anos à época e que apenas consertava os computadores para um pastor, condenado como líder da quadrilha.
Casado e pai de quatro filhos, Marçal ingressou na política em 2022 mantendo o mesmo estilo e ambição que marcaram sua trajetória empresarial. Estreou já tentando concorrer à Presidência da República pelo hoje extinto Pros, mas teve a pretensão barrada pela Justiça Eleitoral após o partido desistir da candidatura. Eleito deputado federal com 243 mil votos, sofreu novo revés e nem tomou posse, desta vez por problemas na documentação.
Relação com Bolsonaro
Apoiador de Bolsonaro, com quem compartilha um ideário de liberalismo econômico, enfrentamento das instituições e personalismo político, Marçal colocou o ex-presidente numa situação delicada em São Paulo. Bolsonaro apoia Ricardo Nunes, mas está vendo seu eleitorado migrar para o empresário.
Movimentação nas redes sociais nos últimos dias indica afastamento entre Marçal e o ex-presidente. O candidato à prefeitura de São Paulo comentou uma publicação de Jair Bolsonaro no Instagram, com a seguinte frase: "Pra cima capitão. Como você disse: eles vão sentir saudades de nós". Ao que o ex-presidente respondeu: "Nós?". O empresário rebateu lembrando que apoiou Bolsonaro em sua campanha pela reeleição, em 2022, inclusive com doação de dinheiro. Eduardo Bolsonaro entrou no debate e gravou um vídeo direcionado aos eleitores lembrando que, quando tentou ser candidato naquele pleito, Marçal fez críticas ao então presidente.
O ex-coach também teve embate com Carlos Bolsonaro, a quem chamou de "retardado" em entrevista e o acusou de prejudicar a campanha do pai à reeleição. Carlos afirmou, em sua rede social, que acionou seu advogado para mover uma ação por injúria e difamação contra Marçal. O empresário respondeu o post: "Manda o Pix que eu já te mando o dinheiro pra procurar um tratamento psiquiátrico". O vereador replicou informando a chave para a transferência: "Opa, fala amigo. Segue meu Pix".
Nos últimos dias, Marçal ensaiou recuo. Emparedado por acusações de suposta ligação de membros da cúpula de sua campanha com a organização criminosa PCC disse que todo partido tem problemas e que precisou agir como um idiota para se destacar ante os rivais. A mudança durou pouco. Bastou a Justiça Eleitoral bloquear suas redes sociais para resgatar o discurso agressivo.
— Toda perseguição acelera o processo. Derrubem minhas redes sociais que vocês vão ver, vou aparecer até dentro da sua geladeira — afirmou.