Na esteira das recentes tragédias climáticas que assolaram o Rio Grande do Sul, a oposição de esquerda ao governo Eduardo Leite pretende revogar medidas que flexibilizaram a legislação ambiental gaúcha. Quatro projetos de lei (PLs) protocolados por PT e PSOL na Assembleia Legislativa retomam a redação original do Código Ambiental, protegem o bioma pampa e autorizam o governo a criar um instituto para gerir os recursos hídricos, entre outras mudanças (veja quadro).
O principal foco dos partidos está na extinção do autolicenciamento ambiental, na anulação da permissão para construção de barragens em áreas de preservação permanente (APPs) e na proibição de uso e venda no RS de agrotóxicos que são proibidos no seu país de fabricação. As medidas foram aprovadas com ampla maioria pela base de sustentação do Piratini e sancionadas por Leite. Criticadas por ambientalistas, as três leis são objeto de ações diretas de inconstitucionalidade que estão tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), sem previsão de julgamento.
A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o chamado autolicenciamento ambiental, permite que empreendimentos considerados de baixo impacto tenham autorização automática de implementação, sem necessidade de apresentação de estudos nem licenças prévias. O instrumento foi criado em 2019, na primeira grande reforma aprovada por Leite na Assembleia, com a alteração de 480 pontos do Código Ambiental.
No ano seguinte, Leite obteve nova vitória política, desta vez alterando uma legislação pioneira no país sobre agrotóxicos. Aprovada em 1982, a legislação até então vigente proibia no Estado o uso e comercialização de agrotóxicos que não sejam licenciados no próprio país de origem. O texto patrocinado pelo Piratini retirava essa vedação.
Mais recente, a permissão para construção de barragens em área de preservação permanente (APP) é de autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos) e foi aprovada em março. Antes da votação, o Ministério Público alertou se tratar de medida inconstitucional e o próprio governador salientou a controvérsia jurídica. Mesmo assim, Leite sancionou a lei em 9 de abril, 20 dias antes da enchente.
Para o deputado Miguel Rossetto, vice-líder do PT, a recorrência com que o Estado tem sofrido com secas e enchentes sucessivas demonstra a urgência de revisão da legislação ambiental. Autor do PL que prevê a criação de uma autarquia para gerir os recursos hídricos, Rossetto também advoga a instalação de uma comissão permanente na Assembleia para tratar das mudanças climáticas.
— O Estado precisa voltar a discutir o meio ambiente. Éramos a vanguarda e agora somos o atraso na agenda ambiental. Essa política que abriu mão da prevenção e apostou na reação se mostrou desastrosa, com enormes prejuízos sociais e econômicos — afirma o deputado.
Juntos, PT e PSOL esperam mobilizar entidades ambientais e movimentos sociais para ampliar a discussão na sociedade, induzindo o debate na Assembleia. Os partidos também vislumbram uma disposição para o diálogo no Piratini após as críticas recebidas pelo governador durante a enchente por conta da flexibilização nas regras ambientais. Embora Leite não tenha incluído nenhuma entidade do setor entre as 169 representações que fazem parte do Conselho do Plano Rio Grande, concebido para ajudar na reconstrução do Estado, ele pediu sugestões à Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), uma das mais respeitadas instituições ecológicas do RS.
Líder do PSOL na Assembleia, Luciana Genro começa nos próximos dias a buscar apoio nos demais partidos e pretende aguardar a escolha do relator dos projetos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para deflagrar uma ofensiva política mais intensa. A deputada, porém, admite que há forte resistência na Assembleia em aprovar regras que preveem maior rigidez na proteção ambiental.
— Resolvemos unir forças pois sabemos que é bastante difícil aprovar esses projetos. Mas temos que denunciar o desmonte da legislação ambiental e o efeito dessas mudanças — diz Luciana.
Responsável por unificar a posição da base aliada, o líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP), ainda não se debruçou sobre os projetos da oposição. Envolvido na adaptação da Lei de Diretrizes Orçamentárias à realidade do Estado pós-enchente, o deputado pretende aguardar a chegada dos textos à CCJ para estudar as mudanças propostas e discutir cada ponto com os órgãos técnicos do governo.
— Não conheço os projetos, ainda não tive tempo de analisá-los com calma. Farei isso assim que for possível, mas sei que toda e qualquer alteração feita nos últimos anos na legislação não teve efeito para causar o desequilíbrio climático que vimos agora no Estado — comenta Antunes.
As propostas da oposição
PL 174/2024
De autoria da bancada do PSOL, o projeto de lei revoga ao menos quatro medidas dos governos Eduardo Leite e José Ivo Sartori:
- Revoga a extinção da Fundação Zoobotânica, dando 90 dias para a recriação da instituição.
- Revoga o autolicenciamento ambiental, pelo qual investidores são dispensados de apresentar estudo de impacto dos empreendimentos.
- Revoga a permissão para construção de barragens para armazenamento de água em áreas de preservação ambiental (APPs).
- Revoga autorização para uso e venda no RS de agrotóxicos que são proibidos no seu país de fabricação.
PL 178/2024
De autoria do deputado Luiz Fernando Mainardi e encampado pela bancada do PT, revoga e incorpora dispositivos ao Código Ambiental:
- A exemplo do projeto do PSOL, revoga o autolicenciamento ambiental, a construção de barragens em APPs e a nova lei de agrotóxicos.
- Cria novas regras para parcelamento do solo, como mínimo de 15% de área verde para infiltração de água em empreendimentos imobiliários.
- Proíbe a construção de empreendimentos imobiliários em áreas alagáveis.
- Determina que o plano diretor dos municípios esteja em sintonia com o plano estadual de mudanças climáticas.
PL 179/2024
De autoria do deputado Luiz Fernando Mainardi (PT) e encampado pela bancada do PT, estabelece proteções ao bioma Pampa:
- Determina a preservação de ao menos 20% da área de cada propriedade.
- Fixa prazo de um ano para o governo estabelecer lei específica de proteção ao pampa, com normas de uso e conservação do bioma.
PL */2024
De autoria do deputado Miguel Rossetto (PT) e encampado pela bancada do PT, prevê a criação do Instituto das Águas do Rio Grande do Sul:
- O texto autoriza o governo a criar uma autarquia para gerir os recursos hídricos e implementar o plano das 25 bacias hidrográficas do RS.
*O projeto ainda não recebeu número do Departamento Legislativo