A Polícia Federal (PF) convocou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para prestar depoimento como parte das investigações sobre possíveis tramas golpistas envolvendo membros do ex-governo e militares. Está previsto que o depoimento ocorra na próxima quinta-feira (22), segundo o advogado Paulo Cunha Bueno, que representa Bolsonaro. A defesa do ex-presidente confirmou a informação.
Além de Bolsonaro, o coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens, também foi intimado a depor sobre o suposto envolvimento em organização criminosa para tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
O advogado Eduardo Kuntz, responsável pela defesa de Câmara, afirmou que a "ampla defesa" de seu cliente está "totalmente comprometida por falta de acesso aos elementos da investigação". Sem essas informações, Kuntz diz que a defesa está impedida de trabalhar e que o depoimento deveria ser adiado.
Marcelo Câmara está preso deste o dia 8. Segundo informações da investigação, ele era o "responsável por um núcleo de inteligência não oficial do presidente da República, atuando na coleta de informações sensíveis e estratégicas para a tomada de decisão de Jair Bolsonaro".
Outros presos na operação foram o coronel Bernardo Romão Correa Neto, o major Rafael Martins de Oliveira e o ex-assessor especial para Assuntos Internacionais de Bolsonaro, Filipe Garcia Martins. Os quatro já passaram por audiência de custódia e seguem em prisão preventiva.
A PF encontrou, entre outras evidências, um vídeo de uma reunião na qual Bolsonaro instrui ministros a agir sem esperar pelos resultados das eleições. No entanto, a defesa afirma que o ex-presidente nunca considerou um golpe.
Além do vídeo apreendido no computador de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a Polícia Federal obteve outras evidências que colocam o ex-presidente como integrante da trama golpista.
A corporação descobriu, por exemplo, uma gravação de uma reunião realizada em julho de 2022, na qual Bolsonaro convoca seus ministros para discutir estratégias para evitar uma derrota nas eleições. Naquela ocasião, Bolsonaro antecipa a possibilidade de perder a disputa e instrui os ministros a acionarem "o plano B".
Durante essa mesma reunião, um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro, o general Augusto Heleno, que na época era chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), argumenta que era necessário virar a "mesa" o mais rápido possível, antes mesmo do resultado das eleições.
Operação Tempus Veritatis
A Polícia Federal (PF) deflagrou no dia 8 de fevereiro a maior investida contra supostos articuladores dos atos antidemocráticos que culminaram nas invasões do 8 de Janeiro. Batizada de Tempus Veritatis — Tempo da Verdade —, a operação mirou o presidente Jair Bolsonaro e alguns dos seus mais influentes auxiliares. Foram cumpridos quatro ordens de prisão e 33 mandados de busca e apreensão.
A ofensiva da PF aponta a existência de uma organização criminosa gestada no núcleo do governo Bolsonaro para tentar um golpe de Estado, com “abolição violenta do Estado democrático de direito". Entre os alvos, estão 16 militares, incluindo um almirante e quatro generais de quatro estrelas, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, integrantes do chamado “gabinete do ódio” e até um padre. Bolsonaro teve o passaporte apreendido e está proibido de deixar o país, bem como de manter contato com os demais investigados.
Com 135 páginas, a decisão do ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes traz detalhes de como o grupo teria espionado autoridades, mobilizado tropas de elite e tentado cooptar a cúpula das Forças Armadas, ao mesmo tempo em que espalharia desinformação e organizaria protestos de rua.
A investigação é amparada na delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o coronel do Exército Mauro Cid, em conversas extraídas de aplicativos de mensagens e até mesmo em um vídeo de uma reunião em que Bolsonaro discute com militares formas de questionar a legalidade do processo eleitoral.
Neste vídeo, apreendido no computador de Cid e gravado durante reunião realizada em 5 de julho de 2022, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, defende intervenção antes das eleições presidenciais.
— Se tiver de dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver de virar a mesa é antes das eleições — afirma Heleno.
Conforme a PF, a organização criminosa era dividida em seis eixos. Seus integrantes atuariam de forma coordenada para, entre as funções, atacar o sistema eleitoral, incitar militares à insurreição, fornecer subsídio jurídico ao golpe e montar aparato paralelo de inteligência.
No núcleo jurídico, foi redigida a minuta de decreto com o qual Bolsonaro pretenderia dar contornos legais ao golpe. A versão inicial do texto, segundo a PF, previa a prisão de Moraes, do também ministro do STF Gilmar Mendes e do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco. Após ler o documento, Bolsonaro teria pedido a exclusão das prisões de Gilmar e Pacheco.
“Após a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao Golpe de Estado”, reproduz Moraes.