Nem constitucional nem inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem optado, há três anos, pelo silêncio em relação à flexibilização adotada pelo governo do Rio Grande do Sul na emissão de licenças ambientais.
A ação movida para questionar o autolicenciamento ambiental no Rio Grande do Sul está sob responsabilidade do ministro Cristiano Zanin. Enquanto o relator não julga a questão ambiental, a flexibilização segue em vigor no Estado.
Em maio de 2024, completaram-se três anos desde que as partes do processo foram ouvidas. Procuradoria-Geral da República (PGR) e Advocacia Geral da União (AGU) se manifestaram contra parte da flexibilização estadual. Já o governo do Rio Grande do Sul e a Assembleia Legislativa defenderam o oposto, a constitucionalidade do autolicenciamento.
O autolicenciamento ambiental – tecnicamente chamado pelo governo do Estado de Licença Ambiental por Compromisso – foi proposto pelo governador Eduardo Leite em 2019 e aprovado pela Assembleia Legislativa no mesmo ano.
Ao lançar o mecanismo, o governo Leite liberou o autolicenciamento para 47 atividades econômicas de baixo, médio e alto potencial poluidor. Neste formato de licenciamento, o empreendedor encaminha os documentos exigidos, se compromete a cumprir as regras e recebe imediatamente a licença ambiental.
Autolicenciamento afrouxa cuidado ambiental, alega PGR
Autora da ação direta de inconstitucionalidade 6618, a PGR alega que os Estados têm competência limitada para criar formatos próprios de avaliação ambiental, mas que a lei gaúcha extrapolou os seus limites ao flexibilizar as licenças para atividades de médio e alto potencial poluidor.
“É certo que (...) há espaço para que Estados e municípios legislem de forma suplementar sobre o licenciamento ambiental. (...) A Resolução CONAMA 237/1997 permitiu os entes de estabelecerem procedimentos simplificados de licenciamento. Contudo, tal hipótese foi prevista tão somente para o licenciamento de atividades de pequeno potencial de impacto ambiental”.
Em outro trecho da argumentação, a PGR diz que o formato simplificado de licença se apresenta como uma falsa avaliação ambiental: “Ao criar a licença ambiental por compromisso, o Rio Grande do Sul converte parte do licenciamento ambiental em um procedimento cartorário, verdadeiro simulacro de avaliação ambiental”.
AGU reforça que o Rio Grande do Sul poderia liberar o autolicenciamento para atividades com baixo risco ambiental, mas não para as de médio e alto potencial poluidor.
Governo do RS defende mecanismo para desburocratizar
O governo do Estado, por sua vez, destaca que é preciso considerar que o poder público tem estudos ambientais anteriores à emissão de licenças, os chamados zoneamentos ambientais. Conforme a argumentação do governo, estes levantamentos seriam mais efetivos para proteção do meio ambiente do que a avaliação individual dos empreendimentos.
“O conhecimento técnico do território, considerado de forma ampla, seguido do debate para edição de norma do Conselho de Meio Ambiente, garante uma maior proteção ambiental e permite uma racionalização dos procedimentos individuais do licenciamento ambiental”, diz trecho da manifestação do governo do Estado na ação.
O governo gaúcho acrescenta que a liberação do autolicenciamento para atividades específicas permite ao Estado E ao poder público reduzir a burocracia e focar a fiscalização nos setores em que considera haver maior risco ambiental:
“A licença ambiental por compromisso não diminui a fiscalização das atividades potencialmente poluidoras. Ao contrário, racionaliza recursos para focar em atividades de relevante impacto. (...) Em termos materiais, as atividades que admitem o procedimento administrativo da licença ambiental por compromisso já são conhecidas, pois sua implementação é padronizada e os riscos já estão ampla e suficientemente identificados”.
Nova ação questiona flexibilização em Áreas de Proteção Permanente do RS
Em 6 de maio, representantes dos Três Poderes federais estiveram no Rio Grande do Sul para sinalizar atenção especial da União à catástrofe ambiental gaúcha e à reconstrução do Estado. Naquela oportunidade, sem tratar de casos concretos, o vice-presidente do STF, Edson Fachin, se manifestou em defesa da manutenção das leis ambientais.
— A proteção do meio ambiente também é um direito fundamental, e essa circunstância tem que nos levar a pensar não apenas em reparar o que aconteceu, mas prevenir, e prevenir significa, também, proteger o meio ambiente, significa também manter as leis de proteção da natureza — disse Fachin.
Oito dias depois, uma nova ação foi protocolada no STF questionando uma segunda flexibilização ambiental do Rio Grande do Sul. Por sorteio, a relatoria do caso ficou com Fachin.
O alvo do questionamento, desta vez, é a lei sancionada pelo governador Eduardo Leite em abril deste ano, que alterou o Código Estadual do Meio Ambiente, flexibilizando as regras para a construção de açudes dentro de áreas de preservação permanente (APPs).
Até esta sexta-feira (21), governo do Estado e AGU já se manifestaram na ação, faltando ainda a posição da PGR para que Fachin possa iniciar o julgamento. Enquanto o governo gaúcho defendeu, na ação, a constitucionalidade da lei gaúcha, a AGU se manifestou pela anulação das flexibilizações ambientais. Não há prazo para julgamento do caso.