O Senado rejeitou, por 34 votos a 22, o último destaque ao projeto de lei do marco temporal. Com isso, o texto segue para sanção presidencial. Caberá agora ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidir se sanciona ou não o texto, diante de diversas críticas de entidades ambientalistas e de defesa dos direitos dos indígenas.
O destaque em votação pelos senadores dizia respeito ao contato de entidades do setor privado com povos indígenas isolados. Os senadores decidiram manter o texto atual, que estabelece que esse tipo de contato deve se limitar a auxílio médico e ações de utilidade pública.
Os senadores já haviam rejeitado outro destaque que dizia respeito à possibilidade de o governo retomar áreas indígenas caso fosse verificado que o território não seja mais essencial devido à alteração dos traços culturais da comunidade indígena ou de outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo.
O relator defendeu o texto aprovado na CCJ, ao rejeitar as emendas apresentadas em Plenário. Marcos Rogério afirmou que o tema foi debatido de forma profunda e exaustiva. Segundo o senador, o projeto é uma oportunidade de devolver segurança jurídica ao Brasil do campo. Ele disse que hoje há um sentimento de insegurança e desconforto no meio rural, por conta da indefinição do limite para demarcação. Para o senador, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em considerar o marco temporal como inconstitucional não vincula o Legislativo.
— Esta é uma decisão política. Hoje, estamos reafirmando o papel desta Casa. Com esse projeto, o Parlamento tem a oportunidade de dar uma resposta para esses milhões de brasileiros que estão no campo trabalhando e produzindo — declarou o relator.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reafirmou seu compromisso com a tramitação da matéria. Ele disse que não houve, por parte da Presidência da Casa, nenhum “açodamento” para apressar a votação. O presidente ainda defendeu que o Congresso Nacional se posicione sobre questões importantes para o país. Pacheco reafirmou seu respeito a todos os setores, negou que a aprovação do projeto seja um enfrentamento ao STF e pediu foco na conciliação e no respeito entre os Poderes.
A aprovação foi uma vitória da bancada ruralista e um sinal negativo da base de apoio ao governo Lula (PT). Partidos governistas como o PSD, MDB e PSB deram votos a favor do texto. O PP e o Republicanos, que recentemente ganharam cargos na Esplanada dos Ministérios, também colaboraram para a aprovação do projeto.
Segurança
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) disse que o projeto é uma forma de dar uma satisfação à sociedade. Ela elogiou a postura firme e decidida dos senadores ao tratar de uma questão “extremamente importante”, que pode ajudar na pacificação do país. O senador Zequinha Marinho (PL-PA) também defendeu a aprovação da matéria, apontando que o texto está há 17 anos sendo discutido no Congresso. Segundo o senador, o país seguirá cuidando de seus povos originários.
— Esta Casa precisa fazer sua obrigação: legislar, para que outros não façam seu papel. Este projeto é importante para o Brasil, por trazer segurança jurídica — afirmou Zequinha.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) disse não concordar com uma política ambiental que nega a existência de habitantes na floresta amazônica. Ele citou como exemplo a dificuldade de asfaltar uma rodovia em seu estado. Na visão do senador, a questão do STF “somatiza” com as decisões de políticas ambientais. Omar Aziz ainda acusou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de “estreitismo”. De acordo com a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), a aprovação do tema mostra a importância de o Senado legislar.
— O projeto traz paz no campo, paz na cidade. Se continuar do jeito que está, podemos ter até uma guerra civil — declarou a senadora.
Na opinião do senador Jayme Campos (União-MT), a aprovação do marco temporal faz o Senado reassumir suas prerrogativas. Ele disse que o projeto é uma forma de respeitar os produtores rurais e os indígenas, levando segurança e paz ao campo. Na mesma linha, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse que o projeto é uma forma de trazer segurança jurídica e aproximar o Senado da sociedade.
Para o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o Senado está dando uma resposta à população brasileira. Ele disse não ver inconstitucionalidade no projeto de lei. Segundo Soraya Thronicke (Podemos-MS), a política atual do governo deixa indígenas e produtores insatisfeitos. A prova, disse a senadora, é que não havia indígenas nas galerias do Plenário do Senado para pedir a rejeição do projeto.
Supremo
Na visão do líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), é inócuo votar um projeto que tem um sentido contrário ao que o STF decidiu como constitucional. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que o projeto traz questões que vão além do marco temporal. Ele citou que o texto prevê até explorar e plantar transgênicos nas terras indígenas.
— Isso é inconstitucionalidade flagrante. Retroceder a demarcação é mais que inconstitucional. Por óbvio, será acionada a Suprema Corte — argumentou Randolfe.
Para a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o projeto tenta modificar o texto da Constituição de 1988. Ela lembrou que, na semana passada o STF já decidiu a questão, ao considerar o marco temporal como inconstitucional. Na visão da senadora, é desumano usar os povos indígenas como disputa entre o Legislativo e o Supremo. Eliziane ainda afirmou que a aprovação marca “um dia triste” para o meio ambiente.
— Se é mudança na Constituição, tem que ser PEC [proposta de emenda à Constituição]. O que estamos votando hoje, o STF claramente derrubou por nove votos a dois. Este projeto está fadado ao veto presidencial — registrou a senadora.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) também registrou que a tese do marco temporal já foi reconhecida como inconstitucional pelo Supremo. Ele disse que a votação do projeto não passava de “um teatro, muito bonito para as redes sociais”, mas que não geraria consequências jurídicas, pois um projeto de lei não poderia fazer mudanças constitucionais.
— Que ganho há em colocar esta Casa em mais um constrangimento? – questionou o senador.
Pacheco: não há "sentimento revanchista"
Antes da decisão sobre o último destaque, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestou no plenário do Senado para negar qualquer tipo de enfrentamento do Congresso ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu na semana passada, por 9 votos a 2, que a tese do marco temporal é inconstitucional.
— Buscamos para o Brasil a conciliação, a pacificação, a reunificação nacional em prol do desenvolvimento econômico, humano, social, respeito a todos os segmentos e setores. Tenho visto algumas notícias sobre esse tema como se fosse um enfrentamento do Senado e do Congresso ao STF e quero afirmar com absoluta sinceridade e franqueza que absolutamente de nossa parte não há nenhum tipo de sentimento revanchista à Suprema Corte. Sempre defendi a autonomia dos Poderes. É simplesmente o fato de que não podemos nos omitir daquilo que é o nosso dever, que é legislar — disse Pacheco.
Indígenas
Para o senador Weverton (PDT-MA), há erros em vários governos “em não enfrentar o tema como deve ser enfrentado”. Ele disse que há mais de mil famílias desalojadas de suas terras no Maranhão sem indenização. Segundo o senador, os indígenas não querem mais terra, mas estrutura. Ele disse que votou a favor do projeto, mesmo reconhecendo pontos inconstitucionais, porque o Brasil precisa de harmonia e incentivo ao crescimento.
Por outro lado, a senadora Zenaide Maia (PSD-RN) apontou que existem muitos interesses em torno das terras indígenas. Ela falou que os povos indígenas estão sendo “esmagados”, por serem vulneráveis. Para a senadora, o tema precisaria ser debatido na Comissão do Meio Ambiente (CMA) e na Comissão dos Direitos Humanos (CDH).
— É o lucro e o interesse econômico acima da vida. Quem está ganhando hoje é quem financia os garimpos e os grandes latifúndios. Isso é uma página infeliz da nossa história — afirmou a senadora.