A tensão entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) aumentou consideravelmente nas últimas semanas, à medida que parlamentares expressaram sua insatisfação por meio da obstrução de votações no Legislativo e da análise rápida de um projeto que busca restringir a influência e os poderes da Corte.
A crise entre o Legislativo e o Judiciário se agravou devido a uma sequência de votações do tribunal em questões como o marco temporal, que está em tramitação como projeto de lei, a descriminalização das drogas e a legalização do aborto até 12 semanas após a concepção.
Na quarta-feira (4), a comissão líder do Senado rapidamente votou a favor de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece restrições aos pedidos de vista e às decisões individuais nos tribunais superiores. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reiterou seu apoio à ideia de introduzir mandatos para os ministros.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reforçou o cenário de embate e disse que os Poderes devem se manter nos "limites constitucionais" e que tem "absoluta certeza" de que "o Parlamento os obedece, os cultiva e os respeita". A declaração foi dada na abertura do evento para celebrar os 35 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Em resposta, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, lembrou que, recentemente, a própria Corte fez alterações em seu regimento que tocam em pontos a que a emenda se refere. Ele afirmou que o Congresso é um lugar de debates, mas observou que "nós (os membros do Judiciário) participamos desse debate também".
— Acho que o Supremo, que talvez seja umas das instituições que melhor serviu ao Brasil na preservação da democracia, não está em hora de ser mexido — afirmou Barroso.
A seguir, entenda em tópicos os principais pontos de conflito entre a Suprema Corte e o Congresso Nacional:
Votos em temas polêmicos
Nos últimos períodos em que ocupou o cargo de presidente do Supremo, a ministra aposentada Rosa Weber agendou uma série de ações que geraram controvérsia.
Essas ações incluíram a permissão para sindicatos cobrarem contribuições assistenciais de não filiados, a declaração de inconstitucionalidade do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal e a legalização do aborto até 12 semanas após a concepção.
Essas votações foram alvo de críticas por parte dos parlamentares. Deputados e senadores interpretaram os julgamentos como uma interferência do Judiciário na atividade legislativa. Em resposta, Rosa justificou a análise de questões consideradas sensíveis pelo sistema judicial.
A partir desse contexto, diversas repercussões se desencadearam. O presidente do Senado apresentou uma PEC que proíbe a posse e o porte de qualquer quantidade de drogas. O Senado também rapidamente aprovou o projeto do marco temporal para demarcação de terras indígenas, aguardando agora a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Revogação de decisões do Supremo
Na semana passada, iniciou-se o processo de análise na Câmara dos Deputados de uma PEC que, se aprovada, possibilitaria ao Congresso revogar decisões do Supremo. A proposta obteve 175 assinaturas, quatro a mais do que o mínimo exigido para iniciar as deliberações no âmbito legislativo.
O texto estabelece que as decisões do STF que "ultrapassem os limites da Constituição" poderiam ser suspensas mediante a aprovação de um decreto em dois turnos, com o apoio de 308 deputados na Câmara e de 49 votos no Senado.
Mandato de ministros
Já no início desta semana, Pacheco reiterou seu apoio à ideia de estabelecer mandatos para os ministros do Supremo, bem como aumentar a idade mínima para ingressar no tribunal. Ele também mencionou que o Senado pode iniciar a discussão sobre esse assunto após a nomeação do substituto de Rosa por parte do presidente Lula.
Atualmente, os magistrados do STF permanecem na função até atingirem a idade de aposentadoria compulsória, que é aos 75 anos. Quanto à idade mínima para se tornar membro da Corte, atualmente, é estabelecida em 35 anos.
Na terça-feira (3), o ministro Gilmar Mendes reagiu às declarações do presidente do Senado e declarou que "pelo que se fala, a proposta se fará acompanhar do loteamento das vagas, em proveito de certos órgãos", o que acirrou ainda mais os ânimos de lado a lado.
Limite para decisões individuais
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou na quarta-feira (4) uma PEC que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores.
A proposição, apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), recebeu voto favorável do relator, senador Esperidião Amin (PP-SC), e agora será encaminhada para deliberação do plenário do Senado. Caso aprovada, será analisada na Câmara dos Deputados.
A PEC também proíbe decisões monocráticas — de um único ministro — que tenham como efeito:
- suspender leis ou atos normativos que atinjam a coletividade
- suspender atos do presidente da República ou dos presidentes da Câmara, do Senado e do Congresso.
O projeto define ainda que pedidos de vista — tempo extra para análise — em tribunais devem ser coletivos e limitados a seis meses, podendo ser renovados por mais três. Após o prazo, o processo seria incluído automaticamente na pauta de votações.
Reação de Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, disse na quarta-feira que não vê razão para alterações no funcionamento da Corte, neste momento, depois do papel desempenhado pela instituição na defesa da democracia.
— Honesta e sinceramente, considerando uma instituição que vem funcionando bem, eu não vejo muita razão para se procurar mexer na composição e no funcionamento do Supremo — declarou o ministro.
Uma das medidas criticadas pelo presidente do Supremo é a que possibilita a reversão de decisões monocráticas proferidas pelos ministros. Barroso lembrou que tal medida já foi adotada na Constituição de 1937, na ditadura de Getúlio Vargas, “o que não me parece um bom precedente”.
Em relação a mandatos, Barroso disse ver vantagem e desvantagens na sua adoção. Para o ministro, o problema maior estaria em se mudar a regra, não deixando que a opção do constituinte de 1988 se consolide.